terça-feira, setembro 20, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (5/9)

O MUSEU DE CRIANÇAS DE BROOKLIN - SUA ORGANIZAÇÃO E PROGRAMA
Por Maria José de Mendonça

Nos fins do ano de 1899 abria em Brooklin, nessa época um subúrbio elegante de Nova Y ork, o primeiro museu para crianças que houve no mundo.

Como acontece muita vez com instituições que mais tarde se tornam famosas e sobremaneira úteis, os inícios desse museu foram modestíssimos pois eram suficientes, para conterem as espécies de História Natural que o constituiam, duas salas apenas de um prédio de Brooklin.

Enriquecido mais tarde com uma biblioteca e outras secções de História e de Ciência, o museu ficou instalado em dois pequenos edifícios independentes, rodeados pela relva e arvoredo de um parque da cidade.

A finalidade do museu é satisfazer a curiosidade que as crianças têm de conhecerem o mundo em que vivem.

Mas satisfazer esse desejo natural da criança pondo-a no meio apropriado à sua mentaJidade e aos seus interesses.

No Museu de Brooklin o que importa verdadeiramente são as crianças e não os objectos expostos.

Âo contrário do que acontece nos museus para os adultos, aqui a criança é convidada a tocar e a mexer nas peças, para ver como são feitas e pô-las a trabalhar, quando se trata de maquinismos.

Tudo foi estudado e feito à escala dos pequeninos visitantes, desde as proporções das vitrines e altura a que estão colocadas, à redacção das tabelas explicativas dos objectos.

Os próprios edifícios onde o museu está instalado proporcionam um ambiente para a criança se sentir à vontade.

Como a grande maioria das habitações familiares nos Estados Unidos, são pequenas moradias, de dois pisos, rodeados de relva; no interior os compartimentos têm proporções próprias para criarem um ambiente de conforto e intimidade; neles a criança sente-se como em sua casa.

O Museu compreende cinco secções - Educação, História Natural, Ciência, História e Biblioteca.

O seu pessoal técnico é constituído pelo director e um assistente administrativo, por quatro conservadores - de Educação, de História, de Ciência e de História Natural - pelo Bibliotecário e um assistente, e por um conservador de exposições.

As actividades são as seguintes: Extensão Escolar, Programas Especiais, Clubes do Museu e Serviço para Crianças Deficientes.

Essas actividades destinam-se a crianças desde a idade pré-escolar ao limite máximo de 14 anos.

O Museu é sustentado pelo Instituto de Artes e Ciências de Brooklin, do qual faz parte, e recebe um subsídio da Cidade de Nova Y ork.

Do serviço de Extensão Escolar beneficiam as escolas públicas, paroquiais e particulares da cidade de Nova York que mandam centenas de crianças ao Museu assistirem às lições dadas pelos conservadores, sobre diversos temas de História, de Ciência e de História Natural.

O Museu publica todos os anos o programa dos temas das lições, com a data e hora a que são feitas e o grau das classes a que se destinam.

Segundo esse programa as escolas comunicam com determinada antecedência as lições que foram escolhidas e enviam os alunos acompanhados pelos seus professores, assistindo também estes às aulas.

A extensão escolar funciona de Fevereiro a Junho, quatro vezes por semana, com duas aulas de manhã, das 10 às 12, e duas à tarde, das 13 às 15 horas.

No ano de 1958 mais de 45000 crianças das escolas de Nova York beneficiaram deste serviço do Museu de Brooklin.

A análise do programa de extensão escolar revela-se do maior interesse porque nos mostra a orientação do Museu nesse aspecto fundamental da sua actividade.

O programa para o ano de 1959 abre com a Secção de História, abrangendo os seguintes capítulos: História Americana - Aspectos da Civilização - A Vida nas outras Terras.

Segue-se a Secção de História Natural, que é a mais reduzida, e termina com a Secção de Ciência que compreende os capítulos: Astronomia no Planetário - A Ciência da Terra - Experiências com o Mundo Físico - Transportes - Electricidade e Magnetismo - Ver Pensar Comunicar - A Ciência e o Homem.

A História Americana é dada em sete lições.

