domingo, maio 21, 2006

A Catedral de Viseu (4/9)

Separata da revista "Beira Alta", 1945

por Alexandre Lucena e Vale

D. Gonçalo Pinheiro (1553-1556), também como aquêle, nobre filho de algo, diplomado em cânones pela Universidade de Lisboa e doutor em teologia pela de Salamanca, humanista distinto que falava o grego, o latim e o hebraico, desembargador do Paço e embaixador em França, faz a obra das Escadas para o côro alto, dá comêço ao claustro superior, levanta no de baixo a Capela da Cruz, e lança os fundamentos do Paço dos Três Escalões (I).

D. Jorge de Ataíde, dos Condes da Castanheira, secretário efectivo do Concílio de Trento e emissário português a Roma, empreende a construção do grande bloco da sacristia actual e casas do tesouro que lhe são sobrepostas (II).

D. Nuno de Noronha (1586-1594) e Frei Antônio de Sousa (1595-1597), já nos começos do domínio castelhano, levam a cabo a obra monumental do Paço dos Bispos e Seminário, ou Paço dos Três Escalões (III), o nobre edifício que é sem dúvida, pela grandiosidade das suas proporções e pela severidade e discrição da sua traça, um dos mais curiosos exemplares da arquitectura seiscentista portuguesa (IV).

Mas já então era apenas nebulosa saüdade, o período esplendoroso da era manuelina. A estrêla da fortuna havia-se apagado nos areais de Alcácer, e a noite, a noite tenebrosa do domínio estrangeiro, adensara-se fechada e lúgubre sôbre a nação vencida. Não era pois de molde a novas obras tal período de abatimento. Os bispos de então compreenderam bem que as necessidades dos povos de Viseu e diocese estavam no momento acima de todos as mais materialidades, mesmo as consagradas à casa do Senhor.

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Ao declinar do primeiro quartel do século XVII, era tanta a miséria da cidade que o bispo Dom Frei Bernardino de Sena (1629-1632) com essa alma de franciscano que sempre manteve sob os esplendores da mitra, cede prodigamente aos pobres a totalidade dos rendimentos do bispado, reservando para si apenas o indispensável ao parco e modesto mantimento seu e de dois familiares (V). E, anos depois, em 1638, perante a exigência dum novo imposto do govêrno castelhano e as impossibilidades da cidade em satisfazê-lo, D. Diniz de Melo e Castro, já então o grande bemfeitor das Misericórdias de Viseu e Diocese, acode à Câmara no apêrto, pagando o imposto de seu bolso, no que fez à cidade grande mercê e esmola, como reza ainda hoje a própria acta da Câma¬ra de 1 de Janeiro de 1638 (VI).

Entretanto, como se a natureza bruta e cega quizera enegrecer ainda mais as tintas já pesadas do quadro doloroso do Viseu de então, a 18 de fevereiro de 1635, após dois dias de furiosa tempestade, à hora de completas, a tôrre dos sinos abre brecha, desiquilibra-se, desconjunta-se e desmorona trágica e ruidosamente no solo, arrastando na derrocada os primeiros tramos da abóbada e tôda a fachada ogival da reforma de D. Diogo Ortiz.

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Não vale a pena supor o que seria a desolação e abatimento dos nossos avós de então, perante o montão de destroços acumulados no Adro, nessa hora de tragédia que mais dramatizavam as circunstâncias difíceis da vida nacional, esmagados os ânimos sob o despotismo do domínio castelhano, perdidas para mais tôdas as esperanças de libertação, pelo abortamento e revindicta dos acontecimentos coevos do Manuelinho de Évora.

Talvez que nessa hora, como nos grandes lances lutuosos da história que pintam velhas crónicas, as mulheres arranhassem entre lágrimas e imprecações as formosuras de seus rostos, e os homens, abatidos, depenassem sem dó suas honradas barbas... Mas a vida é feita de contrastes e surprezas. E cinco anos depois, no dia 14 de dezembro de 1640, um postilhão, vindo do Pôrto à rédea sôlta, lançava em Viseu a nova da revolução triunfante e da feliz aclamação del-rei D. João IV.

