segunda-feira, março 14, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº I, ano de 1957 (7/12)

Sugestão para o arranjo da secção de escultura
do Museu de Grão Vasco

pelo Arquitecto José Cid Tudela

Começaram os museus por serem simples colecções particulares, expostas a bel-prazer e segundo a sensibilidade do seu organizador.
Quando as Entidades Públicas sentiram a necessidade da criação dos museus - frutos dos esforços e perseverança dessa minoria de coleccionadores, eles foram naturalmente chamados a organizar a exposição das espécies catalogadas.
Ê a época da improvisação. Como as instalações naturalmente foram ficando pequenas. pelo número sempre crescente das aquisições, acabaram os museus por ficar pejados de objectos que se amalgamavam numa confusão de formas e de cores que distraíam a vista e o pensamento de tal forma, que não era mais posível observar e estudar um especímen.
Houve então nova fase de arranjo da exposição dos museus em que se procurou dar «ambiente» de época e lugar, às diversas espécies, com todo o inconveniente do cenário, do falso ambiente, em que veio a verificar-se resultar este método.
Actualmente tem vingado um método diverso e que racionalmente parece ter melhores condições de êxito: Não sobrecarregar o ambiente com um número total de peças expostas que ultrapasse os limites de concentração do visitante.
Não criar falsos ambientes, mas sim fundos neutros sem qualquer espécie de valorização que distraia do objecto da observação - a peça em causa.
No «Palazzo Bianco» de Génova chegam a expor-se quadros sem moldura, se não existe já a que primitivamente para o mesmo foi feita.
No «Museu de Arte» de S. Paulo foi estudado um único ambiente para todo o edifício, variando-se depois as diversas secções com paineis amovíveis e pequenas construções de carácter precário.
Finalmente foi chamado, na moderna museografia, o arquitecto, para conceber os espaços, os enquadramentos, os ambientes que a museologia exige e que só um técnico pode efectivamente resolver.
Procuro apresentar, nos seus termos mais genéricos, os princípios que me nortearam no estudo da organização da zona de escultura do Museu de Grão Vasco, de que se segue a transcrição do ante-projecto, da primeira fase.

I - CONSIDERAÇOES GERAIS:

Constitui o estudo de arranjo da zona de escultura do Museu Regional de Grão Vasco, a primeira fase de uma série de obras a ir executando nas diversas secções deste Museu que são o complemento, natural e óbvio, da grande remodelação que foi introduzida em todo o edifício.
De tal remodelação resultou, entre outros aspectos, o aproveitamento total do Rés-do-Chão, que em grande parte, foi destinado a instalar a exposição permanente da escultura. A primeira parte está portanto feita: zona reservada e tratamentos genéricos de chãos, tetos e paredes; resta agora adaptar essa zona ao fim a que se destinou e que, tal como se encontra, não pode funcionar nas condições precisas.
Há que dar ambiente ao conjunto, estudar a iluminação, melhor colocação e agrupamentos das peças expostas, tomar o ambiente sugestivo intercalando com a escultura, tecidos, peças de artes menores, em metais e madeiras, paramentos litúrgicos que existem em apreciável quantidade e que estão directamente ligados às esculturas, de que se pretende, por intermédio deste arranjo, fazer a exposição permanente - esculturas religiosas dos séc. XIII a XVIII.

II - SITUAÇÃO

Tal como vai indicado em planta, tem esta galeria entrada junto ao portão principal do edifício, que dá acesso directo ao antigo claustro de serviço e terá saída pelo extremo oposto, quando forem feitas obras de adaptação similares nas restantes dependências do mesmo andar.


Planta e alçados relativos ao arranjo da Colecção de Escultura do Museu de Grão Vasco

III - PLANO GERAL

Consta o conjunto de três zonas distintas. Procurou-se no entanto que constituíssem, não compartimentos estanques (as escolas representadas também não são absolutas) mas sim
espaços que se enterpenetram; que o visitante perceba que está perante obras nitidamente do séc. XIII, depois do séc. XIV ao XVI e depois dos sécs. XVII e XVIII, mas que verifique também a sequência que existe entre elas.

IV - PARTIDO

Dadas as deficientes condições de iluminação - luz lateral através de muitas janelas, desiquilíbrio visto estas estarem orientadas em quatro sentidos diferentes e, para mais, umas darem luzes de pátio e outras de rua - optou-se pela iluminação artificial.
Aumenta-se também deste modo a área de exposição, pelo aproveitamento total das paredes envolventes. Os vãos das janelas são transformados em nichos para as peças de maior volume, dando-se-lhes assim enquadramentos. Deste modo ficam valorizadas, pois não ficam perdidas, passam a viver num espaço definido.
Também estes nichos não alteram a ordem arquitectónica do espaço ambiente, mas pelo contrário, continuam no interior a marcar o ritmo das janelas das fachadas.
Outros enquadramentos foram projectados para esculturas e outras peças, de tal forma que constituam limites de espaços e divisões de zonas.


Perspectiva do arranjo da Colecção de Escultura

v - ASPECTOS DIVERSOS

a) ILUMINAÇÃO:

Porque o pé direito desta galeria o permite, criou-se um falso tecto parcial, rematado por duas sancas contínuas, por intermédio das quais se fará não só a iluminação geral do ambiente, como ainda a iluminação dirigida, de algumas peças expostas.
Procurou-se que a forma irregular destas sancas seja tal que não contrarie, mas, pelo contrário, sugira e acompanhe o desenvolvimento do percurso da exposição e ajude a marcar as diversas secções.
Para reforçar a iluminação do conjunto, também os nichos provenientes do aproveitamento dos vãos das janelas têm sancas de iluminação. Além da função iluminante, consegue-se assim «empurrar» para trás as respectivas paredes de fundo, aumentando deste modo o espaço envolvente das peças neles expostos.
Interessa não as amesquinhar nem assoberbar, ao mesmo tempo que convém dar-lhes enquadramento.
Há ainda no falso tecto três fontes luminosas distintas, constituídas por rasgamentos preenchidos com vidro despolido para obter uma iluminação difusa.

b) AREJAMENTO:

É visível nos cortes das paredes, que ao projectar os nichos nos vãos das janelas, se previu que estes não resultassem num tapamento total das mesmas. Em todos eles há aberturas que permitem o arejamento em razoáveis condições, criando aberturas nas vidraças exteriores.

c) CONSTRUÇÕES:

1) Em tijolo:
Dois panos de parede rasgados por vitrines para exposição de peças miudas.
Um enquadramento duplo para uma «Mater-Dolorosa» e uma cruz processional, num dos topos da galeria.
O enquadramento para um altar. No lado posterior, este enquadramento sustenta uma grade de ferro - fundo de uma estátua.
2) Em ferro:
Uma divisória constituída por prumos e uma balaustrada junta à entrada da galeria.
Suportes recobertos por mísulas, de madeira, para colocação de estátuas nas paredes. ao longo de toda a galeria.
3) Em alumínio ionizado:
Os caixilhos das montras embutidas ao longo das paredes laterais, bem como das colocadas nos panos de parede já aludidos.
4) Em madeira:
Pedestais para as estátuas colocadas nos nichos e dos grupos de esculturas assinalados em planta.
5) Em estafe:
Uma cortina que recobre parte da parede lateral (que confina com o pátio) e que serve de fundo a um apostolado.
O falso tecto e respectiva cornija.
Outros materiais e pormenores diversos, aqui omitidos, farão parte do projecto definitivo, do qual o presente estudo constitui a base essencial.
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