sábado, setembro 17, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (3/9)

RESTAURO DOS MUSEUS DE TÊXTEIS DA PROVÍNCIA
por Maria José de Mendonça

Nos Museus da Província guardam-se colecções preciosas de tecidos, tapetes e tapeçarias.

Basta mencionar as alcatifas orientais e os paramentos do Museu de Machado de Castro de Coimbra, as tapeçarias flamengas do Museu de Lamego, o mostruário de tecidos e o pelote de D. João I, do Museu de Guimarães, e as alfaias litúrgicas que enriquecem os Museus de Aveiro, de Évora e de outras cidades do pais.

Se olharmos para as colecções que pertencem a autarquias locais e a organismos particulares, temos os tapetes de Arraiolos da Casa dos Patudos, as tapeçarias do Paço de Vila Viçosa e do Museu do Caramulo, as tapeçarias e as colchas da Casa Guerra Junqueiro, no Porto.

O património da Igreja conserva riquíssimas colecções de paramentos, particularmente nas Sés catedrais, avultando entre elas a que se expõe no Museu da Sé bracarense.

As tapeçarias, os tapetes, os tecidos e os bordados pertencem ao número de obras de arte que apresentam maiores dificuldades de conservação.

As matérias orgânicas que os constituem, de origem animal, como a lã e a seda, ou vegetal, como o linho, o cânhamo e ao juta, são muito sensíveis à acção da humidade, da luz e das poeiras, e estão sujeitas ao ataque de insectos e de fungos.

As condições de humidade do meio ambiente onde os têxteis se encontram são a origem da maior parte dos danos a que estão sujeitos.

A humidade provoca movimentos na estrutura celular das fibras que se enchem de água ou se esvaziam, conforme a atmosfera está excessivamente húmida ou seca; é um dos agentes no enfraquecimento das fibras e no descoramento dos tecidos, causados pela luz, e cria o meio ambiente para a formação dos fungos.

A luz, seja natural ou artificial, provoca alterações nos têxteis de tal gravidade que a sua acção permanente acabará por os destruir.

Os danos causados pela acção da luz são o enfraquecimento das fibras e o descoramento dos tecidos.

Todas as fibras naturais perdem gradualmente a resistência expostas à luz solar.

Este facto deve-se à acção dos ultra-violetas, devendo tomar-se em conta a intensidade da luz, duração da exposição, e a humidade e temperatura do meio ambiente.

Foi estudada a resistência das diversas fibras naturais à acção da luz solar.

A mais resistente é a lã; segue-se por ordem decrescente o cânhamo, o algodão, a juta e a seda.

O descoramento dos tecidos é causado pelos mesmos factores do enfraquecimento das fibras mas, o elemento mais importante, é a natureza de complexo formado pelo corante com o substracto do objecto.

A acção da luz artificial é muito menos intensa no enfraquecimento e descoramento dos têxteis do que os danos causados pela luz solar.

Os têxteis absorvem as poeiras e são fàcilmente contaminados pelos fumos e pelos gases su1furosos dos grandes centros urbanos.

As poeiras e a sujidade favorecem a acção destruidora da humidade e do ataque dos insectos.

O ácido sulfúrico, existente na atmosfera dos centros industriais, é um dos factores mais nocivos no enfraquecimento das fibras.

Como acontece com outras matérias orgânicas, os têxteis são susceptiveis de sofrerem o ataque de parasitas e de fungos.

Os parasitas que atacam a lã dos tapetes e tapeçarias são a traça (tinea taptezella de Lineu) e o antreno (anthrenus lepidua de Lineu e anthrenus varius de Fabre).

O desenvolvimento dos fungos é menos vulgar mas verifica-se também podendo causar a destruição das rendas.

O calor húmido, a falta de ventilação e a sujidade favorecem o desenvolvimento destes organismos.