Como sempre em outros casos da história, logo a feliz ocorrência teve o seu eco na Sé.

Lida a notícia em Câmara por D. António Botelho da Costa Homem, vereador mais velho e juíz pela Ordenação, logo a cidade em alvorôço deu largas ao seu contentamento, e, em meio de vivas e aclamações ao novo rei natural, se dirigiu à Sé a agradecer ao Senhor o já desesperado milagre da libertação da pátria..

E a despeito da ruína e da desolação do templo, de certo nunca êle pareceu mais grandioso e mais belo do que nessa hora de júbilo em que o Te Deum Laudamos do inspirado Lopes Morago ressoou solene e vibrante sob as arcadas da abóbada.

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Não nos prenderemos agora com a narrativa tentadora, documentada para mais nas actas oficiais da Câmara de Viseu, dos folgares de touros, mornos, canas e encamisadas com que a cidade festejou a seguir, durante dias, o feliz acontecimento da restauração nacional (VII).

Voltando à crónica das reformas operadas na Catedral de Viseu, diremos apenas que com o encetar do novo período histórico, desopressos os ânimos do pesadelo da dominação estrangeira, nem as incertezas, nem os cuidados, nem as exigências da guerra que se seguiu e demoradamente sustentámos, foram obstáculo ao restauro da parte desmoronada da Sé. Morto o bispo D. Miguel de Castro, sem bispos nos conservámos muitos anos, por motivo do conflito entre Portugal e a Espanha.

Foi por isso o Cabido da vacante que em tudo solicitamente providenciou, acudindo de pronto ao descalabro da frontaria e tôrre derruídas.

É dessa reedificação que nos vem a fachada actual, alçada nos moldes pesados e desgraciosos de então, sob o predomínio avassalador da recta que tudo invade e em tudo aparece, nos frontões clássicos, nos baldaquinos renascença, nos jane¬lões rectangulares, nos modilhões dóricos dos frisos e moldu¬ras. Despojaram-se as tôrres do encanto evocativo das ameias seculares, e impoz-se-lhes o modernismo atroz das balaustradas e zimbórios que mantéem ao presente.

Com esta obra infeliz e anacrónica perdeu a Sé toda a beleza exterior e o verdadeiro carácter de templo românico-ogival, que era o melhor título da sua nobreza antiga e o melhor ornamento da sua venustidade.

É já vezo obrigatório dos que historiam a Sé, invectivar neste ponto ao Cabido de então, condenando-o sem recurso como réu mandante do nefando crime, de que foi executor o arquitecto salamantino João Moreno. Não o faremos nós, que em nosso tempo, menos indouto de certo em preocupações artísticas, sobejamente aprendemos na lição diária dos nossos arquitectos e construtores actuais, quanto a sugestão da moda e a obsecação do moderno superam e vencem as melhores evidências da beleza eterna, impotente ela mesma para domar o gôsto sempre vário e inconstante dos homens. . .

Acresce que, ao invés do que acontecera com o gótico, o novo estilo no Renascimento ou lavor à romana, como se lhe chamava, ganha rapidamente todo o país, generaliza-se a tôdas as construções, enxertando-se mesmo, como em Viseu, na quási totalidade dos primitivos templos portugueses (VIII).

De mais, lamentando embora a inspiração infeliz que assim privou Viseu da sua melhor e mais valiosa jóia arquitectónica, há que reconhecer o acurado zelo dos pobres capitulares, que não contentes com reconstruir a fachada desmoronada havia cinco anos, ainda enobreceram o claustro superior com colunas e alpendres, levantaram a frontaria de varandas ou sacadas que olham para o Adro e reformaram as salas posteriores do antigo paço real ou Casas de S. Teotónio, empreendimento não menos notável da sua gerência activa e diligente (IX).

