domingo, maio 22, 2005

A cozinha da Beira Alta

Por Paulino Tavares, historiador, membro do GEDEPA
in "Actas do IV Encontro de Cultura Tradicional da Beira", Viseu, 1997, Edição de AVIS

A cozinha da Beira Alta foi, e continua a ser, uma cozinha cheia de perfumes, rica, substancial e variada.

Quisémos surpreendê-la, estudá-la e observar melhor o seu percurso na História, nas contingências do tempo, na longa duração.

Vamos tentar, em breve síntese, olhar criticamente os dados recolhidos a partir de fontes manuscritas da Biblioteca e Arquivo Distrital de Viseu e compará-los ou ampliá-los com referências impressas da "Arte de Cozinha" de Domingos Rodrigues (1680) ou de textos de Camilo publicados na segunda metade do séc. XIX.

É que, embora separados por dois séculos, tanto Domingos Rodrigues, como o romancista Camilo Castelo Branco, conheciam o esplendor da região beirã e dela registaram, ou através dela induziram curiosos testemunhos gastronómicos e até comportamentais que agora nos convém propor e analisar.

Pretendemos assim, evidenciar o carácter e os indiscutíveis gostos e sabores desta terra original, mais celebrada pelo tão ilustre escritor Aquilino Ribeiro, e que muito deve à composição dos solos, às características orográficas dos terrenos de encosta, à superior qualidade das carnes, à maciez das verduras e, sobretudo, ao trabalho e ao espírito inventivo, acolhedor e hospitaleiro de quantos habitam serras e vales, vilas e cidades, antigas casas senhoriais ou perdidas aldeias que repousam ao sol, por entre estevas, coragens e granitos.

Bem poderíamos repetir com o Livro dos Salmos (65-13):

Os campos cobrem-se de rebanhos, e os vales vestem-se de trigo; por isso, todos se regozijam e cantam.

É sempre bom e amável falar de cozinha, de iguarias, temperos, aromas, sopas, migas, caldos, ervas bravas.

E porque estamos na Beira Alta, evocaremos as plantas, as fráguas e as amplidões, a gravidade da Estrela, o repouso do Caramulo, a frescura virgiliana dos mais profundos vales e outeiros; e com Gil Vicente poderemos lembrar também os melhores produtos da terra beirã que o autor descreve rigorosamente num passo da Tragicomédia Pastoril, representada em Coimbra, perante a corte, na primeira metade do séc. XVI (1527).

Gonçalo, um dos personagens do auto, requisita a Seia, Manteigas, Covilhã e Gouveia, as dádivas que serão entregues a D. Catarina pelo feliz nascimento da infanta D. Maria.

E nesse breve texto poético, encontramos um discurso em torno da mesa e do manjar, um hino de louvor ao queijo fresco, à carne de vaca e de ovelha, às cordeirinhas e borregos, à castanha, ao famoso leite da vila de Manteigas. Sem esquecer mesmo os panos finos que se fazem na Covilhã.

Gil Vicente fala-nos ainda, noutras passagens da sua obra, em variadas pautas alimentares: carne, peixe, bacalhau, doces e bolos, ameixas, pêssegos, nozes, castanhas e uvas, as mais rosadas e suculentas.

Mas hoje queremos prestar homenagem à cidade de Viseu e de Grão Vasco, harmónica, clara e enolvecida pelo tempo, pela História, pela arquitectura e a arte, terra prometida e verde, onde confluem sete caminhos rodeados de pinheirais e outras árvores de exaltantes perfumes, cheias de graça e também de frutos macios e repousados.

O distrito atinge as terras confinantes do rio Douro, e por Viseu, Lamego e mesmo regiões de além-rio passa a investigação-síntese que hoje aqui trazemos depois de leituras, consultas, e de uma análise mais atenta ao "Livro das Pitanças", registo quinhentista dos cónegos da Sé, onde não faltam evocações de santos, amentas, ladainhas. referências a missas de prima e de aniversário, legados, orações rituais de cruz e água benta, recebimentos do cabido em dinheiro, libras. réis, soldos e em frutos da terra e bens alimentares.

