sexta-feira, abril 29, 2005

Augusto Hilário, fadista (2/4)

Testemunho da sobrinha-neta

FAMÍLIA DE HILÁRIO DOA GUITARRA AO MUSEU ACADÉMICO DE COIMBRA
in "Hilário - fadista de Coimbra, Viseense de Coração", edição de "AVIS - Associação para o debate de ideias e concretizações culturais de Viseu", 1996



O Museu Académico de Coimbra, fiel repositório das preciosidades da vida da secular Universidade, passou a contar com mais uma peça de inegável valor histórico - a última guitarra de Augusto Hilário.

A 24 de Junho de 1967, numa sessão solene a que presidiu o reitor da Universidade, Prof. Doutor Andrade Gouveia, a senhora D.ª Maria Alice Trindade Figueiredo Alves - sobrinha-neta de A. Hilário - em representação da família, ofertou ao Museu Académico a última guitarra de Hilário, autêntica relíquia do fado de Coimbra.

Durante a cerimónia, usaram da palavra o Reitor da Universidade que se congratulou com a oferta, o sr. Coronel Carlos Faustino da Cunha Duarte que foi o grande promotor desta doação, o presidente da Associação Académica de Coimbra que agradeceu em nome da Academia e a Senhora D.ª Maria Alice Alves, que pronunciou a dissertação que a seguir se transcreve.

"Não tenho qualquer prática de falar em público, nem me sinto habilitada a responder ao muito que, certamente, V. Ex. as desejariam saber àcerca da vida e da obra de Hilário, meu Tio-Avô. Por tal motivo, limito-me a expor, em linguagem simples, o que sei e o que motiva a minha presença neste acto, em representação de toda a família que em mim delegou o desempenho desta missão.

Augusto Hilário da Costa Alves, o imortal estudante de Coimbra, nasceu em 7 de Janeiro de 1864, na casa nº 14 da Rua Nova, da cidade de Viseu. Ali frequentou o Liceu, passando, depois, para Coimbra, onde cursou medicina.
Em 1896, com 32 anos de idade, teria chegado ao fim da formatura, se não tivesse chegado também ao termo da sua existência.
Sentindo-se doente, regressou à casa paterna, onde veio a falecer em quinta-feira Santa daquele ano, deixando atrás de si vasta obra poética e musical que, com o rodar dos tempos, se foi perdendo, com excepção do fado a que dera o seu nome.
Do seu comportamento como estudante não rezam as crónicas, mas pode adivinhar-se pelo número de anos que levou a chegar ao fim. Apesar disso não ficou na mediocridade, porque o seu génio artístico dera tudo quanto pudera à Academia de então. Tinha um amigo sincero e um admirador em cada contemporâneo, facto testemunhado em autógrafos que conservo.

A casa em que nasceu e morreu, pertencia aos Pais, que ali continuaram a viver. Além deste, tinham mais dois filhos, dos quais um, - já casado e que viria a ser, mais tarde, meu Avô, - fixara residência à parte, .ficando o outro com os Pais.
À morte destes, meu Avô transferiu novamente a sua residência para aquela casa, onde veio a falecer em 17 de Maio de 1957, com noventa anos de idade.

Extinta a última "relíquia" da familia e porque os herdeiros eram já muitos e espalhados, houve que proceder-se a partilhas, tendo sido vendida a casa por volta de 1959. Estas considerações vieram com o propósito de vincar que, se Hilário nos aparece como uma figura do século passado, até, por vezes, lendária, o facto se deve à sua morte prematura. Muitos dos presentes poderiam tê-lo conhecido, se tivesse vivido mais alguns anos, como os seus.

Da guitarra que o acompanhou em vida, nunca se soube o destino, mas, em lugar de honra, fora sempre conservada, com religiosa estima, uma outra oferecida como derradeira homenagem, pelo Ateneu Comercial de Lisboa, que as suas mãos febris ainda dedilharam e ainda hoje se conserva tal como foi deixada.

Por acordo familiar, não entrou em partilhas, ficando a pertencer a todos e, desde logo, mais ou menos resolvida a sua oferta ao Museu Académico de Coimbra.
Por grande prova de amizade, a restante família confiou-a à minha guarda até que se resolvesse definitivamente o destino a dar-lhe.

Quando a Academia de Coimbra lançou os primeiros ecos da homenagem que se propunha levar a efeito, em Viseu, ao seu colega de há 100 anos, fui abordada pelo Sr. Gilberto de Carvalho, que vinha manifestar-me o desejo dos estudantes de que a guitarra fosse com eles no seu regresso à Lusa-Atenas.

Tomei a sugestão na devida conta e dei os passos que se me afiguraram necessários para obter, junto de quem me iam indicando, informações seguras sobre essas possibilidade. Nunca, porém, obtive uma resposta, ninguém mais me falou, e o assunto morreu, por me parecer que o silêncio significava desinteresse.

Já se procurava outro destino a dar-lhe, quando voltei a ser abordada, agora pelo Ex° Senhor Coronel Faustino da Silva Duarte, digno Comandante do RI. 14 de Viseu que, com a tenacidade e o dinamismo que caracterizam o verdadeiro militar, mas, acima de tudo, com o seu acrisolado amor a tudo quanto seja "Academia" como se dela ainda faça parte, me ajudou a resolver o ponto mais difícil da questão, que nem por um segundo só, quis deixar arrefecer de novo. A este conjunto de circunstâncias se fica a dever o dia hoje.


***

Quando os homens passam à História, deixam de pertencer à Família, legando esse direito à sociedade que os imortaliza. Hilário passou à História, imortalizado pela "Velha Academia" de Coimbra, que fez estender o seu nome de geração em geração. A guitarra pertencia-lhe, de direito.

Essa Academia, irreverente por vezes, mas sempre consciente e briosa e que constantemente dá o seu valioso contributo para o engrandecimento de Portugal foi de longada até Viseu, em 6 de Maio de 1964, prestar homenagem ao seu colega de ontem.
Hilário faz-se hoje representar para agradecer e retribuir a visita que lhe foi feita, oferecendo-lhe, como lembrança, a sua última guitarra.

Conservada no Museu Académico da sua amada Coimbra, marcará, para sempre, uma presença amiga a dizer aos presentes e aos vindouros que, embora não seja uma condição,

" ......................
Ninguém mais será formado
Se a Velha Academia
Deixar de cantar o fado"


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