Com tais obras e as realizadas já sob o govêmo de D. João de Melo em 1673, no corpo da Capela Mor que foi grandemente ampliada e interna e externamente perdeu todo o seu carácter primitivo, fixa-se definitivamente a fisionomia arquitectónica da Sé, a sua feição actual, misto de estilos e sobreposições que vão desde o românico do Conde D.Henrique ao seiscentista do Cabido da Vacância.

Daqui vem que, observada de frente, a Sé de Viseu é pela fachada propriamente dita e pelos anexos que a emolduram - o Paço dos Três Escalões e o corpo de sacadas ou varandas do Claustro - um nobre e calmo conjunto arquitectónico harmonioso, homogénio, no estilo clássico renascentista do século XVII, de que o observador desprevenido não suspeita a antiguidade que, pelos materiais e fundações, de facto lhe pertence.

Na rectaguarda, sem dúvida a parte mais evocativa da Sé, com os seus absidíolos primitivos, coroados de merlões ponteagudos, a cornija de cachorrada correndo sob o eirado com ameias, as janelas românicas e ogivais assomando por entre os botaréus contrafortes, as varandas seiscentistas da casa capitular, de aristocráticos balaústres e grossos varões de ferro, debruçando-se sôbre a cidade e a paisagem em volta, tudo num aglomerado de linhas, arestas e volumes que emergem quási dramaticamento da mole gigantesca de granito - de pronto o estudioso menos experimentado reconhece na eloquência da pedra, a lição arquitectónica das transformações operadas em oito séculos de existência.

Só no interior, àparte as janelas rectangulares da reforma da vacância, é que o templo, duma aliciadora harmonia e austera sobriedade de linhas e proporções, mantém ainda hoje a sua feição primitiva românico-ogival, que deveria ser, sem as transformações exteriores, a sua legítima e íntegra fisionomia arquitectónica.

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Azado seria agora elucidar quem foram os mestres artífices das várias reconstruções que referimos, sobretudo da monumental obra da abóbada que em sua elegância e lavores não desmerece das suas melhores congéneres. Mas com excepção do referido João Moreno, arquitecto espanhol, natural de Salamanca, a quem se deve o risco e direcção do actual frontispício, e àparte diminuta intervenção que parece haverem tido os dois irmãos Castilho na pequena abóbada sob o côro alto, tudo mais se ignora.

E certo que já se aventou ser o próprio bispo D. Diogo Ortiz, o autor da preciosa abóbada dos nós que, pelo arrojo da construção e pulcritude das linhas, honraria de certo a memória do nobilíssimo prelado. Mas supomos haver mostrado já o nenhum fundamento da suposição, na biografia que dêste bispo escrevemos em 1934.

«Foi o ser D. Diogo cosmógrafo e astrólogo notável, e nessa qualidade haver pertencido à célebre Junta dos Matemáticos de D. João II, que induziu no êrro todos os que teem tratado do assunto. Ora além de que nem Barros nem nenhum dos nossos cronistas lhe atribuem outros conhecimentos que os de cosmógrafo, letrado, teólogo e orador sagrado, a verdade é que em parte nenhuma fora dos manuscritos de Botelho Pereira e do Padre Leonardo de Sousa, onde os mais escritores viseenses foram colher a informação, se inculca como tal o bispo de Viseu. De mais, se D. Diogo Ortiz de Vilhegas fôsse, na verdade, o arquitecto da abóbada da Sé, de certo não deixaria el-rei D. Manuel de lhe aproveitar os predicados, e o seu nome andaria então nas tradições e documentos da construção dos Jerónimos ou do Convento de Cristo de Tomar, ao lado dos grandes mestres dêsse tempo, como Boitaca e os Castilhos.

O douto Sousa Viterbo (X) ao tratar da sua estada em Viseu, onde segundo afirma, apenas teriam dirigido a abóbada baixa da entrada, sob o côro alto, nem sequer refere a hipótese da autoria do bispo Diogo Ortiz, não obstante a não poder ignorar, como é óbvio supor em autor de tão considerada lição.

