sábado, junho 17, 2006

Imagens de Viseu (7/20)

por F. de Almeida Moreira, 1937

VI - O ANTIGO PAÇO DE FONTÊLO




A CASA DE FONTÊLO, que durante tantos séculos foi habitação dos bispos de Vis eu, não tem, em si, o menor interêsse arquitectónico.

Nem o mais leve vestígio artístico nela se descortina!

Já não pode, porém, dizer-se o mesmo quanto ao seu interesse histórico, não só porque ao Paço de Fontêlo está ligado o nome de alguns dos mais notáveis bispos de Viseu, que ali viveram e morreram, mas também porque - já depois de implantada a República- deixando de ser residência dos bispos para se transformar em presídio militar, nêle esteve prisioneiro, durante alguns mêses do ano de 1917, para responder em conselho de guerra, o malogrado comandante Machado dos Santos.

Desde os meados do séc. XII, em que o bispo D. Odório, com prévio consentimento do Cabido, comprou a quinta de Fontêlo, que ela se torna residência dos bispos de Viseu, com pequenas intermitências, até 1720, voltando a sê-lo, definitivamente, depois de 1810 até 1911.

Os bispos que maior interêsse mostraram por Fontêlo, quer fazendo-lhe obras, quer adquirindo terras para ampliar a quinta e a mata, foram: D. João Homem e D. Garcia de Menezes, no séc. xv; e o Cardial D. Miguel da Silva, D. Gonçalo Pinheiro e D. Jorge de Ataíde, no séc. XVI.

D. João Homem (1392-1426), foi quem iniciou as obras do Paço que, naturalmente, até essa data seria uma modesta habitação, tendo também adquirido terras para ampliação da quinta (1).
D. Garcia de Menezes, seu sucessor (1426-1430), continuou essas obras e fundou a capela junto do Paço, cuja invocação era Santa Marta (2).

Mais tarde o erudito bispo D. Miguel da Silva (1527-1547), formado em Roma a expensas de D. Manuel, de quem era afilhado, volta a sua atenção para Fontêlo e manda erigir na mata a Capela do Senhor Morto, tendo também adquirido mais terras.

A seguir, o Bispo D. Gonçalo Pinheiro (1553-1566), outro erudito humanista e formado em teologia pela universidade de Salamanca, que também tem o seu nome ilustre ligado a obras feitas na Catedral de Viseu (3), edificou na mata de Fontêlo a capela de s: Jerónimo, que oferece a curiosidade de ter uma inscrição em grego na guarnição do portal, e mandou fazer o pórtico da entrada da actual carreira, que dá acesso ao Paço, tendo gravado na torsa uma inscrição em latim, cuja tradução quere dizer:

« GONÇALO PINHEIRO, BISPO DO POVO, MANDOU
CONSTRUIR ESTES PÓRTICOS COM O SINAL INDI-
CATIVO DA NOSSA SALVAÇÃO PARA HOSPÍCIO E
BENEFÍCIO DOS POBRES E PARA SEUS USOS,
NO ANO 1565 »

Nesta inscrição se faz referência a outro pórtico (o que dá passagem par.a o páteo, que é em ogiva e tem a um lado as armas de D. Gonçalo Pinheiro e, ao outro, as doutro bispo para nós desconhecido, mas que possivelmente será D. Luiz Coutinho) e, bem assim, se faz referência ao hospício, em que o bondoso e erudito antístite pensou transformar Fontêlo, o que não chegou a levar a efeito por ter falecido pouco tempo depois.

Finalmente, nos fins do séc. XVI, é o bispo D. Jorge de Ataíde, que, tendo feito a sacristia da Sé de Viseu, também faz importantes obras em Fontêlo.

***

Em 1810, por ocasião da invasão francêsa do comando de Massêna, o edifício do Colégio, já então residência dos bispos, foi ocupado pelas tropas inglêsas que ali instalaram o seu hospital de sangue, voltando Fontêlo, desde então, a ser novamente e definitivamente a residência dos prelados viseenses. Hoje o Paço de Fontêlo, muito mal aproveitado, está adaptado a casa de reclusão; e a Mata, actualmente numa orientação errada de destruição e de péssimo gôsto, invadida pelo cimento armado, vai perdendo todo o seu antigo encanto !...


(1) O Bispo D. João Homem, sendo grande amigo do Mestre de Aviz, foi Padrinho do Infante D. Henrique, 1.° Duque de Viseu.

(2) No Paço de Fontêlo, alem do quadro a Ceia, (um tríptico), dos muitos atribuidos a Grão Vasco, mas que deve ser da mão de Gaspar Vaz, havia um outro quadro representando «Jesus em casa de Marta» que, sem dúvida, ornamentou o altar principal desta capela (a primitiva, que não a actual, já profanada). Ambos estes quadros foram encorporados no Museu de Grão Vasco, estando o primeiro já restaurado, e o segundo em acabamento na oficina de reparações.

(3) Além da capela Tertia, no daustro, que destinava para a sua capela tumular, mandou construir a escada que dá acesso ao côro alto. Tanto na capela como na abóbada do patamar da escada se vê o seu brasão.
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