sexta-feira, março 25, 2005

Antecedentes do reinado de D. Duarte

Por António Dória Lopo de Abreu, Professor efectivo da Escola Secundária de Alves Martins - Viseu, Licenciado em Histórico-Filosóficas

Para estudar o curto reinado de 5 anos de el-rei D. Duarte, sob o meu ponto de vista, é necessário retroceder aos eventos resultantes da crise de 1383-85 e às mudanças radicais que se deram no País.

D. Fernando, o último monarca da dinastia Afonsina, com obra de vulto no desenvolvimento da marinha mercante, do comércio externo e interno e ainda nos domínios da agricultura, era, por temperamento, indeciso e sensual: "Mancebo valente, ledo e namorado, amador de mulheres e chegado a elas" - como o descreve o cronista.

As lutas com Castela resultantes de noivados falhados terminando no casamento com D. Leonor Teles, mulher que era de João Lourenço da Cunha, estão na origem da paz comprometedora para a independência nacional com a cláusula do casamento da sua única filha, a infanta D. Beatriz, com o rei de Castela, entregue a regência do reino, até ao nascimento dum herdeiro, a D. Leonor, detestada por parte da baixa nobreza, da burguesia, da arraia miúda, dada a sua ligação pública com o conde Andeiro.

Morto o rei, a regente manda aclamar como rainha D. Beatriz de Castela. Com o reino, sob o aspecto económico num estado calamitoso, este gesto foi a gota de água que fez estravazar a revolução popular.

Um triunvirato de que faziam parte D. Nuno Álvares Pereira, Dr. João das Regras liderado por Álvaro Pais, escolhe como pretendente um dos bastardos de D. Pedro I - O Mestre de Aviz, D. João.

Aclamado nas cortes de Coimbra, D. João desdobra-se numa intensa movimentação na recuperação do território e ocupação das fortalezas e castelos dos seguidores de Castela, em constantes campanhas militares e em deslocações da corte de sul a norte do País. Em 1391 demora-se em Évora até Junho seguindo pela Beira Interior, passando por Tomar, Leiria e Coimbra chegando a Seia a 1 de Agosto, demorando-se em Gouveia, Trancoso e Marialva e Fontearcada, fixando-se em Viseu a 15 de Setembro.

Razão do nascimento nesta cidade do Infante que, por homenagem de sua mãe D. Filipa de Lencastre e da tradição inglesa, recebe o nome de Duarte sendo agraciado com o título de Príncipe.

D. João ainda se demora em Viseu, reunindo cortes em Dezembro solicitando auxílio pecuniário e procedendo ao tabelamento dos produtos essenciais e ao valor médio dos salários.

Mas o monarca teve de pagar caro o seu trono seguindo à risca os conselhos de Álvaro Pais: "Dai o que não é vosso, prometei o que não tendes e perdoai a quem vos errou".

Razão porque não só as terras dos adeptos de Castela foram distribuídas fartamente mas muitas da própria coroa, pois, como escreve Fernão Lopes, "se cumularam de honrarias os que haviam abraçado o partido do Mestre... como Filhos de homens de baixa condição foram cavaleiros por seu serviço e trabalho".

Uma nova sociedade, outros costumes, outras necessidades substituiram a antiga construção política senhorial por outra estruturada no conceito de Nação com personalidade própria e independente de laços pessoais.

Economicamente depauperado o País por esta guerra demorada, pela peste, pela falta de géneros e de metais preciosos, numa Europa em idênticas condições, o monarca inicia uma política de expansão procurando captar as rotas do ouro e das especiarias e ainda os cereais e a carne, conquistando Ceuta. Um sonho e uma desilusão... volta-se, então para a costa atlântica numa empresa chefiada pelo infante D. Henrique.

Morto o rei cabe a D. Duarte uma política de recuperação dos bens doados por seu pai e do aumento do poder real através da lei mental e da instituição do morgadio, procurando também racionalizar e organizar legislativamente a administração para evitar os abusos e aplicar mais rigorosamente a justiça.

Quanto à política externa, orienta-a na continuação do seu reinado anterior - ou seja - continuação da conquista marroquina e expansão atlântica.

Muito haveria de esperar deste rei que aliava a uma sólida capacidade política uma eclética e vasta cultura que se revela na publicação do "Leal Conselheiro" e na "Arte de Cavalgar em toda a Sela" e que morreu de peste, na cidade de Tomar, em 1438.

(in A época e a personalidade de El-Rei D. Duarte "O Eloquente"
edição organizada pelo Clube de Coleccionismo Escutista da Região de Viseu - CERV, Agrupamento nº 956 - Repeses, 1994)


Capa da edição, com desenho de Pedro Albuquerque
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