sábado, setembro 03, 2005

Viseu monumental e artístico (9/11)

por Alexandre Lucena e Vale
2ª edição, 1969
Junta Distrital de Viseu

VIII - Azulejaria Visiense

EIS um aspecto inédito da feição artística de Viseu. E, todavia, bastavam os largos panos de parede da sacristia da Sé, revestidos de alto a baixo de vasta composição de tapete bicolor dos fins do século XVI, para justificar o nome de Viseu no indispensável inventário desta espécie de cerâmica decorativa portuguesa.

É certo que não é rara a padronagem desse ladrilho, exemplo característico do tipo de maçaroca; mas o conjunto da composição, por suas proporções, pelo bem conservado do esmalte, pelo colorido da tinta de tons macios e harmoniosos, dá à vasta sacristia, que enriquece um nobre tecto de brutescos, um ambiente admirável.

Para mais são estes os azulejos mais antigos de Viseu, onde à parte um ou outro exemplar isolado, como os da colecção do Paço Episcopal que conta alguns de alicatado e de aresta provindos das ruínas dos conventos da diocese, nada há anterior ao século XVI. Das épocas seguintes, porém, sobretudo do século XVIII, existe em Viseu, em igrejas e casas particulares, copioso e valioso documentário. Desde os lindos lambris historiados da Sala do Capítulo na Sé, até os painéis monumentais da Igreja de Santo António, no Carmo, nos Terceiros, no claustro e capelas absidais da Catedral, no átrio e escadaria do Museu de Grão Vasco, tem Viseu belos exemplares desta arte tão portuguesa e tão bela.

Os da Igreja de Santo António, do antigo Convento das Freiras de S. Bento, revestindo quase totalmente as paredes interiores, constituem por suas proporções desmesuradas, o tipo acabado das grandes composições dos fins do século XVII e princípios do século XVIII, como são entre outros os das igrejas das Misericórdias de Estremoz e de Viana do Castelo.

Os da Casa do Capítulo da Sé, de razoável desenho e bem conservado formam largos painéis historiados que revestem em alizar cada uma das paredes, representando uns, conforme as legendas respectivas, Alexandre Magno, Caio Calígula e Tito Vespaziano, montando fogosos e insofridos cavalos, figurando os outros várias cenas de carácter profano, também sem qualquer relação com a sala que decoram. Todos os painéis, conforme o uso do tempo, são emoldurados em caprichosa cercadura com sátiras e albarradas floridas.

Os das capelas obsidais da Sé, apropriados, o baptismo e a barca de Tiberíades, são como os do claustro, estes alusivos à vida de S. Teotónio, de desenho imperfeito, e acham-se, devido à humidade, deteriorados e sem um ou outro ladrilho em mais de um ponto.

Os dos Terceiros, característicos da época pombalina (1750-1780) formando alto lambrim a todo o comprimento da igreja, são constituídos por centros historiados de painéis monocromos, alusivos à vida de S. Francisco, com decorativo emolduramento de estilo rocócó, cujos entablamentos, pilastras, conchados, albarrados e grinaldas de tons roxos, amarelos e verdes, se recortam artisticamente na cal branca da parede.

Os do Carmo, embora um pouco anteriores, são do mesmo tipo e de desenho semelhante aos dos Terceiros, ainda que melhor, mas são no conjunto muito menos graciosos por serem superiormente debruados por uma régua de madeira em vez de se recortarem artisticamente sobre o branco da parede. São da mesma época e da mesma origem certamente, os que revestem a sacristia, mas muito mais ornamentais por serem, como os dos Terceiros, recortados sobre a cal.

Mas a impor menção especial neste capítulo, avulta o palacete dos Condes de Prime ou Casa de Cimo de Vila, a qual, pelos que decoram toda a escadaria de entrada, os que formam a precinta da sala do gamão, os que revestem todo o interior da capela e enobrecem a própria cozinha, é exemplo bem típico desta espécie de decoração sumptuária da casa senhorial portuguesa dos séculos XVIII e XIX.

Os da escada, de tons roxo e sépia sobre fundo branco, figurando cenas de caça, como tapeçaria antiga, são pelo desenho, pelo vidrado do ladrilho, por toda a coloração pouco vulgar, raros e preciosos. Os da sala de gamão, correndo em fraldelim ao redor da parede, são tipo do azulejo dos interiores selectos do tempo com um azul de fina tonalidade e apurado desenho. Os da capela, revestindo-a de alto a baixo com painéis alusivos à vida de Santo António, são a todos os títulos apreciáveis e dão à nobre capelinha, talvez a mais sumptuosa de Viseu, um maior e mais justificado interesse.

Curiosa, porém, é a cozinha, uma cozinha conventual cujas paredes estão de alto a baixo cobertas desse gracioso ladrilho chamado de figura avulsa, de desenho solto ou motivo isolado, com um ou outro painel no rodapé.

É possível que muitos dos azulejos que deixamos referidos, dos séculos XVIII e XIX, sobretudo os dos Terceiros com a moldura polícroma, que os guarnece, sejam da Real Fábrica do Rato ou do afamado António de Oliveira Bernardes que foi neste tempo o mais laborioso pintor de azulejo. Mas sejam que não sejam, nenhuma dúvida resta de que o conjunto de Viseu, desde os da Sacristia da Sé à Casa dos Primes, merece bem o estudo pormenorizado e atento que não está naturalmente na feição deste trabalho.


Painel de azulejo do claustro da Sé - Episódio da vida de S. Teotónio


Sacristia da Sé - Sob o curioso tecto de brutescor, o revestimento azulejado dos fins do séc. XVI, princípio do séc. XVII


Outro episódio da vida de S. Teotónio


Painel de azulejo da capela absidal de S. João Baptista (séc. XVIII)


Pormenor do azulejo da Sacristia da Sé, século XVI para XVII


Azulejo da Igreja do antigo Convento das Freiras de S. Bento


Trecho do revestimento azulejado da Igreja do antigo Convento Beneditino


Painel de azulejo da Igreja dos Terceiros


Painel de azulejo da escadaria da Casa do Cimo de Vila


Outro painel da entrada da Casa do Cimo de Vila
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