quinta-feira, março 17, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº I, ano de 1957 (11/12)

VIRIATlS e VIRIATUS

por Fernando Russel Cortez

Ao proceder-se, em 1887, à demolição de uma parede da Rua João Mendes, a poucas centenas de metros da Cava, de Viseu, surgiu entre as alvenarias, um moimento epigráfico de carácter funerário dedicado a LOBESAE VIRIATIS (1)
O texto epigráfico, viria posteriormente a constituir um elemento valioso para o esclarecimento e ampliação do conhecimento do omnomástico Lusitano pré-romano.
Causou certas preocupações a Hubner que considerava ter sido escrito Viriatis, por Viriati, um genitivo «peregrine formatus».
Outras epígrafes, encontradas depois, viriam a indicar-nos, na sua simplicidade, que a pessoa memorada se chamaria Viriatis - is e não Viriatus - i.
Assim em 1935 ao realizar obras no Quartel de Caçadores 5, de Chaves, apareceram várias lápides latinas que Júlio Gomes, diligentemente, fez recolher ao Museu Regional de Chaves. Uma delas referia-se a um Reburrus Viriatis interamicis.
A divulgação deste texto viria reforçar o esclarecimento de tão curiosa questão, quando, em 1950, o saudoso arqueólogo Pe Eugénio Jalhay S. J. dedicou os últimos tempos da sua vida a estudar numerosas epígrafes romanas de Cárquere, no Distrito de Viseu (2).
Ao estudo justificativo do nome VIRIATIS, escolhido para encabeçar a nossa revista, muito interessam as epígrafes Beiroas, de Cárquere, estudadas por Jalhay sob o número 5 e 6, no referido trabalho.
À estela a que foi dado o nº 5 distribui o seu texto por sete linhas. O seu grande interesse está nas duas últimas regras Albonius Cumeli (i) F(ilivs) An(norum) H(ic) S (itus) Est S(it) T(ibi) T(erra) L (evis) F(aciendum) C (uravit) Viriatis Li (bertus) (3).
«É evidente que o sujeito do faciendum curavit é o que vem a seguir Viriatis Libertus, liberto de Viriate»; dizia Jalhay:
- E aqui temos mais uma vez o genitivo peregrine formatus, que Hubner encontrou, na já célebre inscrição de Viseu, registada no Suplemento do seu Corpus, sob o nº 5246, onde, segundo a sua leitura, aparece uma Lobesa, filha de Viriato, de 30 anos de idade: Lobesae Viriatis, annorum XXX».
Para Eugénio Jalhay não parece já admissível a leitura suposta por Mendes Corrêa, que publica esta lápide, (4) perfilhando, embora com reservas, a interpretação de Borges de Figueiredo (5).
Em. Cárquere surge, em 1950, a explicação para estas dúvidas com o encontro de duas lápides onde, numa das quais, nos aparece VIRIATIS libertus; e por conseguinte VIRIATIS em genitivo. «Mas será na verdade um genitivo bárbaro, pereregrine formatus, ou um simples genitivo regular?» Perguntava Jalhay no seu último estudo, postumamente publicado.
Uma outra lápide de Cárquere no-lo vai explicar cabalmente.
Descreve-a Jalhay nestes termos: «A epígrafe ocupa três linhas, com letras muito elegantes de 0, m06 de altura, e que denotam grande perícia no artífice que as gravou».
I - Apenas se lê IRIATIS; mas vê-se ainda muito bem a haste direita do V que precedia estas letras, formando a palavra VIRIATIS».
«Não existe outra palavra por cima desta, nem à esquerda há lugar para outra letra, e muito menos palavras, além do V. Esta observação é muito importante».
«Pela disposição da epígrafe, ficamos a saber que o sujeito do «Hic Situs est» que viria depois da indicação da idade, e cujo pai se chamava Severo, tinha o nome de Viriatis, em nominativo; em português portanto Viriate e não Viriato».
«Esta pequena lápide reveste especial importância por nos vir aclarar o mistério do genitivo VIRIATIS «peregrine formatus» como propunha Hubner. Diz-nos ela, na sua simplicidade, que se trata de Viriatis, is e não dum Viriatus, i.
Por informação de Mário Cardoso, o que Jalhay não chegou a aproveitar, na lápide da Citania de Briteiros em vez de CATURO VIRIATI, deve antes ler-se CATURO VIRIATIS, como já Hubner desconfiava.
Vemos assim que a par desse nome VIRIATUS, i mercê dos textos romanos, sobejamente conhecido, tanto na história, como na epigrafia - Braga, Cória - nos aparece um outro VIRIATIS correspondente ao nome indígena; forma a que no português actual corresponderia VIRIATE, forma pelo menos corrente na região Calaico-Lusitana: Viseu, Cárquere, Chaves, Briteiros; pertencentes aos conventos Bracaraugustano e Scalabitano.
Sendo aceite, baseado em forte documentação, de que VIRIATO, o caudilho Lusitano que tanto resistiu aos esforços dos Romanos quando estes pretenderam subjugar as gentes da Beira, é uma das figuras mais representativas do caracter desta região e arauto dos seus melhores anseios colectivos, parece-me justificado adoptar o nome autoctone local: VIRIATIS.

(1) C. I. L. II sup. 5246.
(2) Lápides romanas da região de Cárquere - Sep. da revista “Brotéria”, vol. 211, fase. 1, Janeiro de 1951.
(3) Eugénio Jalhay, op. cit., pág. 16.
(4) Aut. cit., História de Portugal, vol. I, pág. 42, Barcelos -1928.
(5) Revista Arqueológica e Histórica, vol. I, 1887.
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