segunda-feira, março 28, 2005

Sobre a estada de D. Afonso Henriques nas Termas de S. Pedro do Sul

UM ATROPELO À HISTÓRIA

por A. NAZARÉ OLIVEIRA

in "BEIRA ALTA", volume LVIII, fascículos 3 e 4, ano 1999, 3º e 4º trimestres

Não há muito, em artigo publicado nesta Revista, a que demos o título "Reflexões sobre Historiografia Local", escrevíamos: "...nem todos os que escrevem sobre História Local fazem historiografia. Muito do que se escreve não é História. São histórias! (...) Não poucas vezes, à carência de rigor e fundamentação documental juntam-se objectivos apologéticos de exaltação das localidades e das suas gentes (...) Escreve-se o que mais interessa para reforço do que se pretende, ainda que, para isso, seja preciso forçar a interpretação dos factos, distorcê-Ios, fantasiar mesmo (I)" E citávamos, em reforço do que escrevíamos, o Prof. Doutor Carvalho Homem, da Universidade de Coimbra: "E como a historigrafia atingiu um estatuto de vulgarização que nos casos menos edificantes pemite a qualquer coleccionador de factos apresentar-se como historiador, daqui decorre frequentemente a superficialidade das conclusões ou até, nos casos mais graves, a falsificação grosseira das inferências ou ilacções" (2).

Documentávamos as nossas afirmações com alguns exemplos. No que então escrevemos, caberia mais o que se segue, se, ao tempo, dele tivéssemos tido conhecimento.

No número 7 do "Guia do Turismo de Habitação", página 44, que integrou o "Expresso" de 3 de Julho de 1999, ao tratar-se da Quinta da Comenda de Ansemil, cometem-se dois erros graves, que importa corrigir, em nome do rigor histórico.

Está escrito: "Aqui (Casa da Comenda) se alojou o Rei D. Afonso Henriques quando se deslocou às Termas de S. Pedro do Sul para se tratar de uma fractura que sofreu numa perna durante a batalha de S. Mamede".

Primeiro erro: D. Afonso Henriques não fracturou a perna na batalha de S. Mamede, que foi em 1128. Nessa batalha, era um jovem de 19 anos e ainda não era rei. O desastre foi em Badajoz, em 1169, quando o rei era já sexagenário.

Segundo erro: Não tem o mínimo fundamento a afirmação de que D. Afonso Henriques se alojou na Casa da Comenda. Não sabemos quem teve a peregrina ideia de tal afirmar, pela primeira vez.

Vejamos a verdade histórica:

D. AFONSO HENRIQUES NAS CALDAS DE LAFÕES (3)

A partir do século XII, com a fundação da nacionalidade, as Caldas de Lafões afirmam-se como as mais importantes do Portugal nascente. As virtudes terapêuticas das suas águas são procuradas por nobres e plebeus.

É sabido que D. Afonso Henriques, quando retirava da praça de Badajoz atacado pelo genro, fracturou a perna direita, ao bater com ela no ferrolho de uma porta. Ficou a sofrer da perna. Entre os físicos da época, teria aparecido um, crê-se que residente ou mesmo natural de Lafões, que teria aconselhado as águas. Dizem outros que o conselho teria vindo de D. Fernando Peres, membro da Cúria Régia e senhor de Lafões. Hipótese de rejeitar, porque este nobre, à data, já era morto. Como quer que tenha sido, o primeiro rei, meses depois do desastre e ainda no mesmo ano (1169), veio às Caldas e, no dizer de Pires da Sylva, "com os banhos do outono & primavera seguinte (?) ficou tão são, que ficou capaz de vencer muitas mais batalhas" (4).

Quanto aos banhos do Outono, não há a mínima dúvida. Atestamno as datas dos documentos ali lavrados. E não são poucos. Relativamente aos banhos da Primavera seguinte, não há qualquer documento nem conhecemos outra fonte que os refira, pelo que pomos muita reserva à afirmação de Pires da Sylva, que, para mais, erra num ano a data do cerco de Badajoz e faz mal a redução da Era de César à Era Cristã, a menos que se trate de erro tipográfico.

