quinta-feira, junho 15, 2006

A Catedral de Viseu (9/9)

Separata da revista "Beira Alta", 1945

NOTAS FINAIS

por Alexandre Lucena e Vale

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UM RETRATO DE D. DIOGO ORTIZ ?

Esta fotografia é reprodução duma gravura do precioso códice da Biblioteca Municipal de Viseu que tem o nº 1858, um quase inconábulo, impresso em explêndido tipo gótico, em a muy nobre çidade de Lisboa, per Valeti Fernandes alemã e Johã pedro boõ homini de cremona aos XX dias de Julho Era de mil quinhentos e quatro annos, com o seguinte título: Cathecismo / pequeno da doutrina e instruição que os cristãos hãm / de creer o obrar para conseguir a benaventurança eterna / feito e copilado pello reverendíssimo señor dom Diogo / Ortiz bispo de cepta. Empremido com privilegio del Rey / nosso señor.

Quando em 1934 publicámos a biografia dêste notável prelado, notámos, supomos que pela primeira vez, serem idênticas a estampa dêste Catecismo Pequeno de D. Diogo 0rtiz e a da Gramática de Estevam Cavaleiro, de 1516, reproduzida na História da Literatura Portuguesa Ilustrada, Vol. I pág. 74 e no Instituto, número do centenário da Universidade, onde numa e noutra das publicações referidas vem acompanhada da seguinte legenda: «Professor Universitário com as insígnias doutorais» tendo apenas diferente os dizeres da fita ou pergaminho que, desenrolado, o anjo sustenta nas mãos.

Dissemos então que sendo a Gramática de Estevam Cavaleiro, de 1516, ou seja doze anos posterior ao Cathecismo de 1504, nenhuma dúvida poderia haver de que a figura nela contida deveria representar não um professor universitário, mas indiscutivelmente um bispo, presumivelmente o próprio D. Diogo Ortiz de Vilhegas.

Com um bispo a identificaram António Joaquim Anselmo em 1926 na Bibliografia das Obras Impressas em Portugal no século XVI e Inocêncio no Dicionário Bibliográfico.

O ilustre Director do Arquivo da Universidade de Coimbra. dr. Rocha Madahil, em carta que nos escrevia por volta de 1939, preferia ver na indumentária da figura mais a dum lente do que a dum bispo, acrescentando que o problema, sem dúvida curioso, só poderia ter solução capaz pelo exame pormenorizado das estampas do tempo, das nacionais e das provenientes do estrangeiro, donde julgava ser esta do Cathecismo de D. Diogo Ortiz.

O Professor Ernesto Soares, autor do inestimável estudo sôbre A gravura artística em Portugal, em correspondência que trocámos ao entrar no prelo o 2º volume do seu exaustivo trabalho ao mesmo tempo que nos reconhecia tôda a razão no levantar do problema, prometia de oportunamente dêle se ocupar com o interêsse que merecia.

Não podemos de momento averiguar se o problema por nós posto teve já ou não novo esclarecimento.

Daí a interrogativa da legenda que acompanha o suposto retrato do célebre prelado de Viseu e cosmógrafo de D. João II.

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D. MIGUEL DA SILVA

É dum opúsculo que sôbre êste notável prelado de Viseu, publicou em 1935 o conhecido lusófilo Guido Batelli, de parceria com o falecido escritor e diplomata português dr. Trindade Coelho, a fotografia do fresco de Villa Farnese.

Qual dos quatro cardiais que nela figuram é o célebre bispo de Viseu?

A identificação não seria difícil se um outro retrato do mesmo prelado, revelado por Maximiano Aragão em 1928, não houvesse perecido no incêndio que há anos destruiu parte da claustra beneditina de Santo Tirso, onde aquele saudoso investigador o vira em 1894. Ainda assim, afigura-se-nos ser a verdadeira identificação a que fazemos na respectiva legenda.

Contando da esquerda para a direita e do primeiro para o segundo plano, como é regra consagrada, D. Miguel da Silva vem na verdade a ser o que se apresenta à frente e à mão direita do observador.