Se, feita esta rápida resenha dos estragos que o meio ambiente pode causar na conservação dos têxteis, atendermos ao manuseamento e processos de exposição e arrecadação das espécies, verifica-se que são necessários cuidados especiais para não se causarem danos e perdas que podem ser irreparáveis.

Desta circunstância resulta que grande número de têxteis existentes nos museus do país se encontram em estado precário de conservação e precisam de serem submetidos a trabalhos de beneficiamento e restauro.

Desde que o tema em discussão pressupõe que as obras de arte sejam restauradas nos próprios museus, vamos ver as possibilidades de o fazer no que respeita os têxteis.

Os trabalhos de beneficiamento de têxteis consistem na limpeza, na consolidação e na reconstituição das perdas de textura.

Para se efectuarem esses trabalhos são necessárias oficinas com apetrechos especiais e pessoal técnico habilitado.

O apetrechamento de uma oficina dessa especialidade é dispendioso.

Começando pela lavagem de tapetes e tapeçarias, é necessário dispor-se de um local vasto, com pavimento de cimento e água corrente. O restauro das peças faz-se em grandes teares horizontais de madeira e aço.

Para o tratamento dos tecidos são precisas mesas de lavagem e de secagem, de grandes dimensões, e aparelhos de distilação da água, quando a da região for calcárea.

Há ainda a considerar os materiais de restauro, as lãs e as sedas, que se torna necessário mandar vir do estrangeiro, em quantidades que custam verbas avultadas.

A preparação do pessoal da oficina é um trabalho lento e delicado, particularmente da pessoa que tem a responsabilidade técnica da obra.

A orientação geral da actividade da oficina é da competência de um conservador, especializado na matéria.

Dadas as condições em que deve funcionar uma oficina deste género parece pouco viável, tanto por razões de ordem económica como devido à preparação do pessoal, multiplicá-las pelo país.

Poderia encarar-se a eventualidade de haver uma oficina itinerante que percorresse o país e se instalasse nos museus que precisassem dos seus serviços.

A dificuldade na organização de uma oficina desse tipo reside sobretudo no recrutamento do pessoal que seria obrigado a passar longos prazos, pois que os trabalhos de restauro são demorados, fora do seu ambiente familiar.

Nessas circunstâncias, considerando a necessidade de se atender à conservação das colecções de têxteis dos museus da província e à dificuldade desses museus organizarem, por enquanto, as suas próprias oficinas, propõe-se que seja estudado um programa, tendo em vista o seguinte:

- Meios ao alcance dos museus para assegurarem a conservação dos têxteis: tapetes, tapeçarias, e tecidos.
- Meios da oficina de restauro do Museu Nacional de Arte Antiga prestar assistência aos museus da província.
- Meios ao alcance dos museus para assegurarem a conservação das colecções de têxteis.

É fundamental na vida dos museus que os conservadores conheçam os meios de defesa e conservação das obras de arte e que tenham possibilidades de os pôr em prática.

No que respeita os têxteis, é necessário que as condições atmosféricas, a iluminação e a higiene dos locais onde se expõe e os processos empregados na exposição correspondam, pelo menos, ao mínimo considerado indispensável para a conservação das peças, não esquecendo os cuidados a ter quando elas se encontram arrecadadas.

As matérias orgânicas que constituem os têxteis são, como já se disse, sensíveis às condições atmosféricas; são matérias vivas que necessitam de um determinado clima para não sofrerem alterações que podem causar a sua destruição e desaparecimento.

Nesse clima, estudado pela Física aplicada à conservação das obras de arte, há a considerar a humidade relativa e a temperatura. A humidade relativa exprime a relação entre a quantidade de água presente num volume de ar a uma certa temperatura e a quantidade máxima que esse volume pode conter, à mesma temperatura.

São conhecidos os limites máximos e mínimos de humidade relativa necessários à conservação das obras de arte.

A temperatura não exerce acção directa sobre as espécies mas tem de ser considerada devido à sua influência na humidade relativa.