E é desta última anotação chamada também entrega das ordinárias, que podemos retirar uma teoria dos alimentos para a época, sem esquecer que, das terras da Beira saiu, no séc. XVII, o maior cozinheiro português de sempre, Domingos Rodrigues, cujo nome e talento se impôs, em definitivo, na barroca e sumptuosa corte de D. Pedro II de Portugal.

A sua Arte de Cozinha, publicou-se ininterruptamente entre 1680 e 1849, tendo resistido aos ataques do estrangeiro e pouco comedido Lucas Rigaud, cozinheiro de D. João V.

Mas revisitemos o Livro das Pitanças, ou melhor, o Livro das Pitanças do Muy Nobre Cabido de Viseu, de que encontrámos apenas um volume com capas de pergaminho, sobre as quais se inscreve a palavra Missas.

O texto evoca outras referências, ainda que parcas, aos alimentos da época. Julga-se que o manuscrito, tracejado a grafite, é da segunda metade do século XVI (1554?), com acrescentos do século seguinte. Mede 430mm x 310, tem 42 folhas e o papel apresenta marca de água supostamente de origem italiana.

Aí vamos encontrar o registo de sufrágios por Catarina, a tendeira, profissão que já no séc. XVI estava directamente ligada à venda de produtos alimentares e até mesmo ao acolhimento de bufarinheiros e mercadores que acorriam às grandes feiras de Viseu, atravessam montes e vales, desciam ou subiam aos lugares e póvoas escondidas nas gargantas da serra.

As tendeiras podiam, segundo o Auto da Feira, vender marmelada e grãos torrados, mel, patos, cevada, ovos, galinhas, queijadas, caça, carne de vaca, aves, trigo, cabritos, favas, coelhos, leitões, patos e outras variadas mercancias.

No manuscrito do séc. XVI, produzido em Viseu, no scriptorium da Sé, encontramos ainda referidas, transferências de bens para os senhores do cabido, cónegos e meios cónegos, como a quarta parte da azenha do Rio de Loba, moinhos em Pindo, lagares de azeite; o que demonstra o consumo de farinhas e de pão, a utilização ainda que moderada do azeite como tempero sendo mais presente e indispensável na iluminação, a surpresa dos bolos, folares e regueifas. O azeite ou a cera também serviam nas infindas procissões que se desenrolavam ao longo do ano litúrgico (40), nas rogações, clamores e ladaínhas. Com toda a pompa eram celebradas manifestações em honra e louvor de Stª Isabel, Stª Eufêmia, S. Francisco, Santo António, Santa Ana, S. Cosme e Damião, das Onze Mil Virgens.

Não faltam no precioso manuscrito as referências à vinha que está acima do Pereiro honde chamam a pedra picota. E daí, os lagares, o aprovisionamento em adegas abaixo do Arco, onde o vinho poderia ser vendido, o consumo à mesa, nas conservas de carne, em refogados, escabeches e marinadas, nas vinagretas e molhos de vilão, nas celebrações e banquetes, na farmacopeia e na botica e até na prevenção da peste e de variadíssimos males do corpo, por essa época tido como o mais sério dos inimigos da alma.

Por vezes, o livro menciona profissões como a de Martim Anes, carniceiro. Sabemos como o Cabido de Viseu dispunha de dois açougues próprios e diferenciados um de carne, outro de peixe, onde o bispo e os membros do alto clero se provinham e abasteciam, levando os cozinheiros ao exercício dos temperos e de renovadas soluções técnicas que tomavam a mesa num campo de descoberta e os pratos e manjares nas mais engenhosas, esplêndidas e glorificantes obras de arte e de requinte que os sentidos, em exaltação, podiam sempre experimentar.

No pagamento exigido aos fiéis, por cerimónias e ritos em memória dos finados, predominavam os capões, normalmente aos pares, sempre em múltiplos de dois e que eram frangos castrados com a finalidade de se obter maior e mais rápido desenvolvimento, carne apetecível, tenra e saborosa.

A carne de frango e de galinha do campo, a da preta como da pedrês, muito apreciadas na época davam origem a pratos deliciosos, cozidos, assados, canjas, empadas, ou mesmo a exóticas receitas que não dispensavam o açúcar, como o manjar branco e a galinha mourisca.

