sexta-feira, abril 29, 2005

Augusto Hilário, fadista (1/4)

AUGUSTO HILÁRIO - Estudante Fadista
Por João Inês Vaz e Júlio Cruz

in "Hilário - fadista de Coimbra, Viseense de Coração", edição de "AVIS - Associação para o debate de ideias e concretizações culturais de Viseu", 1996


Augusto Hilário da Costa Alves, nasceu em Viseu em Janeiro de 1864 na Rua Nova. A data do seu nascimento é ainda uma incógnita, porquanto o registo de baptismo refere que foi "exposto na roda desta dita cidade pelas cinco horas da manhã do dia sete do dito mês e ano", sendo baptizado, a 15 do mesmo mês e ano pelo pároco da Sé, com o nome de Lázaro Augusto, tendo como padrinhos João da Costa, sacristão do Sacramento e Maria Alexandrina. Ao receber o crisma em 26 de Maio de 1877, muda o nome para Augusto Hilário.

As dúvidas que se poderiam levantar em relação à sua filiação ficam desfeitas em face da certidão de óbito que refere Augusto Hilário como filho legítimo de António da Costa Alves e de Ana de Jesus Mouta. Crê-se assim, que Hilário terá sido fruto de um enlace pré-matrimonial sendo por isso exposto na Roda e posteriormente reconhecido.

Seu pai possuia um Botequim anexo à casa que habitava na Rua Nova, onde provavelmente Hilário passou a sua infância, quiçá começando ali a nascer a sua inspiração para o fado.


António da Costa Alves e Ana de Jesus Mota, os pais de Hilário

Frequentou o Liceu de Viseu com o intuito de fazer os estudos preparatórios para a admissão à Faculdade de Filosofia, mas os anos foram passando sem que concluisse a disciplina de Filosofia.

Matriculou-se em Coimbra, mas também aí os resultados não foram famosos e revela-se então um apaixonado pela boémia coimbrã, notabilizando-se como cantador de fado e exímio executante de guitarra. Os seus fados correram, o país de lés a lés, "arrancando lágrimas da voz e gemidos das cordas" ficando imortalizado o Fado Hilário.

Em 1889-90, foi examinado no Liceu de Coimbra pelos Drs. Manuel Celestino Emídio, Maximiano de Aragão e Clemente de Carvalho e tendo feito uma prova admirável foi aprovado com boa classificação. Matriculou-se então no 1º ano de Medicina, tendo assentado praça na Marinha Real para obviar à falta de recursos, recebendo assim um subsídio do Estado.

A sua actividade de fadista e trovador era conhecida pelo país inteiro, em particular na Academia Coimbrã onde era o "Rei da Alegria". O seu esmerado trato e a sua cordialidade faziam dele o grande animador dos serões académicos. Nos seus fados, interpretou poemas de Guerra Junqueiro, António Nobre, Fausto Guedes Teixeira, para além dos que ele próprio criou.

Parte alta da sua vida de fadista foi a participação na festa de homenagem ao grande poeta João de Deus que se realizou em Lisboa, no Teatro D. Maria II, a que se associou a Academia de Coimbra e onde participaram, entre outros, o Prof. Doutor Egas Moniz. No decorrer do espectáculo, após a sua intervenção e em plena apoteose do público presente, Hilário atirou para o meio da multidão a sua guitarra, da qual nunca mais nada se soube. O Ateneu Comercial de Lisboa a 2 de Junho de 1895, oferece-lhe aquela que foi a sua derradeira guitarra e que se encontra actualmente na posse do Museu Académico de Coimbra, por especial oferta da família.

Como poeta escreveu dezenas de quadras primorosas que se imortalizaram nos seus fados e das quais se destacam Fado Hilário (com 36 quadras); Novos Fados do Hilário, recolha de um conjunto apreciável de quadras; Carteira de um Boémio, conjunto de versos manuscritos de que se ignora o seu paradeiro.

A sua grande capacidade de improvisar fazia dele uma figura popular e sublime que entusiasmava quem o ouvia até ao delírio, tendo actuado em Viseu, Coimbra, Lisboa, Leiria, Espinho e Figueira da Foz, entre outros lugares.

Foi uma hora de luto nacional aquela que o ceifou à vida no dia 3 de Abril de 1896, pelas 21 horas, vitimado por uma "ictericia grave hypertermica". Morreu na sua casa da Rua Nova, contando 32 anos. Frequentava então o 3º ano da Escola Médica da Universidade de Coimbra e era aspirante da Escola Naval.

O seu funeral foi imponente, com uma aparatosa multidão que o quis acompanhar até à sua última morada no cemitério da cidade de Viseu, onde ficou sepultado em jazigo de família. No cortejo incorporou-se uma força do Regimento 14 de Infantaria, com a respectiva banda que lhe prestou as honras militares. Proferiram o discurso fúnebre os srs. Dr. Alberto Pádua, Alfredo Pires, Jerónimo Sampaio e Ricardo Gomes.

Em carta de condolências datada de 5 de Abril de 1896, remetida de Mangualde à mãe de Hilário pelos seus colegas e escrita pelo Dr. Valentim da Silva é feita a síntese do sentimento académico de então:

"Está de lucto a mocidade portugueza!"

Hilário ficou assim ad aetemum na memória de todos quantos por Coimbra passam, Viseu têm no coração e o fado amam.


Retrato a óleo, por Almeida e Silva, em 1896
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