Em Setembro de 1169, o Rei já estava em Lafões. Ali foram lavrados documentos que claramente o referem e mostram que ali se reuniu várias vezes a Cúria Régia:

- Escritura de doação de terras, em Fafe e Guimarães, a uma D. Sancha Pais, que termina:

"Facta carta apud Alafoen mense Septembrio Era M.ª CC.ª VII.ª. (5).

- Carta de doação à Ordem do Templo da terça parte dos bens que viessem a ser conquistados para além do Tejo, onde se lê:

"Facta scriptura mense Septembrio apud Alafoen Era M.ª CC.ª VII.ª" (6).

No mês seguinte, o Rei continuava nos banhos. Refere Viterbo que, no mês de Outubro, estando em Lafões, confirmou à Ordem do Templo a doação dos castelos de Cardiga e Tomar (7).

E, em Novembro, a corte permanecia em Lafões. Novas reuniões da Cúria e novos documentos ali foram lavrados:

- Uma doação feita à Sé de Zamora.
- Carta de couto, passada à Sé de Coimbra, de metade da vila de Midões, no concelho de Tábua, que termina:

"Facta est huius cauti firmitudo et confirmata apud Alafoe Idus Nouembris Era M.ª CC.ªVII.ª" (8).

- Carta de confirmação da doação e de Couto de Oliveira de Frades a Santa Cruz de Coimbra, que diz:

"Facta est huius cauti firmitudo mense Nouembrio Era M.ª CC.ª VII.ª quando rex ueuit de Badalioz et iacebat infirmus in balneis de Alafoen" (9), o que significa, em termos de data, "no mês de Novembro na era de 1207 quando o rei veio de Badajoz e estava enfermo nos banhos de Lafões.

Todos os documentos têm a data de 1207. Vem a propósito corrigir um erro cometido por Oliveira Mascarenhas, quando, ao citar este documento, escreve: "Ha aqui um erro importantissimo, um visivel anachronismo a atender. Vê-se da escritura que D. Affonso Henriques estivera nas "Caldas de Lafões" em 1207, quando é certo, incontroverso, que este monarcha fallecera no anno de 1185". (lO)

Não há qualquer erro. Quem errou foi Mascarenhas, que esqueceu, se é que não ignorava, que a data de 1207 se refere à Era de César, o que corresponde, precisamente, a 1169 da Era Cristã. E vai mais longe. Atribui as culpas àqueles que usam de "pouco cuidado e escrupulo na trasladação dos documentos".

Com o Rei, vieram às Caldas os seus filhos. Di-lo a carta de couto de Oliveira (Ulveira) de Frades: "Eu Afonso rei de Portugal, juntamente com meus filhos, isto é, rei D. Sancho e rainha D. Teresa na presença de testemunhas idóneas roboramos este documento com as próprias mãos e fazemos estes sinais". Seguem-se três cruzes e as assinaturas das testemunhas e confirmantes, entre os quais, as mais destacadas personalidades locais: Sancho Nunes, governador de Lafões, Cerveira, que foi alcaide de Coimbra e fundador da Albergaria de Reigoso, Suarez Fernandes, juiz de Lafões, Mendo Pedro, arcediago e presbítero de S. Pedro do Sul, Suarez, presbítero de Várzea.

Outros documentos referem a presença de D. Sancho, D. Urraca e D. Teresa. É evidente que os três filhos não estiveram sempre presentes. D. Sancho, porque tinha já responsabilidades governativas. D. Urraca, porque estava casada com o rei Fernando 11 de Leão. É de admitir que D. Teresa, que padecia de "arrotos chocos", tenha acompanhado o pai durante todo o tempo.

Nas Caldas de Lafões, reuniu várias vezes a Cúria Régia, com altos dignitários da corte e bispos. No primeiro diploma que citámos, intervêm, para além dos filhos D. Sancho e D. Teresa, o arcebispo de Braga, D. João Peculiar - ligado a Lafões pela fundadação do Mosteiro de S. Cristóvão -, o bispo do Porto, D. Pedro, o bispo de Coimbra, D. Miguel, o bispo de Viseu, D. Gonçalo, o bispo de Lamego, D. Mendo, o alferes-mor Fernando Afonso, o vedor da casa do rei, Conde Vasco, o vedor Pedro Fernandes e o alferes-mor Nuno Fernandes, da casa de D. Sancho, o "tenente" da Estremadura, Soeiro Mendes.

