terça-feira, março 15, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº I, ano de 1957 (9/12)

PICIUS - Divindade pré-romana, de S. Pedro de Lourosa, Oliveira do Hospital

por Fernando Russell Cortez

Das obras de reconstituição da Igreja de S. Pedro de Lourosa, levadas a termo pela Direcção dos Monumentos Nacionais, resultaram inúmeros materiais mais antigos. Anteriores portanto ao século X e pertencentes a templos hispano-cristãos e romanos.
Algumas destas pedras lavradas bem podem ser oriundas de edifícios da Civitas, a que hoje chamamos Bobadela, localidade que fica nas proximidades de Lourosa.
Muitos destes restos merecem um estudo pormenorizado e são elementos valiosos para o estudo da nossa arquitectura dos séculos V a XII.
Entre os materiais romanos encontraram-se pelo menos três lápides das quais hoje estudo uma.


Ara romana consagrada a Piscius

Refiro-me a ara votiva consagrada à divindade pré-romana PICIUS.
A invocação não é inédita pois a fotografia da ara pode ver-se na obra que o Cónego Aguiar Barreiros (1), dedicou a este templo cristão e ilustrou com magníficas fotografias de Marques de Abreu. Posteriormente Cuevillas e Serpa Pinto, referem-se à existência da tal divindade indígena, mas localizam-na nos arredores do Porto (2).
Porém, a leitura deste texto jàmais foi feita. Ela é objecto desta nota sobre a epigrafia romana da Beira.
A ara dedicada a PICIUS, com sua comija e embasamento foi lavrada numa lage de granito, com 75x49 cm. de comprimento e largura, respectivamente. O campo da epígrafe é um rectângulo de 45x35 cm.. A inscrição desenvolve-se por três regras, preenchidas com caracteres de 6 cm. de altura, na vertical.

ARCO MAVCI
F . PICI O .
V L S M

que pode completar-se como referindo: ARCO MAUCI F(ilio) PICIO V(otum) L(ibens) S(olvit) M(erito).
Memora-nos pois o cumprimento do voto prometido a PICIO por Arco, que era filho de Mauci.
Voltou a ser referida ùltimamente por Tovar e Navascués (3).
Esta invocação não é única e de todo desconhecida entre as divindades locais pré-romanas da Terra ora Portuguesa. Em Vilar de Mó, Belver, Gavião, consequentemente nas priximidades da Terra Beiroa, foi encontrada, embutida nas alvenarias do altar da velha capela de S. João Evangelista, e quando da sua demolição em 1945 (4), uma outra lápide: Animus Taltici Rannel Picio D. V. L. M. que bem pode ser aproximada da que ora estudamos de Lourosa. As linhas 3 e 4 da lápide fora consagrada a 3)RANNEL 4) PICIO.
Talvez possamos supô-la consagrada a duas divindades indígenas Rannel e Picio. Ou então Rannel seria uma diferença tópica dada à divindade PICIUS que também nos apareceu invocada em S. Pedro de Lourosa, do concelho beirão de Oliveira do Hospital e motivou esta breve nota epigráfica.

(1) A Igreja de S. Pedro de Lourosa, pág. 29, Est. 57, Porto 1934.
(2) Florentino Lopes Cuevillas e Rui de Serpa Pinto, Estudos encol da Edade de Ferro no N. W. da peninsua: A relixion, Arquivos do Seminário de Estudos Galegos, pág. 356, 1934.
(3) António Tovar e Joaquim Maria de Navascués, - Nombres de Divindades del Oeste Peninsular, pág. 183 da "Miscelãnea à memória de Adolfo Coelho", Lisboa 1950.
(4) Eugénio Jalhay - Lápides romanas dos arredores de Mação (Beira Baixa), "Brotéria", XLVIII, pág. 10, ss. Lisboa 1949
Site Meter