sábado, abril 09, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº II, ano de 1957 (2/12)

A ACÇÃO DOS MUSEUS NO APERFEIÇOAMENTO DA CULTURA POPULAR

AS EXPOSIÇÕES ITINERANTES DOS MUSEUS DO ESTADO

Comunicação apresentada ao IV Congresso da U. N., pelo Director do Museu de Grão Vasco, Fernando Russell Cortez, Maio 1956

A evolução do mundo antigo, é para nós uma lição e uma advertência. A nossa civilização manifesta a tendência de não ser a duma só classe, antes a civilização das massas.

Outro ensinamento diz-nos que das tentativas violentas de nivelação, tanto em uso lá para o leste, jamais resultará a elevação das massas populares. Nada mais haverá do que o aniquilamento das classes superiores, acelerando o processo de barbarização.

Poderemos, certamente, entravar esta marcha se activarmos o renascimento da Tradição.

É tempo de principiarmos a utilizar algum do património dos nossos Museus, qual meio de informação e comunicação, para transmitir à juventude, aos aprendizes, futuros oficiais, algo, da essência, da rica herança, da sua própria cultura tradicionalista.

Há quase 30 anos que a Nação, por intermédio, não de palavras, mas pela persistente actuação dos seus governantes, sempre tem procurado promover a melhoria progressiva da Educação Nacional.

Desde 1934 que um dos mais altos órgãos do Ministério da Educação, a que hoje corresponde o Instituto de Alta Cultura, pretende desenvolver o importantíssimo serviço da «Extensão Escolar dos Museus». Tal «extensão» transformará os Museus em activos centros pedagógicos, criando dentro deles um movimento intenso e procurando aproveitá-los para o aperfeiçoamento artístico da nossa população escolar.»

Transcritas estas palavras constantes de um Relatório Oficial, falta-me acrescentar que todos os Museus do Estado, mesmo com grande carência de pessoal superior, e para melhor
desempenhar a sua missão educativa, têm procurado que 0s alunos dos mais diversos graus de ensino, visitem os Museus da área das suas escolas.

Procura-se que os jovens se vão habituando a contactar, a apreciar e a respeitar as obras de arte.

Uma vez que actualmente mais se vinca o carácter educativo e formativo dos Museus - estes deixam de ser estabelecimentos só destinados a deliciar coleccionadores, amadores de Arte ou de raridades - procura-se interessar, cada vez mais, as grandes massas populares no aperfeiçoamento e educação do seu gosto artístico, do que provém, consequentemente, o aumento progressivo da sua cultura geral ou especializada.

O fomento da cultura artística tem sido buscada, entre outros meios, pela realização, de Exposições Temporárias, cuja valorização e oportunidade é apreciada duma forma sempre crescente, como um dos meios mais eficazes para chamar a atenção do público para o interesse e estudo das colecções dos Museus.

No entanto, estas Exposições Temporárias, e outras actividades afins, têm um interesse quase local e a um Museu compete uma mais larga acção:
- Desenvolver a sua actividade, levar a sua expansão e ensinamentos a toda a região que lhe está destinada.

Temos então, evidentemente, de tomar a iniciativa, de interessar todas as camadas de população afastadas do Centro Cultural, das cidades, dos Museus, ou mesmo só dos problemas históricos, artísticos, ou científicos.

As regiões rurais não têm possibilidades de acompanhar de perto as actividades de extensão cultural dum Museu.

É necessário, é urgente ir o Museu, até elas, buscando os locais, ou edifícios apropriados para acolher os elementos duma Exposição Temporária Itinerante.

As Exposições Temporárias Itinerantes, organizadas pelos Museus do Estado, seriam como que uma discreta sugerência dos valores, do património artístico, junto dos artesões, nos meios rurais.

Não buscamos o desenvolvimento de uma educação culta e erudita, antes mostrar como foram resolvidas antanho as dificuldades do trabalho oficinal e corporativo. Igualmente se patenteava a estabilização de formas, baseadas no carácter tradicionalista, de larga aceitação e perdurabilidade, da euritmia reveladora do nosso gosto e história afectiva do povo, no meio do qual e para o qual a artesania vive.

Hoje em dia, mercê de favores da técnica, aprende-se uma música, não de cancioneiro, antes através de harmonizações de compositores mais ou menos eruditos.

No cinema projectam-se películas, iluminantes e transmissoras não das vetustas tradições, mas duma vida artificial e quase sempre estranha.

Através dos rádios receptores o povo escuta e vê a última produção Cultural de um pequeno e hermético grupo de profissionais que estão de moda, quantas vezes mal preparados.