Referindo-se a este documento, escreve o Prof. António Cruz: "E porque nada menos de cinco prelados figuram também como intervenientes, poder-se-á concluir que a cúria reunia já com assinalada regularidade, da maneira mais simples ou com toda a solenidade, em Lafões, quando foi lavrado este primeiro diploma" (11).

E, na carta de couto de metade da vila de Midões, passada à Sé de Coimbra, no mês de Novembro, é ainda maior o número de testemunhas e confirmantes. Para além de todas as personalidades referidas no primeiro documento, estiveram ainda presentes: os bispos de Tui, de Lisboa, de Évora, o prior de Santa Cruz de Coimbra, o abade de Lorvão, os Mestres Alberto, Mido e Raimundo, etc.

Tudo isto nos dá uma ideia da importância de tais reuniões, o que leva o Professor António Cruz a escrever "As mais qualificadas pessoas, fácil é deduzir, se congregavam em Lafões, no mês de Novembro de 1169: toda a cúria régia e, com ela, prelados diocesanos e de mosteiros, autoridades civis e militares, e três distinguidos com o título honorífico de magister, quando não, algum deles, mestre de verdade" (12).

De facto, ali foram tomadas decisões de importância nacional, como é o caso da doação à Ordem do Templo da terça parte dos bens que viessem a ser conquistadas para além do Tejo, o que, na opinião autorizada de António Cruz, "permite intuir que el-rei, assistido pela sua cúria e quando fixado em Lafões, aí concebeu, plausivelmente, novo plano de acção, para que daí partisse nova cruzada" (13).

Fosse ou não ali concebido tal plano, certo é que a Cúria Régia reuniu várias vezes em Lafões.

Como se vê pelas datas dos documentos, a permanência do Rei no Banho foi demorada, pois, sendo certo que lá se encontrava em Setembro, em Outubro e continuava, pelo menos, a 13 de Novembro, se não houve interrupções, é legítimo concluir por uma presença contínua, num mínimo de dois meses.

Problema que se pode pôr é o de saber se terá voltado aos banhos. Já vimos que Pires da Sylva fala nos banhos da primavera seguinte, mas nenhuma outra fonte ou documento o refere.

Pinho Leal refere a vinda em 1175, ano em que, diz o autor de "Portugal Antigo e Moderno", quebrou a perna em Badajoz (14). É um claro erro, pois o desastre de Badajoz foi em 1169. O mais curioso é que Pinho Leal diz que, segundo Viterbo, o rei veio em 1169. É evidente que Viterbo é que está certo.

O erro de Pinho Leal ficou e alguns autores o têm repetido. Fá-lo, por exemplo, Correia de Azevedo, em "Lafões", livro publicado há 40 anos, que mais tem por objectivo louvar os vivos do que fazer história, amontoado de informaçôes colhidas a esmo, não raro carente de rigor e metodologia científica (15). Com a agravante de o autor afirmar que Pires da Sylva diz que D. Afonso Henriques frequentou o Banho em 1175, depois de uma queda em Badajoz, quando a verdade é que o antigo médico das Caldas (fins do seco XVII) nunca disse tal coisa. Antes, cita documentos ali lavrados e correctamente datados pela Era de César, ainda que reportandoos a 1189 da Era de Cristo, o que, cremos, se deve a gralha tipográfica, pois deveria ser 1169. Mas nunca escreveu 1175. Na realidade, quem escreve o erro é, mais tarde, Pinho Leal.

Eduardo dos Santos, num primeiro trabalho, (16) diz, correctamente, que o Rei veio em 1169, mas acrescenta, com alguma confusão na citação dos documentos, que voltou em 1175. Verdade que, em publicação posterior do mesmo trabalho refundido, (17) deu-se conta do lapso, suprime o ano de 1175 e aponta o facto com inteira correcção.

