sexta-feira, setembro 02, 2005

Viseu monumental e artístico (6/11)

por Alexandre Lucena e Vale
2ª edição, 1969
Junta Distrital de Viseu

V - Casas Nobres e Antigas de Viseu

ANTIQUA ET NOBILISSIMA, não podia Viseu deixar de ter aquelas evocativas velhas casas - casas nobres, solares, paços, - que em cada terra põem de comum a nota da sua vetustez com a monumentalidade das suas proporções e a nobreza do seu granito de séculos, dos seus portões armoriados, das suas sacadas pombalinas, das suas janelas de avental ou peitoris de ressalto.

Umas, mais remotas, velhas casas quinhentistas, venerandas relíquias que o acaso conservou, são hoje residências modestas e anónimas, sem mais valor que não seja o da sua traça primitiva ou o interesse dos seus pormenores arquitectónicos: uma janela de canto, um ajimez bem lavrado, um lintel de laçaria.

Pelas velhas ruas de Viseu, a Rua Direita, a Rua Nova, a da Judiaria, são, essas antiquíssimas casas, motivo de doce enlevo para quem sente o odor misterioso que se evola de tudo quanto o dobar dos séculos tocou.

Uma destas, mais idosa, é a Torre da Rua da Cadeia que errada tradição apontava por berço do rei Eloquente, D. Duarte, nascido em Viseu em 1391.

É uma torre medieval, siglada de alto a baixo, ainda há poucos anos campeando como tal sobre o casario a deslado. Hoje perde-se, anónima, na linha dos prédios vizinhos, alteados, e não tem outro interesse arquitectónico que não seja a linda janela geminada que, correndo o século XVI, ali rasgou o cónego Pero Gomes de Abreu, e remata o escudo das suas armas - o esquartelado de Albergaria e Abreu dos Senhores de Regalados.

Do século XVI é a Casa do Miradouro, no antiquíssimo local do Miradouro, hoje Largo António José Pereira.

Foi edificada por um sobrinho do célebre bispo de Viseu, D. Diogo Ortiz de Vilhegas - Fernão Ortiz de Vilhegas - que à sombra do valimento do tio aqui se aposentou. Depois de andar séculos na linhagem dos senhores de Molelos, seus descendentes, passou por compra a outras mãos.

A parte central é constituída por um portal renascentista com as jambas semelhando pilares de caneluras, sobre cuja arquitrave descansa um conjunto idêntico mais pequeno, formando linda janela de duas luzes. Sobre ela um escudete quinhentista com as armas dos Ortizes; no portão um brasão moderno dos Melos.

Na ala direita do edifício, dois pares de janelas geminadas como a do portal dão a esta encantadora casa, de requeimado granito sem reboco e senhorialmente recolhida no pátio alcatifado de relva, em meio de velhas árvores, um sugestivo ar de antanho que nos enleia e detém.

De mais, todo esse logradouro em que a casa demora, empedrado de lajedo à romana, à sombra da mole enorme do velho Paço dos Bispos, enobrecido de nascente por essa outra casa seiscentista do Arco da Rua Escura, é todo ele - como noutro relanço escrevemos - «uma doce evocação tão sugestiva e perfeita que, a certas horas, na calada daguele recanto singular, parece-nos entrever vultos de outras eras, vestidos de brocado e seda roçagantes, apeando de cadeirinhas de xarão doirado ou assomando, austeras e solenes, na moldura rendilhada das velhas janelas manuelinas».

Dos princípios do século XVII é a Casa do Soar, na concordância das ruas do Soar de Baixo e do Soar de Cima, que pertencia ainda há poucos anos à família Malafaia, de Serrazes.

Além do balcão alpendrado da entrada, hoje vedado com um muro e portão em flagrante anacronismo com a traça primitiva, tem curiosa janela de canto com uma legenda epigrafada a lembrar a precaridade de todas as coisas humanas: Homo Bulla - o homem é como a bola de sabão que se desfaz à mais leve aragem...

Dos princípios do século XVII é igualmente a casa, hoje restaurada, do Arco de Santa Cristina, sobre a muralha da cidade junto da antiga Porta do Senhor Crucificado.

É, bem como a outra do século XIX que a continua com a sua graciosa varanda alpendrada, pertença da nobre família Lemos e Sousa, talvez a família de Viseu de mais remontada ascendência, pois o Dr. Heitor de Lemos, pai e sogro dos actuais proprietários, era descendente por varonia dos Sousas de Beringuel e de Martim Afonso Chichorro, filho de D. Afonso III.

A casa, erguida sobre a muralha, mesmo à ilharga da antiga porta da cidade, era, ainda há anos, tanto pelo aparelho de pedra de fiada como pelas sacadas que se debruçam no largo, e ainda pela entrada alpendrada que tem na parte de trás, um curiosíssimo exemplar da arquitectura do tempo. Foi restaurada há anos, com pouco rigor arquitectónico, aliás...

