domingo, setembro 25, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (9/9)

RELATÓRIO ENVIADO PELO DR. JOÃO COUTO AO EXMO. SENHOR DIRECTOR GERAL DO ENSINO SUPERIOR E DAS BELAS-ARTES

Tenho a honra de mandar a V. Ex.ª um relatório sumário acerca daquilo que se passou na 1ª Reunião dos Conservadores dos Museus, Palácios e Monumentos Nacionais. Este trabalho será completado - 1°/com a leitura da fita na qual se gravaram os debates. 2º/Com as sugestões finais que estão a ser redigidas por uma Comissão para esse fim nomeada.

Por iniciativa do Dr. Russell Cortez teve lugar em Viseu nos dias 21, 22 e 23 de Setembro de 1960, a primeira reunião dos Conservadores dos Museus, Palácios e Monumentos Nacionais.

Vossa Excelência dignou-se, em representação de S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, presidir à sessão de abertura. Foi um encantamento para todos que tomaram parte na reunião ouvir as palavras da situação do problema, de estímulo e de entusiasmo proferidas nessa altura.

A alocução de V. Ex.ª conseguiu dar ordenação e o incitamento com que, após ela, os trabalhos decorreram.

O Dr. Russell Cortez congratulou-se com a autorização que lhe fora dada para que a primeira reunião tivesse lugar no Museu de Grão Vasco e lembrou que a sua ideia tinha por base a palestra que o signatário havia lido no Museu de Bragança, no ano de 1941, sob o título «Congresso e Conferências do Pessoal Superior dos Museus de Artes.

Durante os dias da reunião, tiveram lugar, além das sessões de abertura e de encerramento, quatro reuniões de trabalho às quais presidiram sucessivamente, por minha indicação, o signatário, o Director do Museu Soares dos Reis, do Porto, o Director do Museu Nacional dos Coches, de Lisboa e o Director do Museu de Aveiro.

O Temário das reuniões abrangia os seguintes assuntos:

1º - Extensão escolar dos Museus,
2º - O Director do Museu e a defesa do património artístico Nacional,
3º - O restauro de obras de arte dos Museus da Província,
4º - Fundo de apetrechamento dos Museus.

Como V. Exª, Senhor Director Geral, me havia generosamente confiado, antes da sua partida para Lisboa, a direcção dos trabalhos do colóquio, pareceu-me vantajoso que em cada uma das reuniões previstas se debatesse um assunto do Temário.

Todos os presentes concordaram com esta minha proposta e os trabalhos prosseguiram da forma que passo a explicar.

Antes porém vou dizer quais eram os Museus representados na reunião: O Museu de Lisboa, pelo seu Director (Dr. João Couto), por dois Conservadores (D. Maria José de Mendonça e o Pintor Abel de Moum) , por uma conservadora estagiária (D. Glória Guerreiro) e pela chefe do Serviço de extensão escolar (D. Madalena Cabral); o Museu do Porto pelo seu Director (Dr. Manuel de Figueiredo), uma conservadora (D. Clementina Quaresma) e dois conservadores ajudantes (Srs. p.e Xavier Coutinho e Dr. Manuel Rosas); o Museu dos Coches pelo seu Director (Sr. A. Cardoso Pinto); o Museu de Viseu, o Museu de Lamego, o Museu de A veiro, o Museu de Guimarães e o Museu de Angra do Heroísmo pelos respectivos Directores Dr. Russell Cortez, Dr. Montenegro Flórido, Dr. António Manuel Gonçalves, D. Maria Emilia Amaral Teixeira e Dr. Baptista de Lima).

Participaram ainda na reunião dois conservadores adjuntos dos Museus (D. Maria Alice Beaumont e Dr. Carlos de Azevedo) e assistiu à reunião de abertura o Director do Museu do Caramulo (Dr. João de Lacerda).

Estiveram presentes a parte dos trabalhos o Presidente da Fundação C. Gulbenkian (Dr. José Azeredo Perdigão) que se fez acompanhar de duas conservadoras do seu Museu (D. Maria Teresa de Andrade e Sousa Gomes Ferreira e D. Maria Helena Maia e MeIo) e, na sessão de encerramento compareceu, facto que grande júbilo suscitou no auditório, o Director dos Serviços do Património Artístico do Brasil, Dr. Rodrigo de Melo Franco de Andrade que se fez acompanhar do arquitecto dos mesmos serviços, Sr. Paulo Barreto.

Retomemos a sucinta descrição dos debates.

Primeira sessão de trabalhos (tarde do dia 21)

Presidiu o Dr. João Couto.

Logo no início da reunião o Dr. Azeredo Perdigão, em nome da Fundação Gulbenkian a que preside, e o Dr. Carlos de Azevedo, em nome dos Serviços do Plano Fullbright, dos quais é Secretário, manifestaram o seu desejo de colaborar e de auxiliar as iniciativas que necessitassem de estímulo e ajuda material. O Dr. Azeredo Perdigão disse que a Fundação Gulbenkian não pretendia de forma alguma sobrepor-se aos serviços do Estado quando estes já estivessem criados e em funcionamento. O seu intuito era ajudar as iniciativas que fossem reconhecidas proveitosas. Antes de se passar a discutir o primeiro assunto do Temário: «Extensão escolar dos museus», o Sr. Cardoso Pinto referiu-se à morte do Dr. Pereira Dias, antigo Director Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes e vogal do Instituto de Alta Cultura e fez o seu elogio. O Signatário gostosamente se associou ao voto de sentimento proposto.