Em Suplemento do Diário de Notícias, Francisco Hipólito Raposo, num interessante artigo sobre o património histórico e artístico de S. Pedro do Sul, depois de afirmar que D. Afonso Henriques veio às Caldas por mais de um vez, repete a afirmação de que voltou em 1175 (18).

Se assim tivesse acontecido, é natural que disso houvesse notícia. Dificilmente Pires da Sylva deixaria de o assinalar, na sua "Chronographia Medicinal das Caldas de Alafoens" (1696), a mais antiga e completa publicação. A verdade é que não se conhece qualquer documento que o prove ou, sequer, o sugira. Parece-nos, pois, errado dizer que o Rei voltou em 1175. Mas claramente errado é dizer que veio pela primeria vez naquela data e que, nesse ano, foi o desastre de Badajoz.

E, antes do desastre de Badajoz, terá D. Afonso Henriques utilizado as águas do Banho? Partindo da afirmação de Duarte Galvão, na Crónica de D. Afonso Henriques, de que o príncipe teria nascido aleijado das pernas, já se tem admitido que, naqueles águas, menino ainda, teria encontrado cura. Para além de tudo que de fantasioso existe sobre a pretendida enfermidade do príncipe, não se conhece qualquer documento que deixe, sequer, supor a vinda de D. Afonso Henriques às Caldas de Lafões, antes do desastre de Badajoz.

A única certeza que fica é, pois, a da presença do primeiro Rei em 1169.

Ocorre perguntar onde se terão alojado o régio visitante e a sua comitiva e que obras terão sido feitas.

Segundo a tradição, teria o Rei terá mandado reconstruir as antigas gafaria e albergaria. Teria, ainda, mandado construir uns "estaus" (19) e, diz Mascarenhas, "um largo cazarão de banhos com uma picina unica, onde, na mesma água, entravam 40 e mais pessoas a um tempo, affectadas de differentes enfermidades!" (20). Mascarenhas não diz onde colheu os dados, alguns dos quais deixam dúvidas ou são mesmo incorrectos, como já vimos.

A este respeito, escreve Pires da Sylva: "Dado que os Romanos, ou antes delles os antigos Lusitanos fossem authores da fundação primeva, não deixamos de dever ao nosso primeiro Rey o Senhor D. Affonso Henriques, a do edificio, que hoje (1696) se ve nos banhos de Alafoens, & correria com a obra D. Fernando Pedro. Assim o testificão huns letreiros de letra Gotica, que em muitas pedras se achão, & todos vem a dizer; Affonso I, & Fernando Pedro (...) & alguns signaes de Cruz; o que tudo mostra ser a obra já de Christãos, & dos sobreditos; & se a obra não mostra ser real em ficar por acabar, he, porq as guerras, em que então estava o novo Reyno, não davão lugar a se aperfeiçoar" (21).

Na realidade, esses sinais lá estão em vários lugares. Qualquer observador atento poderá descobri-los. Mas, ainda que admitíssemos que a piscina foi construída por D. Afonso Henriques - e não foi -, a hipótese de tais sinais significarem Fernando Pedro não tem consistência, porquanto este Senhor de Lafões, a quem, em 1152, foi concedido o foral do Banho, não aparece em qualquer dos documentos de 1169, porque, nessa data, já era morto.

Já vimos que, em diplomas lavrados no Banho, nomeadamente na carta de couto de Oliveira de Frades, aparece um Pedro Fernandes, mordomo de D. Sancho, mas tal não significa que os sinais lavrados nas pedras se lhe refiram.

Baptista de Sousa analisou minuciosamente esses sinais, que encontrou também noutros locais, designadamente em pedras dos arcos da ponte. Reprodu-los e considera que não se trata de monogramas. De facto, dificilmente poderiam considerar-se como tal. Seriam, antes, marcas usadas pelos lavrantes e de numeração das pedras. Depois de várias considerações, conclui: "Não servem pois de fundamento, para se acreditar, que foi o nosso primeiro Rei o Fundador do Hospital; nem era de crer, que El-Rei no estado de precisão, em que se achava, esperasse que se fizesse hum edificio tal, para hir nelle pousar, havendo na parte do Reino, que elle possuia, mais Caldas, posto que menos energicas" (22).