De transição do século XVII para o XVIII é a chamada Casa das Bocas na antiquíssima Rua da Regueira.

Andar corrido sobre o vão das lojas, cuja frente rasgam cinco lumieiras de granito em forma de caderna, janelas de cornija descansando em pequenas mísulas que lhes servem inferiormente de remate, portais elegantes de ornamentais volutas, terraço de balaustres sob a ramagem de frondosas árvores, tudo nesta casa lhe imprime carácter e a reveste de particular interesse.

O maior, porém, está no friso das gárgulas de acentuada feição românica que orna o alto da frontaria, sob o beiral franco do telhado.

Segundo gerais suposições, embora sem nenhum documento que as comprove, tais bocas devem ter pertencido à Sé e dela terem sido desviadas quando da substituição da ábside românica pela actual capela-mor.

Ignora-se a quem pertenceu na sua origem; de há muito é objecto de alienações sucessivas.

Do mesmo tempo será a casa, hoje transformada, do pequeno Largo da Capela de S. Sebastião.

Pertenceu ao cónego Agostinho Nunes de Sousa Valente, escritor viseense do século XVIII, autor do Olimpo Místico, interessante manuscrito de copiosa notícia sobre Viseu e a Beira.

A entrada desta casa com seu balcão acolhedor, a porta enobrecida com ornamental pedra de armas, a escada franca e aberta sobre o terreiro vizinho, formam um conjunto de evocativo agrado.

O escudo de armas com largo e imponente paquife, é um esquartelado de Valente Morais (?) e Almeida. Interiormente, há no topo do salão de entrada, a meio do tecto apainelado, um brasão dos Correias de Carvalho, de Moimenta, a quem em tempo a casa coube por herança.

Há muitas dezenas de anos que deixou de estar na mão da referida família.

A Casa da Rua Direita é uma característica construção do século XVIII com ornadas janelas de avental e dois elegantes e aristocráticos portais, rematados um com as armas dos Moreiras, Castelo Branco, Cardoso e Vasconcelos, e outro com as dos Moreiras, Lacerda, Figueiredo e Cardoso.

Foi último senhor desta família de Viseu, Femando de Almeida e Silva Cardoso Cerqueira, de quem, por falta de descendentes, herdou a casa sua viúva, D. Augusta Pereira Pinto de Almeida e Vasconcelos, de Santa Eulália de Seia, tia do nobre e venerando Dr. Valeriano Queirós Pinto Serpe e Melo, que foi há meio século notário em Viseu, e pai da actual dona da casa, a Senhora Viscondessa de Treixedo.

É uma espaçosa e senhorial construção, com largo pátio e escadaria de entrada, salões e várias outras quadras, tudo decorado com valioso e profuso mobiliário do tempo.

A Casa de Cimo de Vila é a mais grandiosa e apalaçada de Viseu, quer exterior¬mente pelas linhas gerais do edifício, como o anterior exemplar característico da arquitectura civil portuguesa do século XVIII, quer interiormente pela variedade de azulejos que profusamente a decoram na nobre escadaria da entrada, nos lambris de algumas salas, em todo o interior da lindíssima capela, até na própria cozinha.

Foi seu pnmeIro proprietário José Teixeira de Carvalho, fidalgo viseense do século XVIII, cujo neto, António Ernesto Teixeira de Carvalho, foi avô da Condessa de Prime, D. Maria da Glória Teixeira de Carvalho Sampaio Rocha Velho, casada em primeiras núpcias com Luís de Loureiro Queirós Cardoso do Couto Leitão, 1° Barão de Prime, e em segundas núpcias com José Porfírio de Almeida Rebelo, oficial do exército, fidalgo da Casa Real, 2° Barão e 1° Conde de Prime, cuja neta, D. Maria Glória Teixeira Rebelo é a actual proprietária da casa.

O salão de baile, todo revestido de damasco amarelo, decorado com termós e poltronas de estilo francês império, foi teatro de algumas das mais belas reuniões da sociedade de Viseu do século passado, entre outras da recepção que ali se realizou em 13 de Junho de 1894, por ocasião da visita a esta cidade de Sua Majestade a Rainha Senhora Dona Amélia.

Na sala de jantar, guarnecendo as paredes, há boas porcelanas, e por toda a casa apreciável mobiliário antigo.

Nos portões, de salientes volutas muito ornamentais, campeiam as armas de aliança da Baronesa de Prime e seu primeiro marido - Carvalho, Teixeira e Loureiro, sob o consagrado coronel de nobreza.