Mais que tudo, porém, uma razão decisiva impede a conjectura da direcção técnica do bispo; durante todo o tempo da construçção, D. Diogo Ortiz reside em Lisboa, como familiar do Paço.

Assim, é afinal para os humildes e ignorados mesteirais da região de Viseu que vai verdadeiramente a glória dessa artística abóbada dos nós. Supomos vê-los, a êsses humildes cinzeladores do granito, anónimos alvenéis da Beira, de quem descendem em linha recta os grandes canteiros de Travanca, de Mouzelos, de Órgens, de Bodiosa, de todo o alfoz da cidade, na manhã festiva da sagração da Sé, endomingados em seus pelotes curtos de Bristol, seus borzeguins grosseiros de bezerro, suas gorras de lã, seus chapéus borganhezes, assistindo religiosamente à benção daquelas pedras que suas mãos calosas haviam pacientemente afeiçoado (XI).

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Arrumado assim o problema da autoria da abóbada, historiadas as reformas da Sé até a sua fisionomia actual, seria agora sazão de reatarmos o fio interrompido dos acontecimentos com projecção na Catedral no último período de três séculos.

Desde a vinda das relíquias de São Teotónio em tempos de D. João de Bragança, (1603) trasladadas do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra no dorso duma mula gualdrapada de veludo carmezim, e recebidas na Sé com solene pontifical, até os tempos modernos da visita da Rainha Senhora Dona Amélia, vinda a Viseu dos banhos de S. Pedro, quantos quadros ricos de colorido e interêsse não perpassam no momento em nosso espírito! É o episódio pitoresco das freiras de Pinhel, erguidas em rebeldia contra o seu provincial, e aparecidas aí de surprêsa certa manhã de agosto de 1710, processionalmente em duas filas, de cruz alçada, de pés descalços, vendados os rostos pelo negro véu do hábito, clamando em altas vozes a justiça do bispo diocesano. É essa cena dramática, impressionante, talvez única nos anais da Igreja portuguesa: um grande prelado e virtuosíssimo sacerdote, o bispo D. Júlio Francisco de Oliveira, malquistado com a cidade por um fútil caso sem relêvo, agravado ao diante pela sequência dos acontecimentos, toma a resolução de se penitenciar em público; então - ¬versado o assunto na homília do dia - solene, revestido de pontifical, posta-se de joelhos bruscamente, confessa chorando a parte que lhe tocava nos agravos recíprocos e pede perdão a todos das culpas que nos acontecimentos lhe cabiam. São as festas da chegada e entronização dos bispos diocesanos, dos aniversários de Reis, das grandes comemorações nacionais.

É já no século passado, a entrada tumultuária dos franceses de Massena na Sé silenciosa e deserta como tôda a cidade abandonada; é, pouco depois, a transformação dos claustros e do próprio Paço .dós Bispos em hospital de guerra anglo-luso ; são, mais adiante, as solenidades oficiais pela aclamação de D. Miguel, pela vitória de D. Pedro IV; são as exéquias por alma de D. Carlota Joaquina, por alma de D. Maria II depois, com a respectiva mutação dos dois cenários humanos!

Mas não nos deteremos agora no debuxo das cenas que nos tentam das sombras aliciadoras do passado.

Baste-nos reconhecer que a par da Sé, a grande fábrica granítica que interessa ao arquitecto, ao artista, ao arqueólogo, uma outra existe, talvez mais grandiosa, que é para o nosso sentido evocativo um grande livro aberto, em cujas folhas cada pedra, emugrecida da moira funda dos séculos, nos conta a história de Viseu, a sua vida, as vicissitudes próprias e alheias, a sua comparticipação nos grandes e gerais acontecimentos da vida nacional. São séculos de história que estão nela como em escrínio precioso, sempre pronto a revelar a quem o quizer abrir, muito do que por ali passou, ocorreu, ficou jndelevelmente gravado no próprio granito do templo.