Eduardo dos Santos, a este respeito, limita-se a repetir Sousa, mas conclui - a nosso ver menos bem - que, "embora faltem provas a favor também as não há contra a opinião de ter sido D. Afonso Henriques quem começou o velho edifício" (23). Esta opinião está hoje ultrapassada. A verdade é que há provas que afastam por completo a hipótese de D. Afonso Henriques. A arquelogia revela que o edifício termal é obra dos romanos e a piscina que mais tarde tomou o nome do rei foi por eles contruída, em substituição de uma outra desactivada, aquando das grandes alterações introduzidas nas Termas, no século I (24). Posteriormente e ao longo dos séculos, novas remodelações foram feitas e, sendo natural que, para receber tão importante personagem, se tenham feito obras de beneficiação, certo é que a piscina onde o 1º Rei de Portugal tomou banhos vinha dos romanos.

Quanto à tradição de o Rei ter mandado construir um paço para sua habitação, não apresenta credibilidade. Pires da Sylva não fala no paço, antes diz que o Rei se aposentou na casa que, ao seu tempo - dele, Pires da Sylva - era designada por "casa de D. Joseph", por nela residir, em tempo de banhos, D. José de Meneses, senhor do reguengo de Calvos (25).

Segundo outros, o Rei ter-se-ia hospedado em casa de D. Fernando Pedro, que, diz o foral do Banho, "governava toda a terra de Lafões". É bem possível que o Rei tenha ficado naquela casa, mas há que fazer uma correcção ao que se tem escrito. Deverá, então, dizer-se que ficou na casa que fora de D. Fernando Pedro, porque este, como vimos, já era morto em 1169 e, nesta data, na tenência de Lafões, aparece um tal Sancho Nunes, como pode ver-se, na já citada carta de couto de Oliveira de Frades. Tinham passado 17 anos após a concessão do foral.

Pelo facto de, ao longo do tempo, continuar a chamar-se "Calçada do Paço" a uma pequena calçada existente nas Termas, conclui Mascarenhas que o Rei mandou construir um paço. Não cremos que tal tenha acontecido. Pouco vale a razão invocada, porque bastava a circunstância de o Rei ter habitado uma qualquer casa para que lhe chamassem paço.

Bem pode o Rei ter-se instalado na casa que fora do falecido senhor de Lafões, D. Fernando Pedro, casa que poderá ter sofrido obras de adaptação, porventura ampliação, e que até podia ser a mesma que, cinco séculos mais tarde, Pires da Sylva designa por "Casa de D. José".

A escassez de dados não nos permite conhecer todas as transformações que ali se terão operado. Mais de oito séculos passados, imaginemos o que terá significado, para a localidade e para a região, a presença demorada do real enfermo, com os seus acompanhantes, toda a movimentação provocada pelas reuniões da Cúria Régia, largamante participadas, como já se viu. Tudo isto, forçosamente, haveria de repercutir na vida do Concelho do Banho e das velhas Caldas de Lafões, que irão
alcançar maior desenvolvimento, não só pelas obras de beneficiação que receberam como pela projecção que lhes iria dar a preferência do 1º Rei de Portugal.

Voltemos ao motivo deste escrito:

Não tem qualquer fundamento documental, ou sequer de tradição, a afirmação de que D. Afonso Henriques se haja instalado na Casa da Comenda. É uma afirmação recente, que alguém se lembrou de fazer e não passa de uma fantasia, que outros copiam e que começa a aparecer repetida, se não em escritos científicos de especilidade, pelo menos em escritos de divulgação.

É lamentável que tal aconteça. Se a presença do rei na Comenda tivesse algum fundamento, o facto não teria escapado aos historiadores de várias épocas, nomeadamente ao probo investigador que é o Dr. Alexandre Alves, no seu trabalho "As Casas da Comenda de Ansemil" (26).