Os cereais arrecadados na “crasta nova", espaço incluído na arquitectura ao claustro da Sé, contribuiam fortemente para o jogo e a alta dos preços. Os cónegos alugavam moinhos, casas de sobrado e outros espaços a mercadores fixos ou itinerantes, infiltrando-se no circuito da moeda, no interesse do juro, nas malhas da compra e venda, na prática mercantil da curta e da longa distância.

São também citadas hortas e almuinhas, (suburbanas, fechadas) lugares apropriados para o desenvolvimento de flores, árvores, hortaliças, ervas aromáticas, pastagens para o gado de vento, a saber, porcos, cabras, carneiros. Aliás, o "Livro das Pitanças", faz referência expressa a ovelhas, o que torna evidente o consumo do leite e do queijo, da carne, da lã, das peles e do cordeiro ou anho, para a cozinha de primavera (pascal) e simultaneamente para a obtenção do pergaminho ou do velino, utilizados como suporte da escrita quer sagrada e ornamental, quer profana, notarial ou jurídica.

Para o séc. XVII, consultámos, por amostragem, os Livros da Tulha, dos Prazos e do Vinho que nos forneceram indicações concretas sobre o centeio, o trigo, o milho, as castanhas, o pão e também sobre as amêndoas e os confeitos cujo registo denuncia o alargamento e a democratização do uso do açúcar.

Em papéis avulsos, refere-se curiosamente a existência dos cereais (trigo, cevada, centeio) do milho miúdo e do milho grosso; isto é, desde bastante cedo os povos de Viseu, porque integrados no processo das descobertas, tiveram conhecimento e adquiriram técnicas de moagem do milho grosso, das quais resultaram boas qualidades de farinhas que utilizaram na alimentação, no fabrico do pão de mistura, da broa, da triga-milha.

Este avanço dever-se-á igualmente ao aproveitamento e à força das quedas de água, à instalação racional dos moinhos, aos terrenos baixos e húmidos que acompanham as margens e correntes de água.

Rui Fernandes (1531-32) refere já na "Descrição do Terreno em Roda da Cidade de Lamego Duas Léguas" a existência do milho, e duma espécie "que he milho branco da grandura de confeitos de coentro".

O milho grosso difundiu-se rapidamente no Noroeste, graças aos sistemas de rega dos lameiros e ao convívio fácil com outras plantas. É ele responsável pelo crescimento demográfico local e pela emigração, como pelo declínio da economia ganadeira e dos lacticínios por se haver restringido a área dos lameiros.

Para maior esclarecimento e rigor podemos consultar Oliveira Marques e a sua Introdução à História da Agricultura em Portugal.

Mas o que nos convém é antes, analisar, ainda que ligeiramente, a obra seiscentista de Domingos Rodrigues, cozinheiro d'El-Rei, autor de um tratado em que, pela primeira vez, se recolhem pratos e iguarias cuja raiz assenta claramente no espaço geográfico onde nos situamos, espaço português que se estende generosamente até à moldura das veigas e encostas ondulantes que ora nos afastam ora nos aproximam das terras últimas e sagradas de Lamego.

Foi lá, em Vila Cova, que nasceu o autor do Tratado que António Dinis Cruz e Silva, Camilo e Gilberto Freire, citam respectivamente nos versos do Hissope, na Boémia do Espírito, na Casa Grande e Senzala.

O homem português de seiscentos, alimentava-se de carne, peixe, aves e ovos, leite e queijo.

Na região das Beiras eram abundantes e de qualidade os porcos, os leitões, a vaca, a vitela, o carneiro, o cabrito, o coelho e toda a caça que se expandia por vales e montes e também as aves de capoeira como a galinha preta, a pedrês, o capão, o pato, o adem, o peru, o frangão que os médicos da época sempre recomendavam em circunstâncias delicadas.

Os modos de preparação indicados por Domingos Rodrigues são idênticos aos que utilizamos: cozer, fritar, assar, estufar, tudo auxiliado com molhos, cheiros, ervas. A Quaresma e a abstinência obrigavam a uma mudança radical e ao consumo do peixe e dos ovos, de favas, cardos, sáveis, azevias, pargo, linguado e pastelinhos de marisco. O peixe é utilizado seco, conservado em sal ou fumado.