As condições óptimas do clima dos museus são cerca de 18° C. de temperatura e 58 % +/- de humidade relativa.

Para se manter permanentemente estas condições torna-se necessário que o edifício do museu esteja climatizado, o que rara¬mente acontece, mesmo em países onde os museus dispõem de verbas avultadas como nos Estados Unidos.

Em Portugal fez-se recentemente a climatização parcial de um edifício antigo, adaptado a reserva de obras de arte.

Refiro-me ao Palácio Pombal, em Oeiras, onde se encontra a Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian.

A instalação da colecção esteve a meu cargo, quando dirigi o Serviço de Belas Artes e Museu da Fundação, e uma das condições indispensáveis pareceu-me ser a climatização dos locais destinados às reservas das espécies.

O sistema empregado compreende aparelhagem de ventilação, humificadores e desumificadores que trabalham permanentemente, dia e noite, controlados por registos de humidade relativa e de temperatura.

A experiência adquirida na instalação e funcionamento do sistema, a cargo do Serviço de Projectos e Obras da Fundação, poderá ser de grande utilidade para os nossos museus, pois que o beneficiamento do clima das suas saJas não poderá ir além, pelo menos num futuro próximo, da instalação de aparelhagem semelhante, para melhorar as condições de ventilação, temperatura e humidade.

A primeira precaução a tomar é conhecer as condições actuais do clima dos nossos museus, instalando nas salas de exposição de tecidos e nos depósitos aparelhos registradores. - higrómetros, termo-hidrógrafos ou termómetros secos-húmidos.

O limiar de formação de fungos está fixado a 70 %; abaixo de 50 % as condições de humidade são desfavoráveis para as matérias higroscópicas como, entre outras, os têxteis.

Duma maneira geral o que se torna necessário é manter de humidade relativa entre 50 e 65 % e evitar as variações bruscas.

Outro aspecto a considerar no clima dos museus é a pureza. do ar.

Nos museus climatizados o ar é limpo de impurezas antes de entrar na circulação interior.

Na impossibilidade de se obter essas condições óptimas torna-se necessário ter em conta a higiene dos locais de exposição e de depósito dos têxteis.

A melhor maneira de defender as espécies dos danos causados pelas impurezas do ar e do ataque dos insectos é resguardá-las sob vidro.

Há museus onde os tapetes e tapeçarias mais preciosas estão colocados sob vidro mas, pelo menos, os tecidos nunca devem ser expostos fora de vitrines.

A defesa dos têxteis contra os danos causados pela luz obedece aos seguintes princípios:

- a luz do sol nunca deve incidir directamente sobre as espécies.
- a iluminação natural ou artificiaJ não deve ser demasiado intensa.
- a luz natural pode ser controlada por cortinas, estores, vidros opacos que difundem a luz ou vidros especiais que a filtram, interceptando os raios ultra-violetas.
- as salas de exposição devem permanecer na obscuridade, quando o museu estiver fechado ao público.
- na iluminação artificial pode empregar-se as lâmpadas incandescentes (luz quente) ou os tubos fluorescentes (luz fria). Este último tipo de luz tem a vantagem de não aquecer o interior das vitrines, mas torna-se necessário não utilizar os tipos de tubos que o inquérito levado a efeito pelo 1COM, em 1953, considera menos recomendáveis para a iluminação de objectos de museu.

Na defesa dos têxteis contra os ataques de insectos a primeira condição é a limpeza das espécies e a higiene e ventilação dos locais, onde se encontram expostas ou arrecadadas.

A acumulação de poeiras e outras sujidades favorece o ataque da traça.

Como medida preventiva as colecções devem ser examinadas, limpas e desinfestadas, todos os anos, na altura da creação da traça que, no nosso país, é em Fevereiro.