Ainda no uso da palavra, o Dr. João Couto apresentou o trabalho da sua colaboradora Madalena Cabral e explicou o que, em matéria de extensão escolar tem sido feito no Museu de Arte Antiga. Outro tanto fez o Dr. Russell Cortez em relação ao Museu de Viseu. Discutiu-se largamente o problema do voluntariado na extensão escolar. O Dr. Carlos de Azevedo tratou da matéria tal como se pratica nos Museus americanos e perguntou se se deveriam adoptar regras gerais aplicáveis a todos os Museus ou se cada um devia continuar com o serviço tal como o imaginou e pôs em prática.

Julga porém que se deveriam estimular todos os museus que não tivessem este serviço organizado. A Sra. D. Maria José de Mendonça falou largamente do serviço de extensão escolar do Museu de Brooklin e também do voluntariado tal como ali é concebido. O Dr. Azeredo Perdigão referiu-se aos serviços educativos da Fundação que dirige pondo sobretudo em relevo os resultados das Bibliotecas Itinerantes. A este propósito foi apreciada a falta de livros de arte para as crianças, julgando todos os assistentes que se devia estimular uma campanha no sentido de interessar os escritores e os editores em tão útil finalidade. A Sra. D. Maria José de Mendonça propôs que em cada Museu houvesse uma sala destinada às crianças tal como aquela que já hoje, em embrião, funciona no Museu de Arte Antiga, sob a direcção da Sra. D. Madalena Cabral. Parece-lhe também útil que junto dessa sala houvesse um pequeno museu para as crianças com objectos que elas pudessem manusear.

O assunto foi aceite por todos os circunstantes e o Dr. Carlos de Azevedo sugeriu que ele desse o tema e uma das sugestões finais deste debate.

Segunda sessão de trabalhos (manhã do dia 22)

Presidiu o Dr. Manuel de Figueiredo e o Dr. João Couto apresentou o resumo da sessão anterior.

O Dr. Manuel de Figueiredo que não tinha assistido aos trabaJhos do dia anterior, começou por explicar o que no Museu Nacional de Soares dos Reis se tinha feito em matéria de extensão escolar. Falou em seguida da ampliação do Museu Soares dos Reis e do teatro de verdura, que com dinheiro dado pela Fundação Gulbenkian tenciona construir nos Jardins do Museu. Associou-se ao voto de sentimento pelo falecimento do Professor Pereira Dias e felicitou o Dr. Russell Cortez pela sua iniciativa.

O Dr. A. Gonçalves, inscrito com uma comunicação dentro do tema desta sessão, leu o seu trabalho que versava «A Deontologia da profissão do conservador».

O problema foi largamente tratado, tendo o signatário, Dr. João Couto adiantado que além dos mil problemas que assoberbam a actividade dum verdadeiro conservador, considera ser o mais importante o problema das aquisições.

O assunto levou naturalmente à discussão do problema do estágio.

O signatário deste relatório que, de certo modo, é responsável pela preparação dos conservadores dos Museus, fez uma larga apresentação e apreciação do assunto pondo em destaque os males de que, a seu ver, enferma a actual legislação.

O Dr. RusseIl Cortez depois de falar da acção do Professor Leite de Vasconcelos no Museu Etnológico de Belém, ocupou-se da preparação dos conservadores no país vizinho. A discussão do assunto generalizou-se e acerca dele falaram também os Drs. A. Gonçalves e Baptista de Lima. Abordou-se o problema sob o aspecto orçamental e discutiram-se as possibilidades de se fazerem estágios nos Museus da província.

A 8ra. D. Maria José de Mendonça, referindo-se às oficinas anexas ao Museu de Lisboa, disse julgar que os conservadores as deviam frequentar.

Discutindo-se o problema do Director do Museu em face da defesa do Património Artístico Nacional a 8ra. D. Maria Emilia Amaral Teixeira perguntou como devia entender-se a posição do Director do Museu em face das obras do Património Nacional existentes fora dele.

O Dr. Manuel de Figueiredo referiu-se às Comissões de Arte e Arqueologia das Câmaras Municipais, à sua acção e à colaboração do pessoal dos Museus.

O Dr. João Couto entende que não deve alargar-se muito a intervenção dos conservadores neste particular visto que eles têm muito que fazer dentro dos Museus em que trabalham.

O Dr. Baptista de Lima abordou a posição do conservador nas localidades onde existem órgãos responsáveis pela defesa do Património Artístico. Parece-lhe que o conservador devia ter uma posição na Junta Nacional de Educação na qual funcionaria como informador.

O Dr. A. Manuel Gonçalves ocupou-se da classificação dos Monumentos e da sua posição nas Comissões Concelhias.

O Dr. Russell Cortez chamou a atenção da Assembleia para a acuidade do problema e depois de ter feito a história do «Inventário Artístico Nacional disse qual, em seu entender, devia ser a colaboração dos funcionários dos Museus na elaboração de tão importante arquivo. Parece-lhe que os Directores dos Museus Regionais deveriam ser encarregados de fazer os Inventários Artísticos das suas regiões.

O Senhor Cardoso Pinto, tratando do mesmo assunto disse que a verba para a execução do inventário pertencia à 6ª secção da Junta Nacional de Educação. Explicou os motivos que determinaram a passagem do inventário para a Academia Nacional de Belas-Artes e adiantou que, em seu entender, o mesmo devia ser feito por brigadas de especialistas.

O Dr. João Couto, insistindo numa opinião que já formulara adiantou que os Conservadores dos Museus, se o quiserem, têm muito que fazer dentro dos estabelecimentos onde laboram.

O Dr. Manuel de Figueiredo voltou a referir-se ao trabalho das comissões de Arte e Arqueologia Municipais.

O Dr. Russell Cortez, dentro do mesmo assunto, ocupou-se da actividade das Comissões Locais de Turismo; insistiu na necessidade de se activar o Inventário Artístico e emitiu a opinião de que haveria vantagem em criar as superintendências regionais com o âmbito de acção que lhes confere a legislação italiana.