Começa com os Descobrimentos, mostrando como a fascinação do Oriente levou à exploração da Terra. A época dos Descobrimentos é explicada pelos processos de navegação e com modelos de embarcações. Na Biblioteca vêm-se mapas que exemplificam a evolução do conceito da forma da Terra.

As duas lições seguintes são dedicadas aos Indios das planícies e florestas da costa Este, Sudoeste e do Noroeste. Os usos e costumes da vida caseira dessas populações são explicados pondo nas mãos das crianças materiais e objectos que lhes dizem respeito.

Vem depois uma lição consagrada à Epoca Colonial na América, em que a vida quotidiana do tempo é mostrada por meio de objectos. Esta lição termina na Biblioteca, vendo espécies relacionadas com o desenvolvimento da América Colonial. A cidade de Nova York antiga e moderna, relacionadas com a vida familiar dos holandeses na Nova Amesterdão, ocupa a 5ª lição, e completa-se na Biblioteca com espécies que ajudam a compreender Nova Y ork, como uma cidade moderna. As lições têm geralmente filmes complementares; o que se vê nesta chama-se: «A História de uma Cidade - Nova York».

Segue-se a Expansão para o Oeste. A lição é preenchida com a explicação da vida dos pioneiros nos grandes carros que os conduziam para as novas regiões do Continente Americano e exemplificada com objectos do tempo. O período da Biblioteca é dedicado à audição de baladas dessa época.

A série de lições sobre História Americana termina com os Anos da guerra Civil na América - a vida nos campos de batalha e a vida familiar vista através de peças de carácter militar e civil. Na Biblioteca, discussão dos aspectos gerais desta guerra e audição de música do tempo.

Na série de lições dedicada aos Aspectos da Civilização a primeira chama-se A História do Homem e nela se compara a maneira de viver de dois povos primitivos, analisando os aspectos em que os homens se assemelham e aqueles em que diferem. Na Biblioteca fala-se no desenvolvimento da vida na Terra, incluindo o homem pré-histórico. Na Secção de Ciências vê-se o modelo em tamanho natural do corpo humano. O filme complementar intitula-se: «Todos os homens são irmãos».

A lição seguinte designa-se Fatos de muitas espécies e nela se analisa porque motivo os povos se vestem de maneiras diferentes. Discussão e exemplificação de tipos de indumentária dos povos primitivos e de povos actuais de outras regiões do mundo. Na secção de Ciências são feitas experiências com materiais de que nos vestimos.

Depois vem a lição dedicada aos Abrigos para Homens e para Bichos - análise do facto de os homens construirem de forma diferente as suas casas; são mostrados modelos de habitações e, na secção de História Natural, abrigos de animais.

A 4ª lição é dedicada aos Transportes, vendo-se a evolução do transporte na terra e no mar, por meio de modelos. Na secção de Ciência demonstra-se porque motivos os modernos meios de transporte conduzem os homens e as mercadorias melhor e mais ràpidamente. O filme complementar chama-se «O Romance do Transporte».

A série termina com a lição que tem por título Bonecos e Brinquedos feita com espécies do museu. Entre os vários filmes que a ilustram um chama-se «Bonecas de variados países».

Finalmente o último grupo de aulas da lição de História, que diz respeito à vida nas outras terras começa com os Usos e Costumes da China, exemplificados com peças de arte e de artesania.

Depois vêem os Esquimós com a sua vida familiar no passado e os processos que usam para sobreviverem nas regiões do Árctico onde se encontram actualmente.

Dos pólos passa-se para os trópicos, para a Selva Africana, com os usos e hábitos caseiros e da vida de caça dos povos do Congo.

Segue-se a Vida na Selva do Amazonas, demonstrando com objectos que as crianças podem manusear, os hábitos dos povos que nela habitam.

Estas lições completam-se na secção de História Natural com aspectos da vida dos animais dessas regiões, relacionados com a vida do homem. São sempre ilustrados com filmes.

O programa desta secção termina com a lição do Caçador e a sua presa, para mostrar como, desde os tempos mais recuados, o homem, para sobreviver, tinha de matar os animais.

Exemplificação com instrumentos de caça dos povos primitivos. Na Secção de História Natura! vê-se como os animais são protegidos pela Natureza.