O leite e o arroz eram ainda produtos requintados e de luxo para a época. O uso muito divulgado das especiarias conhecidas como "pós para a cozinha", sobretudo da pimenta, açafrão ou açúcar, conferem a este século uma característica muito forte e obrigam ao uso da água, do vinho e de outras bebidas ou sumos adequados a cada situação, a cada prato, a cada iguaria.

As especiarias já são conhecidas desde a Idade Média e Fernão Lopes na Crónica de D. Pedro refere o assassinato de um judeu que andava a vender pelos montes "especiarias e outras cousas". A pimenta era também usada como medicamento e dessa utilização nos dá conta o Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal, filha do infante D. Duarte e neta de D. Manuel.

Salientem-se as referências, em Domingos Rodrigues, às espécies pretas e aos adubos como sejam o cravo da índia, a noz-moscada, o açafrão, o coentro seco, a canela.

À canela se reserva o toque final dos pratos quer dos pratos doces como as tortas, o arroz-doce, os doces de massa e ovos, quer dos pratos salgados como sopas, carneiro, vitela, peru, pombos, frangos, cabrito, coelho, galinhola, olhas, ete., hábito estranho nos nossos dias, mas que poderemos reintroduzir em qualquer momento e, mais do que isso, poderemos chamar-lhe nosso, original português.

Também se usava a mostarda, o almíscar, mais raramente o âmbar (em pastéis, marmelada e sorvete), e com certa abundância a água de flor de laranjeira ou a água rosada, requintes do olfacto e do paladar tão apreciados como a música e os sete dons do espírito.

Às ervas aromáticas seria reservado um papel muito importante no tratado de cozinha. Nas receitas seiscentistas são frequentes as "capelas de cheiros", a salva, o tomilho, a manjerona, a segurelha, a hortelã, a salsa, os oregãos, os coentros, a erva cidreira, o funcho ou o cardamomo, a aromatizarem os salpicões de porco e os biscoitos de ovos enquanto o louro entra no prato de perdiz, vitela, lampreia e empadas.

Também o alho e a "cebola afogada" emprestam à carne e ao peixe, um paladar consistente e firme. O gosto dos acidulados e a associação entre pratos açucarados e pratos salgados causa-nos uma atitude surpresa e interrogativa, pois é frequente encontrarmos temperados com açúcar pratos de carne e de peixe como a "perdiz e o frango doce", pastéis e empadas ou o "coelho real".

Os molhos também eram muito ácidos como o "molho verde", composto por vinagre e agraço enquanto o "agridoce" era obtido pelo sumo de limão e açúcar, vinagre e mel, marmelos, açúcar e maçãs verdes.

Não encontramos no Tratado referências a batatas, tomate, ervilhas, feijão verde, hortaliças, mas devemos entender que Domingos Rodrigues recolheu um conjunto de receitas com destinatário escolhido: a casa real, os nobres, os fidalgos da corte, os dignitários da Igreja. Podemos entretanto afirmar que o autor conhecia bem a região das Beiras e nunca se teria esquecido que aqui é o lugar por excelência da portugalidade, do carácter, da água pura, das carnes, dos frutos e vegetais, da qualidade. Dessa mesma qualidade que não escapou à observação crítica de Camilo, mesmo enquanto nas "Noites de Lamego", cujas histórias transcorrem no Minho, satirizava uma época, ironizava ou descrevia com paixão, dramas, sentenças e destinos.

Lembramos como o grande contista começa por louvar os excelentes presuntos, mas não esquece o ofício de taverneira, as sopas, a pescada do Bonifácio. E afirma, irónico no sétimo conto: " é de saber que o demo tem caprichos sujos; e nisto, como em muitas outras coisas, parece homem, com ressalva do leitor. Também se mete nos legumes, o maldito!" S. Bartolomeu dos Mártires "farejou-o mesmo nuns feijões fradinhos.

Em "História de uma Porta" descreve o autor: "a ceia era um caldo de castanhas piladas bem adubadas de toucinho e toucinho bem arrazoado de batatas, a que lá chamam castanholas". Demos graças a Deus, e cada qual foi à sua cama.

E mais adiante acrescenta: "Ao romper da manhã, acordaram-me as marradas dos bodes, cuja corte era debaixo do meu quarto; e o balar das ovelhas, que moravam defronte; e o mugir das vacas, que deviam morar perto; e o chilrar das andorinhas, que tinham seu ninho no friso da cimalha".

