domingo, setembro 18, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (4/9)

O RESTAURO E A CONSERVAÇÃO DAS OBRAS DE ARTE
por Abel de Moura

Uma experiência baseada em observações contínuas e uma prática do ofício, a par de um contacto com centros estrangeiros de actividades semelhantes, levam-nos a concluir que a conservação das obras de arte não se faz por restauros mas sim por uma vigilância constante das condições do meio ambiente e do comportamento das obras. Desta forma é possível evitar o descalabro dos locais cobertos e consequentemente a deterioração progressiva dos elementos constitutivos das obras de arte que neles se encontrem; durante muitos anos aquelas obras mantiveram-se em bom estado de conservação nos templos ou monumentos antes do abandono a que muitos foram votados.

A maior parte dos objectos que constituem as colecções dos nossos Museus são provenientes de Igrejas e conventos para onde foram executados; muitos deles sofreram com o desleixo e incúria, quer pela deterioração e destruição progressiva de muitos dos nossos monumentos, quer pelos restauros empíricos das obras plásticas que deles faziam parte.

Os tratamentos curativos raras vezes remedeiam e o restauro não é solução, ainda que dirigido por um critério sábio e consciente.

A actual Direcção dos Monumentos procura com o maior interesse executar um plano de conservação e restauro do nosso mutilado e desfalcado património artístico, apesar dos obstáculos de ordem material que impedem constantemente a conclusão de uma obra desta natureza. Daí resultarem muitas vezes perdas e danos depois de iniciadas muitas obras de beneficiação.

Devemos entender que se impõe organizar um plano de obras de consolidação e valorização de tudo quanto resta disperso no nosso pais, na esperança de evitar a perda total e irremediável a que assistimos.

A todos os conservadores presentes nesta magna reunião e a todo o pessoal responsável pela conservação do nosso património, compete a elaboração do referido plano previamente patrocinado pela Direcção-Geral das Belas-Artes e dos Monumentos Nacionais.

Os cuidados votados à defesa do património artístico de uma Nação, revelam o seu nível cultural e isto explica porque tantos países se empenham na protecção eficaz das criações plásticas.

Entre nós impõe-se também instituir uma inspecção periódica formada por uma «équipe) de técnicos a fim de tornar possível um constante contacto com o estado de conservação da obra de arte. Nestas intervenções poderiam ser utilizadas fichas e gráficos meteorológicos semelhantes aos que foram por nós já sugeridos no décimo sexto Congresso Internacional de História de Arte e publicados sob o título «o problema da conservação da pintura».

A propósito do que acabamos de referir lembro uma vez mais a proposta de grande alcance apresentada superiormente pelo Director do Museu Nacional de Arte Antiga, Dr. João Couto, relativamente à acção local para o tratamento da pintura e sua permanente conservação.

Damos para exemplo uma das fichas a que acima nos referimos:



Por nos parecer indispensável a colaboração das entidades eclesiásticas em tão importante empreendimento de interesse cultural e nacional, damos a seguir uma transcrição dos paragrafos das «disposições Pontifícias em matéria da Arte Sacra» que julgamos interessarem directamente ao assunto em questão.

«DISPOSIÇÕES PONTIFíCIAS EM MATÉRIA DE ARTE SACRA»

CAPíTULO I

§ 1.° A actividade de cada comissão local deve principalmente visar:
a) À tutela e à boa conservação das obras e dos objectos de arte antiga e moderna pertencentes ao património eclesiástico.
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§ 5.° Em nenhuma Igreja ou noutros edilicios sagrados será permitido proceder a reparações, modificações ou destruições, sem a aprovação escrita da Comissão Local.
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§ 7.° A vigilância cuidadosa é o primeiro coeficiente da boa conservação. Por isso, quanto aos Edifícios (categoria. A) deve-se impedir absolutamente que as águas das chuvas penetrem na construção, e se infiltre qualquer outro género de humidade.

Para as obras de arte (categoria B), não serão nunca bastante recomendadas a vigilância, a limpeza e a cautela, a fim de que tudo seja bem conservado, bem guardado e bem defendido quer contra a deterioração proveniente de acidentes imprevistos, quer contra os rigores do tempo, quer contra a rapacidade sacrílega. dos ladrões.
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§ 10.° Recorde-se que um grandíssimo número de obras antigas sofreu danos graves e irreparáveis mercê do zelo inconveniente e da ignorância presunçosa de guardas e restauradores ineptos.

É preferível e algumas vezes menos grave, a danificação produzida pela natureza e pela idade do que o prejuízo causado por mãos inábeis; é preferível, por exemplo, que um fresco permaneça oculto pelo reboco, em vez de ser irremediàvelmente rasgado por uma raspagem mal feita; é preferível que uma velha escultura em madeira conserve a sua antiga cor «patine» ou douradura, em vez de ser mal refeita.

§ 11.º Vigie-se que as obras de arte expostas ao culto não sofram prejuízos da chama e do gotejar das velas e das lâmpadas de azeite, e que as instalações da luz eléctrica e as mobílias, ao serem eventualmente aplicadas, não danifiquem as obras de arte, as paredes ou outras coisas.
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CAPÍTULO III

§ 20.º As Comissões Locais cuidarão da formação de uma consciência artística adequada das pessoas que por dever de ofício, ou por hábito, devem ocupar-se do património artístico eclesiástico.

Para tal fim é de grande utilidade o ensino prático ou intuitivo da história da arte, ministrado diante das obras ou pelo confronto de boas reproduções e por projecções.

Especialmente nos Seminários Regionais e nos outros das grandes Sedes Metropolitanas ou diocesanas, são de recomendar tais lições, que deverão ser completadas com conferências realizadas por pessoas verdadeiramente competentes.

Estas lições e conferências deverão ser frequentadas, não só pelos alunos e pelo clero secular e regular, mas também por aqueles leigos em cuja actividade específica se pode fazer confiança.

É oportuno que as noções de história da arte sejam completadas por qualquer lição prática, ou pelo menos, por qualquer notícia sobre a boa conservação, sobre a restauração ou sobre disposição racional das coisas necessárias ao culto e das de carácter artístico.

E não se deve esquecer que um meio muito simples para infundir e aperfeiçoar nos jovens seminaristas e em todas as outras pessoas o sentido do belo e o bom gosto, consiste em adornar com estimáveis obras de arte os ambientes, e, sobretudo, na exposição periódico-rotativa (sobre as paredes das aulas, dos corredores, dos parlatórios, das residências dos cónegos, das casas paroquiais, etc.) de fotografias, estampas, desenhos de monumentos e obras de arte excelentes, inclusivé de objectos referentes ao culto, os panos com que se adornam as paredes dos templos, etc.
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CAPíTULO IV

COMUNICAÇÕES COM A COMISSÃO CENTRAL

§ 26.º A Comissão Central está à disposição das Comissões Locais para tudo quanto se refira a auxilios e pareceres sobre projectos, restaurações, deliberações, bem como para inspecções e para a propaganda destinada a espalhar os princípios essenciais da cultura artística e técnica.

Abel de Moura
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