Seria demasiado longo continuar com a análise do programa, mas daremos apenas os temas das lições da secção de História Natura!. A primeira chama-se Vida Rural e é exemplificada com o diorama de uma propriedade rural e o manuseamento de espécies vegetais.

Seguem-se duas lições sobre Pets; pets são animais domésticos de que as crianças gostam, e é-lhes ensinado como os devem tratar. A Vida dos Pássaros é consagrada uma lição. Outra tem por título Porque razão um insecto não é humano?

Na secção de Ciências as lições começam no Planetário.

Astronomia para os pequeninos: O Homem e as suas Estrelas. A nossa Estrela o Sol. O nosso satélite a Lua. A Vida nos outros planetas.

Na Ciência da Terra explica-se às crianças como podem aprender coisas sobre o nosso planeta e as riquezas que encerra; fala-se nas rochas e minérios da região de Nova York e ensina-se a fazer uma colecção de minerais.

O grupo Experiências com o Mundo Físico começa com a lição sobre Átomos e Energia; na Química Caseira ensina-se a fazer experiências inofensivas; com os Transportes entra-se no domínio das viagens no Espaço.

Finalmente a última parte do programa Ver-Pensar-Comunicar, a prjmeira lição chama-se Tu e os teus sentidos, como sabemos o que se passa fora de nós; Ciência de todos os dias mostra qual o processo que o cientista emprega na solução de um problema e como a criança pode seguir o mesmo processo num trabalho pessoal.

Todas estas lições são de carácter experimental e completadas com filmes, alguns dos quais foram feitos propositadamente para o Museu.

Os programas especiais tratam mais desenvolvidamente dos temas versados no Programa da Extensão Escolar.

Alguns têm por título: A Luz e a Cor. O que é o Som. Os Dinossauros.

O Museu tem diversos clubes para as crianças que se mostram particularmente interessadas pelos assuntos tratados nos programas.

Esses clubes reunem-se uma vez por semana e têm entre outras as seguintes designações. «Clube dos índios», «Clube dos Pássaros», «Clube das Bonecas», «Clube da Ciência»; «O Clube do Livro» pública um boletim do Museu, inteiramente feito pelas crianças.

Para as crianças que não podem vir ao Museu, há unia colecção de mais de 5.000 objectos que circulam pelas escolas e que são utilizados pelos professores durante as aulas; são objectos de carácter histórico e científico, na maioria feitos para serem postos nas mãos dos pequenos.

As crianças deficientes são particularmente bem-vindas no Museu de Brooklin que lhes dedica sessões organizadas de modo ao pô-las em contacto com as outras crianças normais.

A visita do Museu começa pela «Dol House», (a casa da boneca). Dentro de vitrines, bonecas que são dadas para as mãos das meninas. Para os rapazes há outros brinquedos. Depois entra-se na Secção de História Natural que abre com «Bird Room» (a sala dos pássaros), onde se vêem dentro de pequenas vitrinas, pássaros embalsamados dispostos no seu habitat; as legendas têm os nomes habituais dos pássaros, sem qualquer aparato de classificação científica.

Passa-se em seguida para outro recinto onde estão embalsamados pequenos animais da região de New York e se vêm dois aquários com pequeninos peixes. Daí entra-se no «Live Animal Room» (a sala dos bichos vivos), contendo gaiolas com diversos animais: um pequeno macaco, um casal de chinchilas, porquinhos da índia, uma tartaruga, coelhos, pombos e uma família de ratos brancos.

À Secção de História Natural termina com o «Farm Room» onde se dispõem pequenos dioramas, com aspectos da vida rural nas regiões mais próximas de New York - a propriedade característica de criação de gado e produção de leite; os utensílios, os animais, e os maquinismos que o homem utiliza na vida rural; o processo de plantação de alguns vegetais e a linda habitação familiar de uma propriedade agrícola.

A Secção de História, o «History Room», apresenta dioramas com cenas da vida na América, desde os índios à Época Colonial, Expansão para o Oeste, Guerra Civil e Época Moderna. A parte dedicada aos «Transportes» contém modelos de barcos à vela, de navios a vapor, de aviões e, no centro da sala, um comboio eléctrico que as crianças podem pôr em andamento. Nas «Comunicações» o telefone, onde os pequenos ouvem a própria voz, o modelo de um telégrafo e o modelo do Vanguard 1.

