sexta-feira, março 11, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº I, ano de 1957 (4/12)

A colecção "COLUMBANO" do Museu de Grão Vasco

por A. de Almeida Coutinho

É tão excepcional a representação da obra de Columbano neste Museu que não é demasiado encarecê-la e mostrar a sua grande importância para o estudo da obra de um dos nossos maiores pintores do fim do século XIX.
Sendo o recheio do Museu de Lisboa formado, quase exclusivamente, por uma extensa galeria de retratos que já guarneciam as paredes do atelier do mestre, - todos de excepcional valor e documentando uma época brilhante da nossa actividade artística e literária, - é por isso mesmo pouco variada para nos dar o Mestre em todos os seus aspectos.
A galeria de Viseu é um conjunto admirável, formado da feliz escolha de Almeida Moreira, de trabalhos das variadas épocas de Columbano.
A época do Leão de Ouro, sombria e dum realismo quase caricatural, fazendo lembrar Degas pelo cepticismo da atitude do observador, deformando a fisionomia e a silhueta, mas em vez de focar o ridículo do sujeito, encarando-o com humana simpatia, diferente nisto da atitude de Degas; esta época é-nos dada por um auto-retrato de sugestão Baudellaireana. A tela, rectângulo ao baixo, ocupado no centro pela figura do artista, sobrassando a paleta e com um fundo historiado de “bibelot” e uma caveira. Pormenores que nos distraem do sujeito e que não mais voltei a encontrar em retratos seus.
A cabeça, caricatural, contraste de sombras opacas e claros empastados, já anuncia o realismo que no jarrão do lado direito se compraz em minúcias de toque. duma intenção que faz prever o futuro estilista.
A técnica é, no entanto, um pouco rude e a coloração pobre, num grande sentido de economia colorista. Umas listas verdes no jarrão fazem-nos lembrar, pela sua excepcional qualidade de côr, a gravata verde de um dos personagens do «Grupo de Leão».


da esquerda para a direita: "À saída", "Desenho" e "A Senhora da gola branca"

"Camões e as Tágides"

A «Senhora de Gola Branca» é, igualmente, de tons surdos, com finuras de modelação, que lembra os holandeses, mas
esta gama surda já encobre uma grande riqueza de tons e faz avultar mais os contrastes que o conceito simples do claro escuro. Representa já uma libertação deste conceito e é promessa da futura riqueza orquestral do Mestre.
Neste mesmo espírito, o “Retrato da Senhora sentada”, sua sobrinha, sem grandes contrastes de claro escuro, a cabeça destaca-se em luz e côr, como num Rembrandt. Como realizado este prodígio? Sacrificando todos os claros, - dados em meias tintas, - que pudessem distrair-nos da cabeça. Pela entoação circundante da cabeça, dada em complementares, tons verde-garrafa, negros azulados foscos que funcionam como harmónicos do acorde dominante, a cabeça em tonalidade quente avermelhada.
Sucede nesta obra do Mestre, como em muitas outras suas, uma coisa que me espanta: - Esta técnica aperfeiçoadíssima que permite obter um efeito destes é, não fruto de mera intuição ou habilidade, mas constitui já uma ciência de dados positivos obtida sobre uma experiência a todo o momento controlada.
Mesmo em alguns casos esporádicos, como na «Senhora» com uma nota escarlate na «fourrure» este «tour de main» genial com que o artista arrancou esta nota estridente, é o resultado duma técnica e experiências longamente adormecidas e, assim, que autoridade nestes rasgos que parecem do acaso...
Columbano, nos retratos deste Museu, mostra-nos, com eloquente proficiência todo o seu poder de observação e meios de expressão plástica inegualáveis. Mas temos ainda Columbano decorador e pintor de história.
O tecto, que numa hora feliz o falecido Director adquiriu, é uma bela composição em que os panejamentos serviram ao Artista para tirar os mais belos efeitos cromáticos sem perder as suas características de observador e retratista.
A figura que saúda a dama do balcão é o poeta Eugénio de Castro, menino e moço.
«Camões e as Tágides» é uma grande composição de estilo clássico, o assunto circunscrito nas linhas convencionais de uma bela composição harmónica.
Numa colecção particular de Lisboa, vi dois desenhos preparatórios desta composição. Num deles, a lápis, e de maior acabamento, o artista dá largas ao seu lirismo de artista-poeta. As figuras das Tágides aparecem como o desenvolvimento natural da própria vaga, - são a sua espuma. O movimento dos dorsos e braços em cadência são, como a música em surdina, fundo do recitativo de Camões.
No quadro deste Museu, o Artista, tendo necessidade de recorrer a modelo e por ser acentuadamente um visual, não pôde expandir livremente o seu lirismo e volta a ser o realista, observador rigoroso, que bastante se afasta da base inicial do desenho citado. Mas, ainda assim, a composição mantém uma elegância de linhas que a impõe como das melhores do Mestre.
Nas composições históricas «Inês de Castro» e o «Velho do Restêlo», já não é a linha que se impõe, mas a admirável orquestração de tons surdos, quase opacos, como no «Velho do Restêlo» numa subordinação de valores, rara, que atira com o branco do hábito do monge para bem longe do que é branco puro...
E para finalizar estas pequenas referências às obras admiráveis do Mestre, que compõem o recheio deste Museu, vou referir-me aos desenhos, representando «as figuras históricas» pintadas na Sala dos «Passos Perdidos» do Palácio de S. Bento.
É do melhor que produziu Columbano como desenhista, género em que foi exímio. Figuras a todo o tamanho do papel, desenhadas a lápis e onde, pela justeza dos efeitos de claro escuro, se pressente toda a riqueza de côr, a que darão lugar na transposição para a pintura a óleo.
Que largueza nos planos, a par da graciosidade com que é dado o pormenor dum botão, uma prega, uma ruga!
As figuras têm carácter e a fisionomia que, pela leitura das suas obras ou feitos dos personagens, nós em imaginação lhe atribuíamos.
E se pensarmos que a densidade da matéria, nestes desenhos extraordinários, é dada com o bico do lápis, fica-se admirado de tal mestria.
Bem haja, pois Almeida Moreira, que, numa visão feliz, juntou esta colecção de obras do Pintor insigne. Quem quizer estudar Columbano, no conjunto de obras das diferentes épocas, terá de vir estudá-las na colecção, já famosa, deste Museu - um dos títulos da sua glória.

COFRE LIMOSINO DO TESOURO DA SÉ DE VISEU

Desenho de F. ALMElDA MOREIRA


Site Meter