terça-feira, março 15, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº I, ano de 1957 (8/12)

PROTECÇÃO PARA O BARCO RABELO

por Fernanda Maria de Mello Russel Cortez

Comunicação apresentada ao Iº Congresso de Etnografla

Pode afirmar-se que o Barco Rabelo é bem nosso conhecido. Ao vê-lo logo nos lembra a presença de antiga nave clássica, que, do Mediterrâneo, transportava os tratantes para o Ocidente.
Não é meu propósito, entrar na apreciação das origens deste barco, uma das mais valiosas joias das fonnas viventes, dos antigos meios de transporte sobre água.
Outros etnógrafos, melhor preparados, disso se têm ocupado. Não me vou pronunciar, se os seus protótipos são nórdicos ou se os barcos dos Wickings tiveram uma origem mediterrânea, como parece.
Tem sido citado Estrabão como referente destes barcos. Ora certo é que, este geógrafo da antiguidade, só refere como peculiar aos Calaicos os barcos de couro, igualmente usados por outros povos atlânticos, como os Oestrymínicos e os habitantes da Britânia.
Por outra referência de Estrabão, conhecemos o uso Lusitano de embarcações de couro, durante as inundações; tal uso era corrente até à época de Brutus. Ao tempo de Estrabão o seu emprego era já raro bem como, a utilização de embarcações escavadas num tronco.
Apiano (Iber. 73 - 75) refere ser o Douro navegável ao tempo do final da campanha de Viriato (136 - 138 a. C.).
Mais tarde, o já citado Estrabão confirma permitir o Douro o acesso a grandes naves por 150 estádios.
Esta distância deve corresponder à situação existente até ao reinado da Srª D. Maria I, quando Forrester destroi o Cachão da Valeira, impeditivo da navegação para as Terras de Riba Tua.
Há porém uma referência de Apiano, sobre o assédio de Numáncia por Cipião que deve servir para a história do Barco Rabelo.
Em 134 - 136 a. C. Cipião encerra o Douro para melhor fechar o cêrco de Numantia (Apiano - Iber. 91).
Era mister fechar a circunvalação para o assédio, pois os Numantinos, recebiam auxílios e víveres, através do rio Douro, utilizando barcas a remo ou impulsionadas por velas, quando o vento era forte, mesmo contra a forte corrente.
Servíam-se igualmente de pequenos barcos, com a forma de esquife.
Diz Schulten: - «Detalle curioso, porque hoy dia no hay barcas en el Duero, y menos a vela».
Ao que parece esta afirmação pode ser modificada, pela consideração das características tão arcaicas do Barco Rabelo.
Mas, como já disse, não quero falar propriamente desse barco; Antes pretendo chamar a atenção do Congresso para a necessidade urgente de serem consideradas medidas de severa protecção tendentes a evitar o seu futuro desaparecimento.
Todos, V. V. Excelências, estão lembrados dos grandes prejuízos que o Caminho de Ferro e os transportes acelerados por estrada têm causado à navegação fluvial e Rabela.
Os barcos vão amarrando a pouco e pouco.
Os arraias vão morrendo sem serem substituídos.
Os marinheiros procuram outra ocupação.
Acresce que, ainda para a valorização da nossa economia estão em curso, ou projectadas, vultuosas obras de represamento hidráulico no Douro.
Se agora, já raramente nos é dado admirar o belíssimb conjunto duma saída da esquadra Rabela, dentro de alguns anos, assistiremos à navegação no Douro de grandes batelões metálicos. Ganha a economia e a rapidez de transporte das mercadorias da região.
Em contrapartida, assistiremos ao desaparecimento dos últimos exemplares dos barcos de madeira de modelo clássico que sulcam as águas da Europa.
E é pena.
As empresas hidroeléctricas concessionárias bem podem distrair dos seus vultosos rendimentos, algumas migalhas, de forma a assegurar vida económica aos arraiais detentores, afim de se evitar que os Barcos Rabelos, dentro de bem poucas décadas, sejam verdadeiras peças de Museu... que haja prejuízo para a nossa cultura... para o tão descantado Turismo...
Assim como, as barragens se consente o acesso às espécies piscicolas, os nossos técnicos devem arranjar uma adequada protecção para permitir a navegação dos Barcos Rabelos. Estes não podem desaparecer da paisagem Duriense!... Porque não classificá-los de Monumento Nacional, de interesse Europeu?...
É este o voto que formulo.
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