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Acima porém do seu interêsse artístico e histórico, a Sé tem um maior e mais alto valor espiritual.

Não nos referimos agora ao que para a doutrina e consciência católicas nela existe de divino na assistência eucarística de Jesus Sacramentado, na benção que a cobriu na sua consagração e nela desce a tôda a hora à invocação de cada missa.

Fora de tôda a atitude confessional, consideramos apenas o grande oceano das almas que desde há oito séculos por ali passam em romagem de emoção, na doce tranqüilidade dos dias calmos e na febril inquietitude das horas ansiosas, na resignação das grandes dores aceitas, na revolta incontida das duras adversidades, na aleluia interior das grandes satisfações.

Alegrias, tristezas, preocupações, tentações, dúvidas, confiança, ansiedade, - tudo quanto a alma humana pode sentir, aspirar, viver - sejam as insatisfações de Fausto ou os remorsos de Caím, as místicas aspirações de Santa Tereza ou a crença ingénua das crianças - tudo que é inerente à condição do homem, tudo quanto de implacável e de incompreensível existe no seu destino, tudo ali vive, palpita, adeja, impregnando o ambiente, adensando-se nos lavores da pedra, na talha dos altares, no corpo das imagens, no vago da penumbra, colado, inscrustado na própria substância material do templo, tornado a sua alma, a alma da Catedral!

Mudou a Sé, nos séculos, a sua fisionomia arquitectónica; passou por ela a história, sempre vária e nova. . . Uma coisa, porém, ficou e se mantém imutável: essa mesma alma, somatório das almas que por ali passaram, das almas de todos os tempos, afinal sempre as mesmas perante o mistério da vida, as mesmas na fragilidade da condição humana, as mesmas na ânsia dum abrigo às tempestades do mundo, as mesmas nas aspirações de infinito e de verdade!

Não foi em vão por isso, que os primeiros cabouqueiros da velha Sé românica, lhe moldaram a traça na Cruz do Salvador!


Viseu - Dezembro - 1944.


NOTAS
(I)Botelho-Diálogo V – Cap.8; Leonardo de Sousa - Vol. II pág. 359¬ verso.

(II) Botelho - Diálogo V – Cap. 11; L. de Sousa – Vol. II.

(III) Botelho-Diálogo V – Cap. 13 e 14; Leon. de Sousa – Vol. II..

(IV) A Seminário e Paço dos Bispos serviu sempre o edifício até 1810, data em que, por motivo das invasões francesas, o Bispo D. Francisco Monteiro de Azevedo cedeu generosamente a parte ocupada pelo Paço para hospital militar anglo-luso, indo aposentar-se em Fontelo, antiquíssima quinta da mitra viseense. Terminada a guerra em 1814, não podem os bispos, pelo estado deplorável em que a tropa deixa o edifício, regressar de pronto à sua antiga e secular habitação pelo que apenas lá continua o Seminário, a Câmara Eclesiástica, o Juízo, Cartório e Arquivo Ecleseásticos.

Em 1824, por contrato celebrado entre o bispo D. Francisco Alexandre Lobo, a antiga Congregação do Oratório ou dos Néris, passa a Casa dêstes religiosos em Santa Cristina à posse do mesmo bispo, que para ela transfere o Seminário, por melhor cómodo de instalação e por projectar obras de restauro geral no antigo Paço e Seminário do Adro. Entretanto, com a vitória liberal em 1834, o edifício do novo Seminário em Santa Cristina, como obra que era do Prelado miguelista então expatriado, é vítima do espírito de represália dos liberais vencedores, e, como se fôra ainda casa da Congregação do Oratório e não propriedade da Mitra como de facto já era, é abrangida no arrolamento dos bens dos conventos extintos, pelo que o Seminário é retirado dali, e se instalam lá os mais variados serviços públicos como quartéis, tribunal, e até um teatro.

