sábado, setembro 24, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (8/9)

O SERViÇO DE EXTENSÃO ESCOLAR DO MUSEU NACIONAL DE ARTE ANTIGA
por Madalena Cabral

Existe no M. N. A. A., além de outras realidades que dele fazem um autêntico «Museu vivo», o Serviço de Extensão Escolar.

Pensado pelo seu Director, Senhor Doutor João Couto, no intuito de familiarizar as crianças com as obras de arte, o actual movimento de visitas infantis teve como origem remota o seu trabalho realizado com os alunos do Liceu Pedro Nunes, a quem constantemente acompanhava a visitar o Museu. Mais tarde, já na Direcção deste estabelecimento, deu todo o seu apoio e acompanhou quanto possível quaisquer iniciativas que procurassem abrir as portas do Museu às crianças.

No final do ano de 1953 fui chamada pelo Senhor Doutor João Couto, como bolseira do Centro de Estudos de Arte e Museologia do Instituto de Alta Cultura, para colaborar no Serviço de Extensão Escolar debaixo da sua orientação.

Tentarei expor um resumo do trabalho feito em regime experimental durante os 7 anos decorridos, tendo consciência das inúmeras deficiências que ele possa apresentar. Faço também notar como é difícil dar a conhecer os resultados de uma obra que temos tentado realizar mais no sentido da profundidade do que em extensão, não sendo portanto fácil traduzi-la em números exactos.

Aparece-me essencial focar os seguintes pontos:

a ) Vantagens da iniciação artística infantil.
b) Incompreensão do público diante do problema.
c) Trabalho realizado no Museu Nacional de Arte Antiga
d) Sugestões.

a) VANTAGENS DA INICIAÇÃO ARTÍSTICA INFANTIL

Sabemos como a criança fixa, de maneira muito viva, todas as impressões do seu pequeno mundo - impressões estas que dificilmente se apagarão da sua memória admiràvelmente fresca.

Sabemos também que na época caleidoscópica em que vivemos a imagem tem lugar fundamental na educação infantil; é pelos sentidos, e muito particularmente pela vista, que são apresentadas às crianças as sugestões dum mundo que ela começa a descobrir.

Parece então extremamente conveniente facilitar às crianças, e mais tarde aos adolescentes, os meios de entrar em contacto amigo com tudo quanto é belo e pode merecer a sua admiração. Da mesma maneira que será de louvar uma aproximação da natureza, devemos trazer às idades juvenis todo o encanto e maravilha da descoberta das artes, à qual elas são espantosamente sensíveis.

Metidos num mundo cada dia mais estandardizado e no qual nos deixamos penetrar incessantemente pelos benefícios duma civilização técnica, temos de dar a conhecer à juventude o reinado pessoal da criação artística, com tudo quanto ela traz de sonho, de poesia, de vitalidade.

Para os eleitos que vivem no mundo dos Museus julgo que existe uma responsabilidade grave no que respeita à transmissão do seu património artístico até às idades infantis. Na medida em que soubermos apresentar-lho de forma viva, directa, familiar, - mas simultâneamente digna da nossa admiração - a criança há-de guardar uma recordação igualmente viva, familiar, salutar, de qualquer impressão recebida diante duma obra de qualidade.

Os Museus podem e devem ser um dos lugares ideais onde as crianças vivem a descobrir o caminho sempre novo da harmonia e da beleza.

b) INOOMPREENSÃO DO PÚBLIOO DIANTE DO PROBLEMA - VANTAGENS DA INICIAÇÃO ARTÍSTICA INFANTIL

Ao ser planeado o Serviço de Extensão Escolar, em 1953, tal como ainda hoje sucede, não existia no nosso programa de ensino pré-primário, primário ou liceal qualquer iniciação artística; (1) não existia portanto oficialmente nenhum ensino teórico, nem tão pouco um movimento de visitas a Museus, Monumentos, Exposições, etc., que despertasse a atenção da juventude para uma parte do mundo que a cerca.