Na Secção de Ciências o pequeno planetário para as lições de Astronomia, o Laboratório para as experiências de química e de física, uma colecção de mineralogia e o famoso «Boris», o modelo em plástico, de tamanho natural, do corpo humano.

O Museu possui também uma oficina de artes plásticas com um forno para cozedura de peças de cerâmica.

Na Biblioteca, onde as crianças mais pequeninas ouvem histórias e vêem livros de estampas, há uma secção reservada com livros estrangeiros; tive o prazer de encontrar dois livros portugueses «Os Animais nossos Amigos» e «Bartolomeu Marinheiro».

Por ser o recinto mais amplo do Museu é na Biblioteca que têm lugar os programas especiais e aí foi-me dado poder assistir a uma lição de História Natural. Os miudos sentaram-se no chão, em círculo, e no meio o Conservador da Secção, Mr. Bagn. Grande entusiasmo dos miúdos por irem ver e mexer em bichos vivos.

A estrela da sessão é um criceto, espécie de grande rato de pelo castanho, muito bonito. O criceto chega na sua gaiola - o Conservador pega no bicho e fala um pouco sobre a sua vida e os seus hábitos; depois leva-o à roda dos miúdos para eles lhes fazerem uma festa e o cumprimentarem - hallo Gola (Gola é o nome do bicho).

Em seguida o Conservador deixa dois ou três miúdos pegarem no Gola, e depois pergunta-lhes o que sentiram: se as unhas são rijas se o pêlo é macio ou áspero, que cheiro tem, etc.

Agora há uma tremenda excitação na roda dos pequenos; o Gola está em liberdade no meio da casa e vai caminhando para eles; acaba por ir cheirar as botas de um miúdo e esse tem o previlégio de lhe pegar e de o entregar ao Conservador.

A seguir entra em cena uma doninha, de grande pêlo, que foi recebida com aclamações.

Repete-se o mesmo processo: breve explicação sobre o animal, rápido contacto com os miúdos e perguntas às crianças. O espectáculo é encerrado com a exibição da família dos ratos brancos. A excitação atinge o auge quando os ratinhos são postos sobre os ombros duma miúda.

Foi uma hora de alegria e de encanto; as crianças estavam radiantes e fascinadas com os bichos.

Eu aprendi a maior lição da minha vida sobre a riqueza da imaginação humana e do valor das coisas simples.

Digo coisas simples porque tudo quanto eu vi nesse Museu, que ainda hoje é o mais completo no género, é de uma simplicidade enorme, digamos mesmo modéstia.

Todo o material do museu no que respeita material de exposição e dioramas é pobre e antiquado. A colecção de espécies que serve para as aulas e programas especiais é de aquisição pouco dispendiosa. Os próprios edifícios têm um aspecto de certo modo abandonado.

No meio dessa metrópole do dinheiro, há um museu maravilhoso para as crianças que nos parece modesto, o que nos leva a pensar que poderíamos ter um semelhante em Portugal. É a simplicidade desse museu que o torna um exemplo fascinante e por isso dele falei nesta primeira reunião de Conservadores dos museus portugueses.

Eu sei que há nesse museu uma grande riqueza - o seu corpo de Conservadores - e que em Portugal não poderemos pensar em semelhante luxo, enquanto nos nossos museus o pessoal técnico for menos que suficiente.

Mas outra revelação dos museus americanos foi para mim o serviço gratuito dos voluntários. Na grande maioria dos museus dos Estados Unidos o Serviço de Educação é feito, em grande parte, por voluntários que trabalham sob a orientação do Conservador da secção. Como entre nós se ensina a catequese e se faz obras de caridade, na América trabalha-se nos museus.

Quando se entra no mundo das crianças é natural dar-se asas à imaginação e ao sonho.

O Serviço Infantil que o Sr. Dr. João Couto organizou e orienta no Museu Nacional de Arte Antiga, com a colaboração dedicada de Madalena Cabral, é a garantia de que entre nós temos a pessoa capaz de pôr de pé uma obra tão bela como o Museu de Crianças de Brooklin.

Como para a realização dessas obras o essencial são os valores humanos, esperemos que um dia o sonho se torne realidade.

Maria José de Mendonça
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