No Museu de Arte Antiga emprega-se na desinfestação dos têxteis o paradiclorobenzol, em forma de cristais, por meio de pulverização.

Existe também uma câmara de fumigação que trabalha com gás cianídrico.

Os sistemas de suspensão e o tipo de manequins e de outros dispositivos empregados na exposição dos têxteis são um elemento a considerar na conservação das espécies.

Como princípio geral as peças devem ser munidas de forros que suportem parte do peso da sua «queda», quando estejam suspensas, e evitem deformações e vincos nos tecidos colocados em manequins.

No artigo publicado no Boletim de Museus Nacionais de Arte Antiga sobre «Conservação Restauro e Apresentação de Tapeçarias e Tapetes Antigos» ocupo-me deste assunto, bem assim como dos cuidados a ter na arrecadação dos têxteis.

Antes de terminar estas breves considerações sobre a conservação de tapetes, tapeçarias e tecidos, quero referir-me a um meio pouco empregado mas que me parece essencial para se prolongar a vida dessas o bras de arte; esse meio consiste na exposição temporária ou rotativa das espécies, como se faz com os desenhos, as aguarelas e as iluminuras.

No programa do Museu da Fundação Gulbenkian estabeleci esse principio, hoje pouco frequente ainda mas que, de futuro, será necessàriamente posto em prática pelos museus, para defesa das espécies existentes nas suas colecções.

É também para desejar que os conservadores dos museus conheçam os processos de restauro que devem ser empregados; neste particular a sua acção pode ultrapassar o museu e esclarecer outros organismos responsáveis pela defesa das obras de arte. Isto vem a propósito de um género de restauro feito à máquina que está a ser aplicado entre nós em paramentos e outras alfaias de culto, pertencentes a entidades eclesiásticas.


Meios da Oficina de Restauro de Têxteis do Museu Nacional de Arte Antiga prestar assistência aos museus da província.

A Oficina de Restauro de têxteis anexa ao Museu de Lisboa, encontra-se bem apetrechada e com pessoal habilitado na conservação de tapeçarias, tapetes e tecidos, trabalhando sob a orientação técnica da Sra. D. Maria José Taxinha.

Grande parte da actividade da Oficina tem sido dedicada aos museus da província, pois que desde o inicio da sua laboração se ocupa do beneficiamento de tapeçarias flamengas do Museu de Lamego e tem, presentemente, em estudo o restauro do pelote de D. João I, do Museu de Guimarães.

Mas julgo que a Oficina poderia prestar uma assistência mais directa aos museus do país se tomasse contacto com as colecções, para avaliar do estado em que se encontram e elaborar um programa de trabalho, tendo em vista discriminar as peças que necessitam mais urgentemente de tratamento.

Esse programa foi feito para as tapeçarias, mas torna-se necessário completá-lo na parte que diz respeito aos tapetes e aos tecidos.

Outro aspecto dessa assistência seria a visita periódica da Chefe da Oficina aos museus da província, a fim de examinar as espécies que já tenham sido tratadas e assegurar a sua conservação.

Maria José de Mendonça

BIBLIOGRAFIA

- La conservation des tapisseries et tissus anciens, «Mouseion» vols. 21-24, 1933.

- Maria José de Mendonça - Conservação, restauro e apresentação de tapeçarias e tapetes antigos. «Boletim dos Museus Nacionais de Arte Antiga» vol. II, 1941.

- H. J. Plenderleith - The Conservation of Antiquities and Works of Art, 1956.

- Paul Coremans - Le Laboratoire et sa mission, «L'Organisation des Musées. Conseils Pratiques» Unesco, 1959.

- H. J. Plenderleith, P. Philippot - Climatologie et Conservation dans les Musées
«Museum»
vol. XIII, nº 4, 1960.

- Maria José de Mendonça - A Oficina de Beneficiamento de Têxteis do Instituto de
Restauro de Lisboa
, «Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga», vol. IV, nº 2, 1960
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