Não são também correntes entre nós, como noutros países, certas organizações de tipo particular destinadas à juventude, tais como grupos culturais, educativos, etc., em que os seus membros gozam o privilégio de inúmeras iniciativas culturais e artísticas.

Geralmente, e a menos que o ambiente habitual ou familiar em que vivem os estimule nesse sentido, as crianças e adolescentes desenvolvem-se indiferentes ao mundo de beleza que os rodeia - quer no que diz respeito à natureza, quer também à criação artística.

Acresce ainda a este panorama triste o reduzido número de horas livres de que a criança dispõe fora do tempo exigido pelos programas escolares; é necessária muito boa vontade própria ou dos educadores responsáveis, para que se chegue a alcançar um resultado mais ou menos favorável no plano da formação geral, artística, etc.

Estas são as condições de disponibilidade do público infantil; a menos dum grande espírito de colaboração da nossa parte, a descoberta das artes através dos Museus ficará letra morta.

C) TRABALHO REALIZADO PELO SERVIÇO DE EXTENSÃO ESOOLAR DO M. N. A. A.

Pelas dificuldades citadas, que imediatamente se nos apresentaram ao tentar escolher os primeiros grupos de crianças com quem havíamos de trabalhar no Museu, foi decidida uma experiência inicial com crianças de algumas escolas particulares entre os 5 e os 10 anos, aproximadamente. A escolha recaiu sobre estas por um motivo simples: relativa elasticidade dos horários nas instituições particulares, especialmente nas classes pré-primárias e primárias.

Visitas infantis
«O Serviço de Extensão Escolar» começou as suas actividades por visitas infantis ao Museu. Para melhor rendimento das visitas foram estudadas, e aperfeiçoadas depois da experiência, certas normas que ainda hoje são de base, tais como:
- Formação de grupos por idades ou mentalidades aproximadas.
- Grupos limitados a 15 crianças, a fim de se conseguir um convívio natural com cada uma durante o tempo da visita.
- Ambiente familiar e de liberdade, de tal forma que as crianças se sintam naturalmente atraídas e à vontade.
- Interesse centrado na criança; tudo deve suceder em ordem ao seu aproveitamento: compreensão, estímulo, desenvolvimento das faculdades de admiração e da curiosidade natural, clima familiar e alegre.
- Duração da visita: 3/4 de hora a 1 hora, regulável conforme o estado de atenção ou cansaço das crianças.
- Escolha de um tema central para cada visita, de forma a não dispersar a atenção das crianças.
- Encetar qualquer visita por um tempo de conversa a fim de estabelecer contacto (quase sempre muito fácil) e despertar a atenção sobre o tema escolhido.
- Reduzir a função do guia à de estimulador da curiosidade e atenção das crianças; fazer desaparecer o hábito da lição ou Visita-conferência que muitas vezes cansa as crianças sem chegar a interessá-las.
- Ter como palavra de ordem para cada visita a de uma descoberta nova feita por cada uma das crianças.
- Propor cada tema da forma mais adequada à idade e interesses dos visitantes: tanto poderá ser contando uma história a propósito, como fazendo uma viagem de descoberta pelo Museu, ou ainda, para os mais velhos, dar-lhes um questionário simples; unicamente se exige do guia que consiga localizar o interesse do seu público na obra examinada.
- Iniciar as crianças, tanto quanto possível, nos processos de factura das várias obras de arte; para tanto será útil a visita a oficinas ou ateliers em ligação com as colecções examinadas.

Com a experiência temos verificado que se deve criar entre as crianças e o Museu uma espécie de espírito de família, que é talvez um dos melhores frutos desta obra. O Museu é delas; sabem-no e vivem-no.

Não é possível acreditar que as horas boas ali passadas caiam no esquecimento.

Temos portanto de as tornar tão agradáveis como sugestivas, de forma a criar uma forte amizade da juventude pelas coisas de arte, amizade esta que venha a justificar um estudo mais sério, passado o tempo escolar.