Tudo isto causa os seus prejuízos na formação da cultura popular, que, a pouco e pouco, oblítera os seus valores tradicionais.

Se acrescentarmos, a tudo quanto ficou dito, a acção de certos indivíduos que tratam de impor os seus gostos ou ideias aos nossos artífices locais, o prejuízo causado ao nosso património tradicional é aumentado.

Lá por que podem passar encomendas arrogam-se na escolha, sòmente por sua autoridade.

Consideram-se 0s melhores segundo o seu exclusivo conceito, apregoando um poder que de nada deriva, senão da sua única possibilidade, já antedita, de como intermediários ocuparem com encomendas os nossos artistas rurais.

Tão dispersos, fugazes, mesclados, estilizados, profundamente modificados, andam os nossos reais valores tradicionais que os novos aprendizes, os futuros obreiros do artesanato, quase ignoram a existência de uma cultura própria e tradicional. Tampouco a podem divisar na poeirada, com fumos de artística, levantada pelos seus clientes, mal informados e pior formados.

A arte, pelo seu poder estimulante e criador, perdura, nos nossos dias como uma fonte constante de inspiração e como uma grande força estimulante do artesanato.

Antigamente, todas as formas artísticas do povo buscavam a inspiração dos seus motivos elementares, na tradição própria mesteiral.

Então os jovens aprendiam os segredos do ofício com os oficiais e mestres mais velhos.

Castiços e puros, honestos profissionalmente, passavam os canones da sua artesania de geração em geração.

Urge ao nosso artesanato, se estendam de novo os benefícios dum acendrado espírito corporativo.

Não podemos esquecer a grande conveniência de demonstrar às populações rurais o nosso maior interesse na conservação das suas melhores tradições artesanais, as suas usanças e costumeiras industriais e locais; há vantagem e interesse para o Estado na conservação do carácter típico e diferenciativo de cada região, e na conservação das ruínas e outros testemunlios do passado.

Para melhor atingir tal desideratum, organizariam os Museus um tipo especial de Exposição Temporária - A EXPOSIÇÃO ITINERANTE - que visitaria, a sua vez, as povoações que mostrassem ter interesse em receber a Exposição.

Como óptimos pontos de apoio para esta campanha de difusão duma verdadeira e real cultura popular - séria, não improvisada - serviam os Museus Municipais e as Casas do Povo.

Este género de expansão museológica permite dela tirar um grande partido, na divulgação cultural e artística entre as camadas menos letradas da população.

Dará resultados imediatos, na obra fecunda da educação, imprescindível a uma política de verdade, como é a que nos norteia, política tão duradoura ou não fosse verdadeira e boa.

Os princípios que devem orientar a instalação das espécies serão os mesmos usados pelo Governo: Salvaguardar a individualidade de cada unidade sem prejuízo do conjunto.

Os objectos expostos, serão ponderadamente escolhidos e só considerados os suficientes. Aqueles bastantes para indicar, para dar a entender ao visitante que, a sucessão dos factos apresentados, não são fenómenos isolados e arbitrários.

Constituem parte de um conjunto e esse conjunto é a evolução da nossa própria vida Nacional.

A apresentação deverá ser sóbria, concreta, o mais atraente possível, para o que não devem faltar, além do material, de suporte apropriado, os desenhos, reproduções fotográficas e legendas gráficas explicativas.

Conseguimos assim um interesse, um encantamento visual e psíquico, preenchemos desta forma a missão de educar e aperfeiçoar, sem desvirtuar, a tradição dos artesões locais, quer a Exposição Itinerante, organizada pelos Ministérios, da Educação e Corporações, seja consagrada a mostrar bons modelos para as artes populares, quer memore homens célebres, ou efemérides históricas da região.

Não só contribuiremos para a educação do gosto da pequena aldeia onde a exposição se instalou, para valorizar a acção educativa dos Museus, mas também a levamos a respeitar os ensinamentos do passado, mais ou menos remoto - alicerce dos tempos presentes - e ainda lembramos - à população enfronhada num materialismo - a existência de outras coisas mais, do que as tacanhas preocupações da vida corrente.

Afirma-se confiança, nas possibilidades de realizações maiores, para melhoria da vida espiritual do Povo, na protecção sempre serena do Governo da Nação.

Não podem senão ser de entusiasmo, de fé e de esperança as palavras que aqui deixo como fecho da minha sugerência, uma vez que estamos no meio de homens de boa vontade plenos de fé e vontade de acertar.
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