Mas, logo adiante, em 1841, um incêndio devorou o edifício pelo que, desalojados os vários serviços públicos que nêle se aposentavam, lançou-se mão por força das circunstâncias e na ausência do prelado exilado, da parte desocupada do edifício do Paço dos Bispos e Seminário da Sé, iniciando-se então ali a inatalação dos vários serviços públicos, como quartel, Tribunal, Correios, Câmara, repartição de Finanças, delegacia do Tesouro, Obras Públicas, - que tudo isto por lá passou e demorou dilatados anos - além das diversas repartições eclesiásticas que nunca de lá haviam saído!

Todavia e por esse facto, até 1910 os bispos recebem renda do edifício, e por ocasião das respectivas entronizações, ao entrarem na diocese, tomam posse dêle, entrando nas partes ocupadas pelos vários serviços, abrindo e fechando as portas em acto oficial acompanhados das autoridades civis e eclesiásticas locais. Entretanto, em 1849, reentregue já à Mitra pelo Governo de Costa Cabral o edifício dos Néris, o bispo D. António Alves Martins. interessado em afastar do convívio dos seminaristas os alunos que no seminário faziam preparatórios para a Universidade, propõe ao Govêrno a criação dum liceu em Viseu, pondo para tanto à disposição do mesmo Govêrno e mediante a renda de 60.000 anuais, a parte do edifício do Paço dos Bispos, ao Adro, desocupada então pela saída da Câmara, do Quartel, etc. Ficam então a funcionar no edifício, além do Liceu, outros serviços públicos e eclesiásticos que aí se manteem até 1911 data em que, por fôrça da Lei de Separação, o edifício é arrolado, em 12 de Março de 1912 com o número 302 do lnventário dos Bens da Mitra nos seguintes termos:

«O Edifício constituído pelo Colégio contíguo à Sé Catedral de Viseu, com lojas e sobrelojas e dois andares em que se acham instalados o Governo Civil, o Liceu, e outras Repartições.»

Em 1922, com a saída do Liceu para o antigo edifício do Colégio do Sacré Coeur, instalou-se em parte do 2º andar o Museu de Grão Vaco, que veio a ocupar depois as partes deixadas pelo Banco de Portugal, Direcção de Obras Públicas, Governo Civil, ou seja a totalidade do edifício, com excepção duma pequena parte onde se acha instalada ainda a Biblioteca Municipal, e dos baixos ou rés do chão recentemente vagos pela saída da Polícia de Segurança Pública.

(V) Portugal Antigo e Moderno - Vol. XII - pág. 1620.
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(VI) ... «e eram informados que o ilustrissimo senhor bispo dom denis de mello e de castro queria pagar o preço em que a ditta renda costumava arcadar-se e isto por suas rendas por fazer esmola a esta cidade e os moradores dela e seu termo que costumauam contrebuir pera este tributo por serem muito pobres e estar esta terra em muita necessidade e por o ditto senhor pedir a eles ofeciais uissem nisto a eles lhe parecia bem ser asi e o agradeciam em seu nome e do pouo a merce e esmola que o ditto senhor lhes fazia...».

Liuro da Camara do ano de 1637 - caderno ms. sem portada nem capas, de fevereiro de 1637 a 13 de janeiro de 638 - no Arquivo velho da Câm. Municip. de Viseu - Acta de 13 de janeiro de 638.

(VII) Livro da Câmara de 1640 - acta de 14 de Dezembro de 1640.

(VIII) Virgilio Correia – A Arquitectura em Portugal no século XVI – pág. 10 e seguintes.

(IX) Oliveira Berardo – Liberal – 13 de Junho - 1857.

(X) Diccionário dos Arquitectos - verb. Castilho (João de) pág. 183.

(XI) Lucena e Vale - D. Diogo Ortiz - O cosmógrafo D. João II, pág. 188.
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