Falámos acima na vantagem que existe em completar o estudo das várias técnicas com visitas a ateliers, etc.. - É também conveniente que o Museu se possa ir apetrechando com certo material complementar que responda à curiosidade infantil. No Museu de Arte Antiga existe já um pequeno tear manual destinado a esclarecer os problemas da realização dos têxteis; uma pequena colecção com vários tipos de cerâmica fàcilmente manuseável pelas crianças e na qual elas são capazes de distinguir as diferentes qualidades do barro, do vidrado, pintura ou cozedura; etc., etc.

Há uma grande vantagem em estabelecer visitas periódicas para cada grupo de crianças, com intervalos não superiores a 2 meses.

Pela experiência sabemos que, longe de se cansarem, estes grupos ganham uma atenção especial para cada tema proposto, e mais fàcilmente estabelecem ligação entre os centros de interesse fornecidos pelo Museu e a vida corrente.

Como expansão do trabalho do M. N. A. A., o Serviço de Extensão Escolar tem promovido constantemente visitas a outros Museus, monumentos ou exposições temporárias dignas de interesse, especialmente com os grupos de crianças que têm tido maior assiduidade.

Durante o período escolar 1959-60 o movimento de visitas infantis foi constante, numa média de 23 visitas mensais.

Cinema infantil

Simultâneamente com as visitas, têm sido realizadas periodicamente no Museu sessões de cinema infantil. Concebidas como ilustração cultural e complemento sugestivo da iniciação à tecnologia das artes, são mais um atractivo simpático que o Museu põe ao alcance da criançada, e do qual tem tirado excelentes resultados. Procuramos habitualmente compor os programas de harmonia com os centros de interesse propostos durante a temporada de visitas: um filme sobre o fabrico das pratas quando se dá maior relevo às salas de ourivesaria; exemplificação, através da obra filmada dum desenhador, sobre o carácter fisionómico de cada animal, ao mesmo tempo que procuramos esse mesmo tema nas obras do Museu, etc., etc. - as sessões decorrem no mesmo ambiente de familiaridade que descrevemos para as visitas. Geralmente é feita uma pequena conversa preparatória para cada filme, de forma a colocar as crianças na pista da compreensão (especialmente quando se trata de filmes falados em qualquer língua estrangeira). São ideais, mas raros, aqueles que vivem quase exclusivamente da imagem. - No final da exibição de cada filme faz-se uma troca de impressões que nos dá a nota certa do grau de apreensão do tema proposto. Costumamos alterar os filmes didácticos com bonitos ou engraçados filmes de distracção.

Atelier infantil

A última experiência levada a efeito no Museu de Arte Antiga foi o «Atelier Infantil», posto a funcionar durante o passado mês de Julho em dependências anexas ao Museu.

Há muito tempo desejado como complemento do serviço de visitas pôde agora ser iniciado e receber acolhimento entusiástico da parte dos seus frequentadores que ali se reuniam em vários grupos, semanalmente.

Passado um período de introdução durante o qual as crianças foram perdendo as inibições de que vinham carregadas, fomos procurando centrar cada sessão à roda de um tema escolhido, embora limitado ainda exclusivamente à pintura.

Está hoje suficientemente provado em todo mundo quanto se deve pedagogicamente ao desenvolvimento das actividades criadoras e de observação infantil. Particularmente, cremos ainda que o trabalho de atelier realizado em conjunto com o serviço de visitas aos Museus as ajudará a melhor compreender as obras de arte que lhes é dado observar.

Trabalhos subsidiários

Em vista dos bons resultados verificados no trabalho infantil do Museu, algumas entidades têm pedido colaboração para certas iniciativas do mesmo tipo, tanto organizando visitas a certas exposições realizadas (Exposição de B. A. da Fundação Gulbenkian, Exposição do M. N. A. A. na Câmara de Oeiras, etc., etc.) como sessões de cinema destinadas a um público de escolas primárias (Vila Viçosa, Vendas Novas, a pedido da Fundação da casa de Bragança). De todas as vezes têm sido experiências coroadas de êxito, e que nós desejaríamos ver continuadas dentro das possibilidades locais.