E o mais grave é que o erro começa a ser repetido. Para além do citado "Guia do Turismo de Habitação" publicado pelo "Expresso", vimos a mesma afirmação, ainda que de forma menos taxativa, em "Um Guia para o seu Fim-de-Semana", recentemente publicado pelo Unibanco.

É por estas e por outras que a História, nomeadamente a História Local, anda cheia de patranhas!


(1) "Reflexões sobre Historiografia Local", in Beira Alta, Viseu, 1998, vol. LVII, 3/4, pp. 385-390.
(2) Amadeu Carvalho Homem, "História e Psicologia: Reflexões sobre o conhecimento do Objecto Ausente", comunicação apresentada ao 9.° Colóquio da Sociedade Portuguesa de Psicanálise, Coimbra, 12 de Novembro de 1994, in Inter-Acções, nº 2 de Julho/Agosto de 1995, p 29.
(3) O Texto que se segue foi, em parte, publicado no nosso artigo "Para a História das Termas de S. Pedro do Sul", nossa colaboração in Um Olhar sobre as Termas de S. Pedro do Sul, edição do Clube "O Cebolinha", S. Pedro do Sul, 1999. Mais desenvolvido que o anterior, é, por sua vez, parte de um texto mais desenvolvido ainda, destinado a publicação futura.
(4) Antonio Pires da Silva, Chronographia Medicinal das Caldas de Alafoens, Lisboa, Officina de Miguel Deslandes, 1696, p. 15.
(5) Documentos Medievais Portugueses-Régios, nº 294.
(6) Idem, ibidem, nº 295.
(7) crr. Viterbo, Elucidário , Edição crítica por Mário Fiúza. Porto, Liv. Civilização, 1962-1968, vol. II, p. 593 a.
(8) Citado por António Cruz, "Corte Portucalense em Lafões (1169)", in Tempos e
Caminhos (Estudos de História), Porto, Faculdade de Letras do Porto, 1973, pp. 31-32.
(9) Documentos Medievais Portugueses-Régios, nº 299.
(l0) J. Augusto de Oliveira Mascarenhas, Memoria da Antiga Villa do Banho e Caldas de S. Pedro do Sul, Vizeu, Typographia Vizeense, 1885. p. 9.
(11) António Cruz, ob. cit., pp. 28-29.
(12) Idem, ibidem, p. 32-33.
(13) Idem, ibidem, p. 31.
(14) Cfr. Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Lisboa, 1873, vol.I, p. 317.
(15) Cfr. Correia de Azevedo, Lafões, composto e impresso nas oficinas Gráficas "A Modelar", Amares, 1958, p. 179.
(16) Cfr. Eduardo dos Santos, "As Termas de S. Pedro do Sul - Achegas para a sua
História", in Beira Alta, Viseu, 1967, vol. XXVI, n° 4, p. 482.
(17) Cfr./dem, "As Termas de S. Pedro do Sul- Elementos para a sua História", in Beira Alta, Viseu, 1971, vol. XXX, nº 4.
(18) Cfr. Diário de Notícias (Suplemento), n°. 241/108, de 28 de Janeiro de 1996.
(19) Casa para alojamento da corte ou pessoas de qualidade.
(20) Oliveira Mascarenhas, ob. cit., p.lO.
(21) Pires da Sylva, ob. cit., p. 10.
(22) J. Baptista de Souza, "Primeira Memoria sobre as Caldas de S. Pedro do Sul". escripta em 1821, in Jornal da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, Lisboa, Tomo XI, 1º Semestre, 1840, pp. 279-280.
(23) Eduardo dos Santos, ob. cit., (1971), p. 467.
(24) Cfr. Helena Frade e José Beleza Moreira, "A Arquirectura das Termas Romanas da S. Pedro do Sul", Separata da Revista de La Faculdad de Geografía e Historia Espacio. Tiempo y Forma - série II, 5, S. Pedro do Sul, 1993, p. 532.
(25) Cfr. Pires da Sylva, ob. cit., p.16.
(26) Cfr. Alexandre Alves, "As Casas da Comenda de Ansemil", in Beira Alta, Viseu, 1972, voJ. XXXI, fasc. II, pp.174-202.
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