Já no século XVIII é a casa à esquina da calçada de S. Mateus e Rua Serpa Pinto - a antiga Casa dos Pais.

Tem sua história, história triste e sórdida afinal, esta casa de aparente nobreza e opulência.

O Pais apareceu um dia, em Viseu, a esmolar para um hospício de meninos pobres e desamparados e, dizendo-se peregrino à Terra Santa, teve artes com seu aspecto humilde e seráficas maneiras, de juntar quantioso cabedal. E, ou porque a cobiça o vencesse em certa altura ou porque nunca fossem outros seus propósitos, feito o hospício, chamou-lhe seu e instalou-se nele.

De pouco lhe serviu porque, amaldiçoado de quantos assim ludibriara, morreu pobre, e pobres e desonrados lhe acabaram os filhos e as filhas.

A casa, após sucessivas transferências, é de há poucos anos propriedade do Estado que nela tem instalada a Direcção das Estradas do Distrito.

Recomenda-se pela nobreza do seu aspecto exterior e pela decorativa e apalaçada escadariá do pátio da entrada, uma das mais grandiosas da cidade.

A Casa do Arco, assim chamada por demorar junto do arco ou antiga Porta dos Cavaleiros, uma das primitivas entradas do burgo medieval de Viseu, é o actual edifício da Escola Comercial e Industrial.

Em proporções muito mais diminutas pertenceu em princípios do século XVII a João do Amaral Coelho, capitão-mor de Viseu após a Restauração, com cuja filha, D. Eugénia do Amaral, casou Duarte Pacheco de Albuquerque Cardoso de Vilhegas. Foi este e seu filho Francisco de Albuquerque do Amaral Cardoso de Vilhegas que por sucessivas aquisições de prédios vizinhos deram à Casa do Arco a sua actual feição.

Progressivamente engrandecida pelos dotes e legítimas das senhoras a que por casamento se ligaram os sucessivos Albuquerques da Casa do Arco esta família atinge no século XVIII, com António de Albuquerque do Amaral Cardoso e sua mulher D. Ana Teles da Silva Caminha e Meneses (Penalva) opulências principescas, ainda mais acrescentadas com o casamento do filho, também António de Albuquerque, com a filha dos Viscondes do Amparo, D. Emília Augusta Barba Alardo de Lencastre.

Com uma riqueza, computada há mais de cem anos, para cima de 2 500 contos só em propriedade rústica, deu então fama e lustre a Viseu onde foi, pelo sangue e opulência, prazo-dado da melhor nobreza do reino.

O vício do jogo em que se lançaram os últimos fidalgos do Arco reduziu-a a presa fácil de todos os prestamistas e dissipou-a em poucos anos...

Do que foi o prédio, transformado já interiormente, restam a fachada, a escadaria nobre da entrada, algumas salas e o antigo salão de baile por onde passou a melhor nobreza da região, e em cujo tecto ainda hoje campeiam, lembrando a grandeza de seus antigos senhores, os brasões dos Vilhegas, Cardosos, Amarais e Albuquerques, a cuja linhagem pertenciam.

Não alongamos este capítulo com mais dilatadas referências, aliás indispensáveis num estudo completo das casas antigas de Viseu. Não obstante diremos que a casa da Prebenda que foi dos Lemos e Nápoles, a de Santa Cristina que pertenceu aos Abreus Magalhães, a do Serrado dos Melos e Alvelos, a dos Condes de Santa Eulália ao Chão do Mestre, a de S. Miguel dos Cardosos de Meneses, a Casa do Cruzeiro dos Serpes Melos, a dos Mendes ao Rossio, outros mais ainda, todas afirmam o viver social do Viseu de eras passadas e são testemunho da sua antiga nobreza.


Janelão da Casa dos Gomes de Abreu, da rua da Cadeia (séc. XVI)


Casa do Miradouro (séc. XVI)


Elegante portão da Casa do Cruzeiro, dos Serpes Melos (fim do séc. XVII)


Uma balaustrada da Casa de Marzovelos


Janela duma casa da Rua Direita (séc. XV)


Casa das Bocas


Casa de S. Miguel (séc. XVIII)


Palacete dos Mendes (séc. XIX)


Janela duma casa da Rua Nova (séc. XV)


A Casa do Largo de S. Sebastião


Casa da Rua Direita (séc. XVIII)


Casa do Cimo de Vila ou dos Primes


Escada do Pátio, da Casa dos Pais (séc. XIX)


Portão de entrada da Casa do Serrado (séc. XIX)


Casa do Arco (séc. XVIII)


A fachada do grandioso Hospital da Misericórdia magnífico empreendimento realizado no século passado, e no seu género um dos melhores e mais vastos edifícios do País


Pedra de Armas da Casa de Santa Cristina (Casa Amarela)
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