Preparação artÍBtica de educadores

Em vista do número sempre crescente de pedidos para admitir grupos escolares no serviço educativo, e das reduzidas possibilidades de pessoal que as acompanhe eficazmente, o Senhor Dr. João Couto consentiu em levar a efeito no Museu durante algum tempo um trabalho de iniciação artística para educadores. E assim, no ano de 1957, teve lugar um animado movimento de palestras, visitas guiadas e exibições de filmes destinados a preparar culturalmente um grupo de casais e educadores infantis interessados em colaborar com o Serviço de Extensão Escolar. Os resultados obtidos foram de considerar, sobretudo no que diz respeito à maior compreensão do Serviço Educativo - compreensão esta que se traduziu numa assiduidade e colaboração mais eficaz com o Museu.

Dentro da mesma orientação foi também levado a efeito durante 2 anos um curso de iniciação artística para os alunos do Centro Educativo da Cuf, especialmente para os monitores da sua colónia de férias. (Palestras com projecções de diapositivos, visitas ao Museu, sessões de cinema, e ainda encontros educativos realizados na Colónia de Férias).

Igualmente se realizaram encontros com as professoras dos Jardins Escolas João de Deus, assim como visitas ao Museu destinadas aos membros do 1º Encontro Nacional das Religiosas Educadoras.

d) SUGESTÕES

Julgamos que não é difícil concluir positivamente quanto à utilidade dos serviços educativos nos Museus; o seu desenvol¬vimento é no entanto pràticamente impossível enquanto não for estudada a forma de preparar pessoal capaz, bem como a maneira de o recompensar.

Entretanto qualquer serviço educativo dos Museus é feito de forma extremamente precária, e raramente pode corresponder aos pedidos sempre crescentes das escolas que pretendem visitar o Museu com a ajuda dum guia esclarecido. Assistimos então às passagens relâmpago das crianças pelas salas, muita vezes desajudadas por professores totalmente ignorantes da sua função eventual de guias. É lamentável que assim suceda, pois cada um destes encontros deveria ser aproveitado como ponto de partida para uma descoberta do Museu.

Tentando corresponder a esse mínimo que nos é pedido, haveria que encarar os 2 pontos fundamentais:

- Recrutamento e preparação dos guias.
- Sua renumeração.

- Quanto ao primeiro ponto e a título de sugestão, deixo aqui o exemplo do Rijksmuseum (Amesterdão), talvez o mais impressionante de todos quantos tive ocasião de observar em Museus da Europa: o serviço de visitas infantis é inteiramente desempenhado por artistas, formados e preparados para esta missão pelo pioneiro do movimento (artista também). Os lugares de guias são ali disputados e considerados como uma honra, e o serviço é realizado com a maior eficiência numa atmosfera excepcional de liberdade e de interesse.

- Quanto ao segundo ponto considerado, encontrei-o solucionado das mais diversas formas, das quais mencionarei algumas:

- Serviços oficializados, e inteiramente integrados na vida dos Museus.
- Serviços semi-oficializados, com participação dos chamados «amigos dos Museus».
- Serviços orientados pelos Museus, mas subsidiados pelas câmaras locais.
- etc., etc.

Destes serviços, uns são remunerados conforme o número de visitas mensais, enquanto que outros têm ordenado fixo. Estes últimos vêm a ser aproximadamente equiparados a professores de instrução primária.

Pela experiência tirada destes anos de trabalho, assim como pela reacção do público diante do serviço de Extensão Escolar do Museu de Arte Antiga, creio ser já possível pensar na sua estabilização, bem como na criação de outros serviços semelhantes. Para tanto será necessário conseguir um mínimo de disponibilidade nos horários infantis, e proceder à escolha e formação criteriosa do pessoal encarregado dos serviços.

Madalena Oabral
Setembro 1960

NOTA

(1) - Dr. João Couto. «A escola sem Arte» - Confª realizada no Liceu de Pedro
Nunes em 1932
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