sábado, junho 24, 2006

Imagens de Viseu (19/20)

por F. de Almeida Moreira, 1937

XVIII - O «Calvário» e as Mãos da Virgem




Da série notabilíssima dos quadros de Vasco Fernandes é êste, sem dúvida, como composição e sentimento dramático, o mais impressionante de todos.

José de Figueiredo, num artigo sôbre pintura primitiva portuguêsa publicado na Lusitania diz:

«Vasco Fernandes, tem, no Calvário do Museu de Viseu, uma das mais belas páginas decorativas que conhecemos do seu tempo».

Assim é, com efeito.

No grande retábulo, que não contando a predéla, é quadrado, medindo quási dois metros e meio de lado, estão representadas 25 personagens, numa admirável distribuição e composição, sem se amontoarem, e sem se prejudicarem umas às outras, antes, tirando-se o máximo efeito decorativo dos diversos agrupamentos.

Uma emoção inenarrável sugere a contemplação dêste quadro, desde a figura de Cristo, inerte na Cruz, até ao grupo das Santas Mulheres que rodeiam a Virgem.

Nunca vi representada uma atitude de mãos, como as desta Virgem, que melhor traduzisse a dôr e a resignação, o desfalecimento e a amargura !

M.me Marguerite de Meignen, a ilustre Presidente da Schola Cantorum de Nantes, a quem se deve a reprodução dêste famoso retábulo na capa do programa dos concertos realizados em Nantes em 1924, e dirigidos, ao tempo, pelo grande e saudoso músico português Francisco de Lacerda - pour faire un hommage à ce celébre artiste et à son Pays - como ela gentilmente me dizia ao pedir-me a reprodução do «Calvário» , acrescentava entusiasmada, depois de a ter recebido:
«Oui! ce «Calvaire» est admirable! quelque chose me frappe particuliérement ! L 'expression « douloureuse» des mains de la Vierge, que je trouve extraordinaire ! »

A expressão dolorosa das mãos da Virgem e a expressão resignada da figura de Cristo atingem, nêste quadro, a expressão máxima do sentimento dramático.

Mas, são ainda dignas de nota:

A figura de Longuinhos, montado num cavalo banco, estupefacto perante o milagre que em si mesmo acabava de dar-se; o grupo dos fariseus dividindo a túnica de Cristo, mostrando bem a avidez e a ansiedade da partilha; a figura do Centurião no primeiro plano, com o seu manto vermelho, de magníficos panejamentos; a figura vestida com uma túnica amarela - côr de limão - que bebe sôfregamente por uma cabaça, como que alheio à tragédia que se passa em sua volta, e por fim, à direita e ao fundo, a figura de Judas enforcado num ramo de figueira.
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