O Dr. Baptista de Lima entende que há toda a vantagem em completar a rede dos Museus Nacionais e Regionais, dependentes da nossa Direcção Geral.

A propósito do assunto em debate o Dr. Russell Cortez contou a história sucedida com o Prof. Mendes Correia a propósito da colecção Hipólito Cabaço, de Alenquer.

O Dr. A. Gonçalves referiu-se às vantagens e desvantagens da criação dos Museus Etnográficos e de História ao lado dos outros seus oficiais.

A seguir o Dr. João Couto leu a sua comunicação acerca das Reservas dos Museus.

O Dr. Carlos de Azevedo referiu-se à resistência das escolas em colaborar no serviço de Extensão Escolar e o Sr. Cardoso Pinto emitiu o parecer de que não compete aos Museus fomentar as visitas dos alunos aos estabelecimentos, opinião de que discordou o Dr. Couto por achar que no momento actual todos devem contribuir para activar esse serviço. Contou a propósito o que se fazia no Liceu Pedro Nunes quando ali era professor e exaltou a memória do Reitor Sá de Oliveira.

O Dr. Montenegro Flórido contou o que se tem passado no Museu de Lamego desde que ali foi fixado o Regimento de Caçadores. Os Comandantes da unidade fomentam a visita dos seus subordinados ao Museu e leu os números da frequência habitual de oficiais, sargentos e praças.

O Sr. Abel Moura formulou a opinião de que um serviço idêntico devia ser estimulado nos Seminários e Colégios das Ordens Religiosas.

Em conclusão, o Dr. João Couto disse julgar que os Museus devem fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para fomentar a extensão escolar nos mesmos.

Terceira sessão de trabalhos (tarde do dia 22)

Presidiu o Sr. A. Cardoso Pinto

Antes de se abordar o assunto previsto no temário para esta reunião foi resolvido dedicar ainda alguns momentos aos problemas tratados na sessão da manhã.

O Dr. A. Gonçalves abordou os problemas da criação dos primeiros Museus Regionais e o da Fundação Gulbenkian em face dos mesmos organismos.

Sobre esta matéria estabeleceu-se um debate em que tomaram parte a Sra. D. Maria José de Mendonça e os Srs. Cardoso Pinto e João Couto.

Falou ainda sobre o assunto o Dr. Baptista de Lima que foi cumprimentado pelo Presidente, pondo em relevo os serviços que à causa dos Museus vem prestando.

O Dr. Russell Cortez referiu-se largamente à criação do Museu de Etnologia da Beira.

Passou-se em seguida ao assunto do temário que versava o Restauro das Obras de Arte.

O Dr. João Couto leu a sua comunicação intitulada «Brigadasde restauradores».

A Sra. D. Maria José de Mendonça leu em seguida o seu trabalho que versava o tema «Conservação de Têxteis nos Museus da Provincial».

O Sr. Cardoso Pinto apreciou o trabalho da Sra. D. Maria José de Mendonça, fazendo esta Senhora algumas considerações sobre o assunto.

O Dr. Manuel de Figueiredo tratou do problema das obras existentes em colecções particulares e a sua conservação.

O Dr. João Couto expôs largamente a situação da oficina de Restauro do Museu e dos meios que lhe são facultados para poder exercer a sua actividade. Disse que no momento presente os pedidos de restauro dos Museus, das Igrejas e doutras instituições eram tantos que se tornava necessário pedir muito mais dinheiro para que a sua laboração se pudesse intensificar.

Nesta altura evocou-se a memória do saudoso restaurador Fernando Mardel que tão grandes serviços prestou no campo em que exercia a sua profissão.

O Sr. Abel de Moura apresentou o seu trabalho acerca da «Conservação das obras de arte» que foi apreciado pelo Presidente, Sr. Cardoso Pinto.

O Dr. Russell Cortez mostrou os gráficos da distribuição da humidade e da temperatura colhidos no Museu de Viseu. É um importante empreendimento que a assembleia apreciou. Em seu entender não se devem multiplicar as oficinas de restauro, antes se deve melhorar a de Lisboa e facultar aos interessados os meios
para que se possam transportar em boas condições as obras de arte doentes.

O Dr. João Couto, retomando o pensamento do poeta Afonso Lopes Vieira sobre restauro das obras de arte, disse que cada vez se mostrava mais avesso às intervenções a fundo e que compreendia agora melhor a ideia do poeta propondo substituir a palavra «restauro» pela de «beneficiação». Bordou largas considerações a respeito do restauro, das suas vantagens e dos seus perigos.

O Dr. Russell Cortez apresentou a seguir uma série de esculturas que haviam sido beneficiadas no seu Museu e pediu a opinião dos circunstantes a respeito do trabalho executado.

Mencionou alguns processos que utilizara, tais como: o ar comprimido a duas atmosferas, a impregnação de cera e do Xilamon.

Como houvesse alguns exemplos de reconstituição de peças, o assunto, por deveras delicado, mereceu largo debate.

Acentuou-se que se deviam manter todos os esforços para conservar a policromia antiga e, no caso de uma imagem (S. Sebastião) em que existia um preparo de linho, os circunstantes foram de opinião que se devia conservar tudo quanto era antigo e não reconstituir o que não existia.

Discutiu-se ainda o arranjo de uma escultura em pedra da oficina de Mestre Pero que foi engessada e colada. O arranjo foi julgado admissível.

O Dr. João Couto contou o que vira em matéria de reconstituição das esculturas etruscas do Museu de Viterbo e referiu-se aos danos gravíssimos que estão a sofrer as esculturas românicas que decoram uma porta da Igreja de S. Tiago de Compostela. A propósito referiu os esforços sem resultado duma Comissão da Unesco encarregada de resolver o problema.