Fala Camilo, neste mesmo conto, do mulato Vicente que chegara do Brasil "e já vinha de lá com os latins sabidos para se ordenar. Assim que chegou, foi para Braga tomar ordens, que custaram muitos centos de mil-réis, porque naquele tempo sangue de preto não recebia ordens senão a peso de ouro". E... o padre Vicente algumas vezes, antes de ir celebrar missa, ia à prateleira da cozinha e amolava os dentes nos bocados de carne que acertavam de ficar da ceia!"

Ao que parece este padre, deitou mãos a dinheiros que lhe não pertenciam e mais tarde teria voltado ao local do roubo, disfarçado de peregrino.

"Não pedia nada: sentava-se à porta dos lavradores; se lhe davam alguma tigela de caldo, aceitava; "se lhe não davam nada, molhava côdeas em água e engolia-as, Afirma irónico Camilo que também Caetana casou com o deputado Inácio e "começou desde logo a engordar com a perspectiva de comer muita castanha e chouriços de sangue", comestíveis de sua particular predilecção.

Mas o autor de Noites de Lamego regista, paralelamente, um outro tipo de alimentação que equivale a estratos sociais da burguesia endinheirada do séc. XIX, ligada a movimentos de torna-viagem, aos senhores da terra, aos barões, aos grandes lavradores, aos fidalgos e senhores de quintas e solares onde espelham abóboras e laranjais.

Assim, consomem-se presuntos, empadas de pombos em forma de coração, bolinhos de bacalhau, fala-se nas noites em que uma condessa tomava chá "em uma banquinha de charão", de biscoitos molhados em vinho de Bordéus", chá de tília e laranjeira, chávenas de café com que César escaldava o sistema nervoso, pratos de letria e arroz-doce, mimos que asentavam à mesa de morgadas bonitonas e brutas ou de fidalgos de Penajóia fechados de cabeça como pedreiras de mármore.

O retrato que faz de toda esta sociedade donde emergem os políticos da época que vão ocupar o Parlamento, em Lisboa, e por lá casam, é notabilíssimo. Fala assim do comendador Leituga e do deputado Inácio.

"O comendador Leituga, com admirável desprendimento e desinteresse de obséquios dos ministros, conseguiu empregar uns dezanove parentes que tinha em dezanove lugares. Virtude rara! Porque há deputados que fazem despachar dezanove parentes para trinta e oito lugares".

Clotilde e sua mãe acompanharam a Lisboa o deputado. D. Caetana queria ver a casa onde nasceu e espreitar o recanto da taberna em que sua saudosa mãe costumava provar as forçuras e fazer as contas com os fregueses, sentada num mocho vermelho.

Fechámos um circuito breve e rápido, sobre a cozinha secular da Beira, das terras de Viseu e Lamego, a prolongar-se pelo Minho, tudo anunciado pelos Livros das Pitanças ou mesmo pela linguagem estética de Vasco Fernandes, pelo verbo iluminado de Camilo ou pela fixação telúrica de Aquilino Ribeiro.

A oferta e a gastronomia da região continuam inesquecíveis e espantosas, com a marca e a qualidade de pratos como o cabrito assado, a feijoada com enchidos e hortaliças, o caldo de castanha de Pendilhe, o chouriço de boche de Vila Cova à Coelheira, as trutas avinagradas de Queiriga, o caldo verde de Fráguas, as papas de rolão de Vila Nova de Paiva, as cavacas de Alhais, o sarrabulho, a vitela assada no espeto, o pato assado, o arroz de carqueja.

Para além dos doces conventuais das freiras beneditinas que nos deixaram celestes, castanhas doces, ouriços, sonhos, bolinhos de amor, canudos, conselheiros, compotas, pão-de-ló ou papos de anjo. Não faltam ainda os queijos, vinhos, licores, chás e outras bebidas de grande engenho e arte, Reconhecemos que tradição e modernidade se cruzam e ampliam. E que, a par dos anunciados amores da cantiga popular, podemos encontrar, de novo, a fraternidade, o acolhimento e a mesa posta que se oferece em aromas e paladares tão abençoados e requeridos como favores e graças do altíssimo. Sempre, a caminho de Viseu.
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