Acresce que a despeito da enganadora semelhança que aparentam, de relance, as figuras do conjunto - encanecidos anciãos da côrte pontifícia, decorados com a mesma barba veneranda, revestidos das mesmas vestes prelatícias, cobertos com o mesmo canónico barrete - há na particular fisionomia de cada um, o traço inconfundível das almas naturalmente diferentes.

Federigo Zuccari, que os pintou, não era artista somenos. Pincel eminente do seu tempo não só em Florença e Roma, mas na Flandres, Holanda, Inglaterra e Espanha, coube-lhe a honra insígne de acabar algumas das obras incompletas de Miguel Angelo, e de ser, por votação unânime de seus confrades, o primeiro presidente da Academia de São Lucas.

De pintor de tão geral consagração é de supor portanto que soubesse imprimir às tintas da sua paleta de artista o tom psicológico dos cardeais retratados.

Isso nos induz a porfiar na hipótese de ser o Cardinale Viseo o da extrema direita.

Há no todo dessa figura, de cenho carregado, olhar enérgico, nariz grande de voluntarioso, um não sei quê que se casa à maravilha com o que a história nos diz do seu carácter forte e opiniatilo. Sôbre isso, toda essa fisionomia respira aquela austera nobreza e magestático aspeito que de comum revestem o grave semblante dos nossos históricos vultos de quinhentos - os Gamas, os Cabrais, os Albuquerques.

Mais do que as de nenhum outro, se nos afiguram bem portuguesas as feições altivas mas francas que formam essa máscara, todavia tocada de viril espiritualidade, de inteligência e direitura moral. No seu ar alevantado, de heril, de grand seigneur, não falta aquela distinção acolhedora e benevolente que o impoz à admiração e apreço da alta sociedade romana do seu tempo.

Acima de tudo porém, no seu olhar altivo e enérgico, mais de general do que de sacerdote, perpassa aquela vontade indomável que se não dobrou às próprias ameaças do seu Rei, e ousou escrever na hora critica do mais aceso da luta, aquelas palavras lendárias ou históricas, que são todavia a expressão do seu carácter: «Não quero».

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ESFRAGÍSTICA VISEENSE

Dos quatro sinetes da gravura um é o conhecido selo do bispo D. Diogo Ortiz de Vilhegas, constituído pelas armas direitas dos Ortizes e a célebre legenda

SGLVDIDACI EPISCOPI VISENSIS

Dizemos célebre porque erradamente lida pelos antigos investigadores ou curiosos de Viseu, levou-os a intercalar disparatadamente na série dos prelados diocesanos um suposto Soludidácio que nunca existira senão na sua indouta imaginação.

O dislate, como é sabido, foi denunciado pelo dr. Maximiano Aragão que, identificando o suposto O com o G que na verdade era, poude ler dêste modo o que afinal muito simplesmente lá estava: Sglu (abreviatura de sigilum) separado do substantivo próprio Didaci, ou seja - Selo de Diogo Bispo de Viseu.

Os restantes sêlos foram encontrados e desenhados pelo douto investigador dr. Manuel Alvelos, incansável estudioso do velho arquivo do Cabido de Viseu.

RESENHA DAS OBRAS DA SÉ

A tábua de efemérides das transformações da Sé(in A Catedral de Viseu (5/9) foi organizada sobre as notícias dos escritores viseenses indicados no texto e designadamente: Botelho Pereira, Leonardo de Sousa, Oliveira Berardo, Francisco Manuel Correia e Maximiano Aragão.

CAPELA DO SANTÍSSIMO

Já depois de composto o presente trabalho, se procedeu à remoção do respectivo retábulo, pondo-se a descoberto a parede respectiva na qual na verdade se acha ao centro praticada uma porta ogival de comunicação entre o transepto e a Capela de D. João Vicente ou do Calvário.
A desnudação da parede revelou ainda outros curiosos pormenores de construção e arquitectura cujo exame porém já não cabe nas ensanchas desta nota.
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