O Dr. Russell Cortez voltou a tratar da questão da câmara de expurgo e das causas de danificação das imagens. Disse que no Museu de Estocolmo, por meio de processos químicos, se pretendia evitar as deteriorações.

O Dr. Manuel de Figueiredo referiu-se à deterioração das pedras e o Sr. Cardoso Pinto às más pinturas de tantas imagens existentes na província. Segundo ele nestes casos haveria vantagem de proceder a sondagens para avaliar qual o estado das pinturas subjacentes.

O Dr. Xavier Coutinho levantou o problema de saber se não haveria vantagem em completar as peças mutiladas quando se destinassem a ser mostrad8Js às crianças.

A Pintora Madalena Cabral julga que as obras se devem apresentar no estado em que estão, pois as crianças as recebem com maior compreensão. Isso lhe tem ensinado a sua experiência no serviço do M. A. A. Para ela, as crianças podem chegar até às peças mutiladas desde que se lhes explique como foram concebidas e como foram danificadas.

É também a opinião do Dr. João Couto que entende que se deve contar à criança o motivo da mutilação, nunca faltando à verdade.

O assunto mereceu ainda mais largo debate.

Quarta sessão de trabalhos (manhã do dia 23)

Presidiu o Dr. Manuel Gonçalves.

Ainda na sequência do assunto tratado na véspera, foi apresentada uma imagem da Virgem, na qual se tinha feito não só um trabalho de consolidação, mas também uma tentativa de reconstituição dos cabelos.

O assunto foi largamente debatido pelos Srs. Dr. João Couto, Abel de Moura, Maria José de Mendonça e Cardoso Pinto.

A opinião geral fói de que na imagem só se devia fazer a consolidação, mostrando-se todos contrários ao restauro acabado. Em peças fundamentais nunca se deve fazer a reconstituição nem introduzir elementos esculpidos.

Para a Sra. D. Maria José de Mendonça não há razão para falar em peças fundamentais ou secundárias, pois todas são fundamentais. «A reconstituição só deve ser feita na medida em que a consolidação o exija». Para a oradora, tudo quanto se acrescenta à obra de arte só serve para a desvirtuar.

Debateu-se em seguida o problema de saber o que é o verdadeiro Oonservador.

Para o Sr. Oardoso Pinto há um sexto sentido no Oonservador e para o Dr. João Couto são problemas fundamentais o dos mercados e o das falsificações. Apresentou vários casos de compras de obras de arte com insucesso para as pessoas que as efectuaram.

Após isso, o Sr. Dr. Russell Cortez justificou o restauro das imagens. Disse que na Alemanha conhecia muitos casos de reconstituições consideradas legítimas, ao que a Sra. D. Maria Emilia Amaral Teixeira disse supor que o que sucedia era exactamente o contrário. Nunca tinha visto nos Museus peças reconstituídas.

O Dr. Russell Cortez apresentou um novo problema; qual era o das imagens falsas.

Mostrou uma, construída em Viseu, e apresentada no mercado.

Este caso suscitou largo debate acerca das identificações e das avaliações das obras de arte, ficando assente, de harmonia com o parecer do Dr. Manuel de Figueiredo que o pessoal do Museu nunca devia dar avaliações nem identificações.

Levantado pelo Sr. Oardoso Pinto, discutiu-se o problema das cotações das obras de arte nos mercados.

Passou-se em seguida ao tema da tarde ou seja o Fundo de Apetrechamento dos Museus.

O Dr. João Couto perguntou o que devia entender-se por este tema.

O Dr. Russell Cortez explicou tratar-se de material não de colecção, mas funcional.

À maneira do que se faz para as Universidades e para os Liceus o Estado devia inscrever no orçamento um crédito para esse apetrechamento (móveis de utilização permanente).

O Dr. João Couto disse que o caso não se colocava para o Museu de Lisboa, suficientemente dotado, mas apresentava muita gravidade para os Museus da província.

O Dr. Russell Cortez referiu-se aos problemas que certos casos apresentam, por exemplo o dos exaustores de humidade, que congelam durante os frios invernosos de Viseu.

O Dr. A. Gonçalves acentuou também as dificuldades que resultam para os Museus Regionais da deficiência de certas verbas orçamentais.

Suscitou-se nesta altura um longo debate.

O Sr. Cardoso Pinto perguntou qual a maneira de obter estes fundos de apetrechamento, e concordou em que era necessário fazer qualquer coisa.

Dado o assunto por discutido, apreciaram-se a seguir outros problemas relacionados com os Museus.

Assim o Sr. Cardoso Pinto levantou o problema do preço das entradas nos Museus.

Segundo o orador o preço actual está desactualizado e propõe que seja aumentado. Comparou o que se passa em Portugal com a situação nos Museus estrangeiros e citou alguns números.

Discordaram da sugestão do Director do Museu dos Coches, os Directores dos Museus de Viseu, do Porto e de Lisboa que perante a fraca visita com os preços que se cobram no momento que decorre, entendem que no caso de se mexer no assunto, os Museus ficariam vazios.

Outro assunto que foi debatido, disse respeito aos guardas dos Museus, aos Museus sem guardas e ao horário do pessoal.

Suscitou-se um debate em que tomaram parte o Dr. Manuel de Figueiredo, o Dr. A. Gonçalves e Baptista de Lima. Sugeriu-se a vantagem da entrada gratuita nos Museus ser aos sábados e aos domingos e não às quintas e domingos como sucede actualmente.

A Sra. D. Maria José de Mendonça propôs que se estudasse a maneira de criar a Associação do Pessoal dos Museus Portugueses e que se intensificassem as relações com o ICOM, dando mais actividade à Comissão portuguesa criada junto daquela organização internacional.

O problema foi discutido tomando parte no debate o Dr. Baptista de Lima e o Dr. Manuel de Figueiredo.

