sábado, setembro 03, 2005

Viseu monumental e artístico (8/11)

por Alexandre Lucena e Vale
2ª edição, 1969
Junta Distrital de Viseu

VII - Igrejas e Capelas

DAS remotíssimas capelas de Viseu, referidas em velhos pergaminhos dos arquivos da cidade - S. Jorge da Cava, S. Luís da Ribeira, S. Martinho de Cimo de Vila, S. Domingos da Rua da Cadeia - umas desaparecram na voragem dos tempos, outras se chegaram até nós, como S. Miguel, anterior ao século VIII, foi apenas no nome, transformada de toda a traça primitiva.

Como o geral da Beira, em flagrante diferença com o Douro e o Minho, não conservou, Viseu, apesar do seu granito desafiar os séculos, a feição tão bela dos velhos templos românicos que primitivamente teria. O que existe mais antigo é tudo dos séculos XVII e XVIII, reformado ou construído então. Apenas, encorporado hoje na Quinta do Serrado e tornado de há muito casa de arrecadações, resta, mesmo atrás da Igreja do Carmo, uma pequena arca gratútica com seu humilde pórtico, que foi a antiquíssima e ignorada capelinha de Santo Amaro, de tempos imemoriais ali erguida em meio dos olivais de Santa Cristina.

Assim, esse modesto e antigo templozinho, com seu arco do velho românico primitivo, é o único documento, à parte a Sé, que Viseu possui do muito que deveria ter de tão recuadas eras.

Do século XVII, é a evocativa capela da Senhora da Vitória, que demorou largos séculos no topo sul do Rossio, e na recente modernização do local foi removida para o Parque da cidade.

Nada é nem vale arquitectonicamente, mas tem sua história, história ilustre que enobrece a história de Viseu.

Em 1385, acossados pelas hostes de Nuno Álvares, passaram por aqui, fugidos de Aljubarrota, troços dispersos do exército castelhano. Reunidos às portas da cidade, resolvem cevar nela, desamparada e sem defesa, a sanha do seu despeito. Acometem-na de golpe, e a ferro e fogo iniciam o saque. Refeitos da surpresa, reagem os de Viseu, e tomando a ofensiva não tardam a expulsá-los da cidade e a persegui-los depois de monte em monte até perdê-los de vista!

Em memória do feito e cumprimento de voto daquelas horas de luta, ergueram os de Viseu uma pequena capela à Senhora da Vitória.

Arruinou-a o tempo ou deixaram arruiná-la a incúria e a ingratidão dos homens, já esquecidos do aperto que a ermida memorava.

Mas nas andanças da história surge o período da dominação filipina. Então, a evocação sentida de horas mais felizes leva a reerigir a humilde capelinha. E em 1635, reinando Filipe IV de Espanha, um cónego da Sé, o padre António Cardoso de Almeida, ergue das cinzas o pequeno templo como lâmpada votiva da nossa esperança de ressurgimento e independência.

Um duplo significado tem, pois, a veneranda capelinha que, ainda hoje, com seu pórtico de colunas coríntias, seu pequeno nicho entre brasões heráldicos, seu campanário de uma só sineira, seu vetusto telhado de velha telha portuguesa de meia cana, seus elegantes e característicos obeliscos seiscentistas, põe no actual Parque da cidade, entre a ramagem frondosa das carvalhas seculares, uma nota de religiosa e evocativa ancianidade.

Das mais capelas e igrejas de Viseu, umas, se não valem pela sua traça, recomendam-se pelo pitoresco do local, como a da Via-Sacra, num dos mais belos miradouros da cidade; outras, como a da Misericórdia, a de Santo António, a do Carmo, a dos Terceiros são exemplares acabados da sua época, designadamente estas duas, da segunda metade do século XVIII, com a feição peculiar às construções nobres do seu tempo, na talha rica e dourada das tribunas, nas molduras fundas, com volutas, das suas portas e janelas, nas ornamentais precintas de azulejo que faustosamente as decoram.

Nos Terceiros é ainda de notar-se a sala do Capítulo, toda forrada de panos de Tunes e alfaiada com ricas peças de mobiliário do tempo.

Santo António, curiosa pelos painéis de azulejo que revestem todo o interior, conserva ainda seu primitivo aspecto conventual na velha grade de ferro, onde todavia não assoma, há mais dum século, o vulto branco das filhas de S. Bento.

Via-Sacra e S. Miguel, decerto de fábrica românica em sua origem, têm hoje apenas, perdido seu carácter primitivo, o ar ingénuo de paroquiais de aldeia, em meio do recolhimento do local em que demoram e onde são nota agradável de doce religiosidade.


A histórica capelinha da Vitória (séc. XVII) no Parque da cidade


Interior da Igreja dos Terceiros (séc. XVIII). Profusão de dourados na talha dos retábulos de mármore róseo e negro.


Um trecho do Largo de Sta. Cristina junto À Igreja do Carmo, na concordância das ruas D. Francisco Alexandre Lobo, Rua Formosa e Rua Silva Pereira, à hora matutina em que o movimento é nulo mas não embaraça o fotógrafo...


A curiosa capela de Nª Sª dos Remédios no Largo Pintor Gata
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