Terminados os trabalhos da reunião, como atrás se disse, entrou na sala o Dr. Rodrigo de Melo Franco de Andrade.

Sessão de encerramento

Assumindo a presidência, congratulei-me pela presença do Dr. Rodrigo de Melo Franco de Andrade ao qual manifestei os agradecimentos da assembleia, pela honra que lhe fora dada, vindo a Viseu tomar parte no termo dos seus trabalhos.

A seguir debateu-se o local onde os conservadores, se forem autorizados, deverão realizar a próxima reunião.

Tomaram a palavras vários conservadores e assentou-se que ela deveria ter lugar em Lisboa, no Museu de Arte Antiga.

Uma comissão composta pelo Dr. Russell Cortez e Dr. António Gonçalves foi encarregada de redigir as conclusões da reunião. Em seguida, o Sr. Cardoso Pinto propôs votos de agradecimento ao Sr. Dr. João de Almeida pelas palavras de ânimo e sugestões que trouxe à reunião, à Fundação Gulbenkian e seu presidente pela sua iniciativa e presença e por último ao Dr. Russell Cortez pela dedicação e energia dispendidas na organização dos trabalhos. O Dr. Russell Cortez propôs também que estes votos fossem extensivos às entidades locais que, de qualquer modo, contribuiram para a facilidade e brilho dos trabalhos, especialmente os Srs. Governador Civil, Presidente da Câmara e Federação dos Vinicultores, e Fundação C. Gulbenkian.

O Dr. João Couto para terminar usou da palavra e disse que o Dr. Russell Cortez devia estar contente com o manifesto sucesso da sua iniciativa.

As finalidades da reunião foram cumpridas e os temas propostos foram abordados com a maior elevação e sabedoria.

Do primeiro tema resultaram algumas sugestões muito úteis.

Foi muito importante tudo quanto se disse relativamente ao papel dos Directores e dos Conservadores dos Museus.

O terceiro tema, implicando a solução de assuntos dependentes da competência de outras entidades, permitirá, se possível, alcançar alguns resultados mais efectivos.

Foi fundamentalmente importante o estudo dos problemas relacionados com as obras de arte existentes nos Museus da província, bem como os problemas do seu restauro.

Certos trabalhos foram discutidos com tanta largueza que obrigou a prolongar as discussões pelas sessões seguintes.

Quanto ao último assunto do temário, ele orador, concorda com o estabelecimento do fundo de apetrechamento nas condições em que foi proposto.

À margem dos objectos apresentados à discussão, outros temas de grande alcance foram trazidos à assembleia.

O Dr. João Couto renovou os seus agradecimentos aos colegas que presidiram às reuniões; disse que o acolhimento que todos receberam em Viseu foi encantador e que se haviam passado dois dias de magnífica camaradagem e proveito.

Disse que tendo sido por ele adiantada a ideia destas reuniões em Bragança no ano de 1941 só agora, devido à iniciativa do Dr. Russell Cortez, a primeira teve lugar em Viseu.

Lembrou a 5ª reunião do restauro que teve lugar em Lisboa no ano de 1952, na qual também muito se trabalhou, resultando dela grandes beneficios. No seu termo, o saudoso Paul Fierens, dizendo sentidas palavras de agradecimento a todos os que nela haviam trabalhado, terminou com um «gigantesco obrigado». Assim também o Dr. João Couto terminou a sua oração, agradecendo a todos a colaboração prestada.

Durante a reunião, e por obra das forças vivas da cidade, tiveram lugar várias manifestações.

A Comissão Local de Turismo ofereceu na Estalagem Viriato um almoço no qual compareceram várias autoridades de Viseu.

Presidi em nome de V. Exa., e às palavras que foram proferidas pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viseu, respondi agradecendo a homenagem que nos fora prestada, enaltecendo as belezas de Viseu e do seu termo, pedindo que se empregassem todos os esforços para conservar intacta a parte velha da cidade e dizendo palavras de louvor ao Director do Museu de Grão Vasco.

Também este Senhor nos ofereceu um almoço no qual toma¬ram parte, além dos componentes da reunião, o Dr. Rodrigo de Melo Franco de Andrade e o arquitecto Paulo Barreto.

Na tarde do dia 23, partimos para o Caramulo onde, acompanhados pelo Dr. João Lacerda, visitamos o Museu, facto que constituiu uma excelente lição de museografia.

Fomos obsequiados com uma merenda oferecida pela Junta de Turismo do Caramulo. Assim terminou esta manifestação de arte e de boa camaradagem museol6gica.

Aproveitei os dois dias imediatos para visitar alguns Museus Portugueses nos quais colhi as melhores impressões e proveitosos ensinamentos.

Desta forma estive no Museu Soares dos Reis, no Museu de Aveiro, no Museu da Guerra Peninsular, sito no Buçaco, no Museu de Machado de Castro, no qual me impressionaram as galerias romanas abertas no subsolo, nas ruínas de Conimbriga e no novo Museu ali em construção, bem como no Museu de Leiria.

Em quase todos falei com os Directores ou com os Conservadores.

Apresento a V. Ex.a os meus cumprimentos.

João Couto.

sábado, setembro 24, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (8/9)

O SERViÇO DE EXTENSÃO ESCOLAR DO MUSEU NACIONAL DE ARTE ANTIGA
por Madalena Cabral

Existe no M. N. A. A., além de outras realidades que dele fazem um autêntico «Museu vivo», o Serviço de Extensão Escolar.

Pensado pelo seu Director, Senhor Doutor João Couto, no intuito de familiarizar as crianças com as obras de arte, o actual movimento de visitas infantis teve como origem remota o seu trabalho realizado com os alunos do Liceu Pedro Nunes, a quem constantemente acompanhava a visitar o Museu. Mais tarde, já na Direcção deste estabelecimento, deu todo o seu apoio e acompanhou quanto possível quaisquer iniciativas que procurassem abrir as portas do Museu às crianças.

No final do ano de 1953 fui chamada pelo Senhor Doutor João Couto, como bolseira do Centro de Estudos de Arte e Museologia do Instituto de Alta Cultura, para colaborar no Serviço de Extensão Escolar debaixo da sua orientação.

Tentarei expor um resumo do trabalho feito em regime experimental durante os 7 anos decorridos, tendo consciência das inúmeras deficiências que ele possa apresentar. Faço também notar como é difícil dar a conhecer os resultados de uma obra que temos tentado realizar mais no sentido da profundidade do que em extensão, não sendo portanto fácil traduzi-la em números exactos.

Aparece-me essencial focar os seguintes pontos:

a ) Vantagens da iniciação artística infantil.
b) Incompreensão do público diante do problema.
c) Trabalho realizado no Museu Nacional de Arte Antiga
d) Sugestões.

a) VANTAGENS DA INICIAÇÃO ARTÍSTICA INFANTIL

Sabemos como a criança fixa, de maneira muito viva, todas as impressões do seu pequeno mundo - impressões estas que dificilmente se apagarão da sua memória admiràvelmente fresca.

Sabemos também que na época caleidoscópica em que vivemos a imagem tem lugar fundamental na educação infantil; é pelos sentidos, e muito particularmente pela vista, que são apresentadas às crianças as sugestões dum mundo que ela começa a descobrir.

Parece então extremamente conveniente facilitar às crianças, e mais tarde aos adolescentes, os meios de entrar em contacto amigo com tudo quanto é belo e pode merecer a sua admiração. Da mesma maneira que será de louvar uma aproximação da natureza, devemos trazer às idades juvenis todo o encanto e maravilha da descoberta das artes, à qual elas são espantosamente sensíveis.

Metidos num mundo cada dia mais estandardizado e no qual nos deixamos penetrar incessantemente pelos benefícios duma civilização técnica, temos de dar a conhecer à juventude o reinado pessoal da criação artística, com tudo quanto ela traz de sonho, de poesia, de vitalidade.

Para os eleitos que vivem no mundo dos Museus julgo que existe uma responsabilidade grave no que respeita à transmissão do seu património artístico até às idades infantis. Na medida em que soubermos apresentar-lho de forma viva, directa, familiar, - mas simultâneamente digna da nossa admiração - a criança há-de guardar uma recordação igualmente viva, familiar, salutar, de qualquer impressão recebida diante duma obra de qualidade.

Os Museus podem e devem ser um dos lugares ideais onde as crianças vivem a descobrir o caminho sempre novo da harmonia e da beleza.

b) INOOMPREENSÃO DO PÚBLIOO DIANTE DO PROBLEMA - VANTAGENS DA INICIAÇÃO ARTÍSTICA INFANTIL

Ao ser planeado o Serviço de Extensão Escolar, em 1953, tal como ainda hoje sucede, não existia no nosso programa de ensino pré-primário, primário ou liceal qualquer iniciação artística; (1) não existia portanto oficialmente nenhum ensino teórico, nem tão pouco um movimento de visitas a Museus, Monumentos, Exposições, etc., que despertasse a atenção da juventude para uma parte do mundo que a cerca.

Não são também correntes entre nós, como noutros países, certas organizações de tipo particular destinadas à juventude, tais como grupos culturais, educativos, etc., em que os seus membros gozam o privilégio de inúmeras iniciativas culturais e artísticas.

Geralmente, e a menos que o ambiente habitual ou familiar em que vivem os estimule nesse sentido, as crianças e adolescentes desenvolvem-se indiferentes ao mundo de beleza que os rodeia - quer no que diz respeito à natureza, quer também à criação artística.

Acresce ainda a este panorama triste o reduzido número de horas livres de que a criança dispõe fora do tempo exigido pelos programas escolares; é necessária muito boa vontade própria ou dos educadores responsáveis, para que se chegue a alcançar um resultado mais ou menos favorável no plano da formação geral, artística, etc.

Estas são as condições de disponibilidade do público infantil; a menos dum grande espírito de colaboração da nossa parte, a descoberta das artes através dos Museus ficará letra morta.

C) TRABALHO REALIZADO PELO SERVIÇO DE EXTENSÃO ESOOLAR DO M. N. A. A.

Pelas dificuldades citadas, que imediatamente se nos apresentaram ao tentar escolher os primeiros grupos de crianças com quem havíamos de trabalhar no Museu, foi decidida uma experiência inicial com crianças de algumas escolas particulares entre os 5 e os 10 anos, aproximadamente. A escolha recaiu sobre estas por um motivo simples: relativa elasticidade dos horários nas instituições particulares, especialmente nas classes pré-primárias e primárias.

Visitas infantis
«O Serviço de Extensão Escolar» começou as suas actividades por visitas infantis ao Museu. Para melhor rendimento das visitas foram estudadas, e aperfeiçoadas depois da experiência, certas normas que ainda hoje são de base, tais como:
- Formação de grupos por idades ou mentalidades aproximadas.
- Grupos limitados a 15 crianças, a fim de se conseguir um convívio natural com cada uma durante o tempo da visita.
- Ambiente familiar e de liberdade, de tal forma que as crianças se sintam naturalmente atraídas e à vontade.
- Interesse centrado na criança; tudo deve suceder em ordem ao seu aproveitamento: compreensão, estímulo, desenvolvimento das faculdades de admiração e da curiosidade natural, clima familiar e alegre.
- Duração da visita: 3/4 de hora a 1 hora, regulável conforme o estado de atenção ou cansaço das crianças.
- Escolha de um tema central para cada visita, de forma a não dispersar a atenção das crianças.
- Encetar qualquer visita por um tempo de conversa a fim de estabelecer contacto (quase sempre muito fácil) e despertar a atenção sobre o tema escolhido.
- Reduzir a função do guia à de estimulador da curiosidade e atenção das crianças; fazer desaparecer o hábito da lição ou Visita-conferência que muitas vezes cansa as crianças sem chegar a interessá-las.
- Ter como palavra de ordem para cada visita a de uma descoberta nova feita por cada uma das crianças.
- Propor cada tema da forma mais adequada à idade e interesses dos visitantes: tanto poderá ser contando uma história a propósito, como fazendo uma viagem de descoberta pelo Museu, ou ainda, para os mais velhos, dar-lhes um questionário simples; unicamente se exige do guia que consiga localizar o interesse do seu público na obra examinada.
- Iniciar as crianças, tanto quanto possível, nos processos de factura das várias obras de arte; para tanto será útil a visita a oficinas ou ateliers em ligação com as colecções examinadas.

Com a experiência temos verificado que se deve criar entre as crianças e o Museu uma espécie de espírito de família, que é talvez um dos melhores frutos desta obra. O Museu é delas; sabem-no e vivem-no.

Não é possível acreditar que as horas boas ali passadas caiam no esquecimento.

Temos portanto de as tornar tão agradáveis como sugestivas, de forma a criar uma forte amizade da juventude pelas coisas de arte, amizade esta que venha a justificar um estudo mais sério, passado o tempo escolar.

Falámos acima na vantagem que existe em completar o estudo das várias técnicas com visitas a ateliers, etc.. - É também conveniente que o Museu se possa ir apetrechando com certo material complementar que responda à curiosidade infantil. No Museu de Arte Antiga existe já um pequeno tear manual destinado a esclarecer os problemas da realização dos têxteis; uma pequena colecção com vários tipos de cerâmica fàcilmente manuseável pelas crianças e na qual elas são capazes de distinguir as diferentes qualidades do barro, do vidrado, pintura ou cozedura; etc., etc.

Há uma grande vantagem em estabelecer visitas periódicas para cada grupo de crianças, com intervalos não superiores a 2 meses.

Pela experiência sabemos que, longe de se cansarem, estes grupos ganham uma atenção especial para cada tema proposto, e mais fàcilmente estabelecem ligação entre os centros de interesse fornecidos pelo Museu e a vida corrente.

Como expansão do trabalho do M. N. A. A., o Serviço de Extensão Escolar tem promovido constantemente visitas a outros Museus, monumentos ou exposições temporárias dignas de interesse, especialmente com os grupos de crianças que têm tido maior assiduidade.

Durante o período escolar 1959-60 o movimento de visitas infantis foi constante, numa média de 23 visitas mensais.

Cinema infantil

Simultâneamente com as visitas, têm sido realizadas periodicamente no Museu sessões de cinema infantil. Concebidas como ilustração cultural e complemento sugestivo da iniciação à tecnologia das artes, são mais um atractivo simpático que o Museu põe ao alcance da criançada, e do qual tem tirado excelentes resultados. Procuramos habitualmente compor os programas de harmonia com os centros de interesse propostos durante a temporada de visitas: um filme sobre o fabrico das pratas quando se dá maior relevo às salas de ourivesaria; exemplificação, através da obra filmada dum desenhador, sobre o carácter fisionómico de cada animal, ao mesmo tempo que procuramos esse mesmo tema nas obras do Museu, etc., etc. - as sessões decorrem no mesmo ambiente de familiaridade que descrevemos para as visitas. Geralmente é feita uma pequena conversa preparatória para cada filme, de forma a colocar as crianças na pista da compreensão (especialmente quando se trata de filmes falados em qualquer língua estrangeira). São ideais, mas raros, aqueles que vivem quase exclusivamente da imagem. - No final da exibição de cada filme faz-se uma troca de impressões que nos dá a nota certa do grau de apreensão do tema proposto. Costumamos alterar os filmes didácticos com bonitos ou engraçados filmes de distracção.

Atelier infantil

A última experiência levada a efeito no Museu de Arte Antiga foi o «Atelier Infantil», posto a funcionar durante o passado mês de Julho em dependências anexas ao Museu.

Há muito tempo desejado como complemento do serviço de visitas pôde agora ser iniciado e receber acolhimento entusiástico da parte dos seus frequentadores que ali se reuniam em vários grupos, semanalmente.

Passado um período de introdução durante o qual as crianças foram perdendo as inibições de que vinham carregadas, fomos procurando centrar cada sessão à roda de um tema escolhido, embora limitado ainda exclusivamente à pintura.

Está hoje suficientemente provado em todo mundo quanto se deve pedagogicamente ao desenvolvimento das actividades criadoras e de observação infantil. Particularmente, cremos ainda que o trabalho de atelier realizado em conjunto com o serviço de visitas aos Museus as ajudará a melhor compreender as obras de arte que lhes é dado observar.

Trabalhos subsidiários

Em vista dos bons resultados verificados no trabalho infantil do Museu, algumas entidades têm pedido colaboração para certas iniciativas do mesmo tipo, tanto organizando visitas a certas exposições realizadas (Exposição de B. A. da Fundação Gulbenkian, Exposição do M. N. A. A. na Câmara de Oeiras, etc., etc.) como sessões de cinema destinadas a um público de escolas primárias (Vila Viçosa, Vendas Novas, a pedido da Fundação da casa de Bragança). De todas as vezes têm sido experiências coroadas de êxito, e que nós desejaríamos ver continuadas dentro das possibilidades locais.

Preparação artÍBtica de educadores

Em vista do número sempre crescente de pedidos para admitir grupos escolares no serviço educativo, e das reduzidas possibilidades de pessoal que as acompanhe eficazmente, o Senhor Dr. João Couto consentiu em levar a efeito no Museu durante algum tempo um trabalho de iniciação artística para educadores. E assim, no ano de 1957, teve lugar um animado movimento de palestras, visitas guiadas e exibições de filmes destinados a preparar culturalmente um grupo de casais e educadores infantis interessados em colaborar com o Serviço de Extensão Escolar. Os resultados obtidos foram de considerar, sobretudo no que diz respeito à maior compreensão do Serviço Educativo - compreensão esta que se traduziu numa assiduidade e colaboração mais eficaz com o Museu.

Dentro da mesma orientação foi também levado a efeito durante 2 anos um curso de iniciação artística para os alunos do Centro Educativo da Cuf, especialmente para os monitores da sua colónia de férias. (Palestras com projecções de diapositivos, visitas ao Museu, sessões de cinema, e ainda encontros educativos realizados na Colónia de Férias).

Igualmente se realizaram encontros com as professoras dos Jardins Escolas João de Deus, assim como visitas ao Museu destinadas aos membros do 1º Encontro Nacional das Religiosas Educadoras.

d) SUGESTÕES

Julgamos que não é difícil concluir positivamente quanto à utilidade dos serviços educativos nos Museus; o seu desenvol¬vimento é no entanto pràticamente impossível enquanto não for estudada a forma de preparar pessoal capaz, bem como a maneira de o recompensar.

Entretanto qualquer serviço educativo dos Museus é feito de forma extremamente precária, e raramente pode corresponder aos pedidos sempre crescentes das escolas que pretendem visitar o Museu com a ajuda dum guia esclarecido. Assistimos então às passagens relâmpago das crianças pelas salas, muita vezes desajudadas por professores totalmente ignorantes da sua função eventual de guias. É lamentável que assim suceda, pois cada um destes encontros deveria ser aproveitado como ponto de partida para uma descoberta do Museu.

Tentando corresponder a esse mínimo que nos é pedido, haveria que encarar os 2 pontos fundamentais:

- Recrutamento e preparação dos guias.
- Sua renumeração.

- Quanto ao primeiro ponto e a título de sugestão, deixo aqui o exemplo do Rijksmuseum (Amesterdão), talvez o mais impressionante de todos quantos tive ocasião de observar em Museus da Europa: o serviço de visitas infantis é inteiramente desempenhado por artistas, formados e preparados para esta missão pelo pioneiro do movimento (artista também). Os lugares de guias são ali disputados e considerados como uma honra, e o serviço é realizado com a maior eficiência numa atmosfera excepcional de liberdade e de interesse.

- Quanto ao segundo ponto considerado, encontrei-o solucionado das mais diversas formas, das quais mencionarei algumas:

- Serviços oficializados, e inteiramente integrados na vida dos Museus.
- Serviços semi-oficializados, com participação dos chamados «amigos dos Museus».
- Serviços orientados pelos Museus, mas subsidiados pelas câmaras locais.
- etc., etc.

Destes serviços, uns são remunerados conforme o número de visitas mensais, enquanto que outros têm ordenado fixo. Estes últimos vêm a ser aproximadamente equiparados a professores de instrução primária.

Pela experiência tirada destes anos de trabalho, assim como pela reacção do público diante do serviço de Extensão Escolar do Museu de Arte Antiga, creio ser já possível pensar na sua estabilização, bem como na criação de outros serviços semelhantes. Para tanto será necessário conseguir um mínimo de disponibilidade nos horários infantis, e proceder à escolha e formação criteriosa do pessoal encarregado dos serviços.

Madalena Oabral
Setembro 1960

NOTA

(1) - Dr. João Couto. «A escola sem Arte» - Confª realizada no Liceu de Pedro
Nunes em 1932

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (7/9)

RESERVAS DOS MUSEUS
por João Couto

De vez em quando a imprensa refere-se às riquezas conservadas nas arrecadações do Museu Nacional de Arte Antiga e do Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos e à necessidade de as distribuir por outros estabelecimentos análogos.

Vou referir-me apenas ao Museu Nacional de Arte Antiga. O problema é desconhecido daqueles que ao mesmo se referem e está, sobretudo, mal apresentado.

Em resultado da extinção das ordens religiosas, do ajuste de diferentes organismos a fins diversos daqueles para que foram criados, de compras, de legados, etc., reuniram-se nas arrecadações do Museu um certo número de espécies que ficaram ali a título de reserva.

No entanto esse número não é tão avultado como se supõe. Pode dizer-se que tudo que de primeira qualidade se guarda no Museu de Arte Antiga, está exposto ao público.

Desde 1911 o Museu tem cedido para museus, igrejas, palácios, embaixadas e instituições várias, centenas de objectos cujo registo acompanhado de documentos fotográficos se guarda nos nossos arquivos.

É certo que ainda se podem distribuir algumas espécies, (não muitas) e apenas de duas ou três especialidades. Mas, em nosso entender, essa distribuição só deverá recair nos organismos dependentes da Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes.

Por outro lado o Museu, devido ao intenso movimento de exposições temporárias que mantém, necessita de ter em reserva muitos objectos destinados à decoração das salas a este fim destinadas.

Ainda, como sucedeu na última exposição de Oeiras, o Museu organiza Exposições itinerantes que só poderão ser postas de pé com objectos não expostos, guardados nos depósitos.

Um aspecto do problema que pode encarar-se, consiste em efectuar trocas de obras de arte entre os Museus. Mas é um assunto de solução deveras delicada.

Ninguém pensou, em qualquer país do Mundo, organizar Museus à custa dos outros e com obras que tão dificil foi adquirir e conservar.

João Couto

sexta-feira, setembro 23, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (6/9)

BRIGADAS DE RESTAURADORES
por João Rodrigues da Silva Couto

Em 23 de Abril de 1952, apresentei à 6ª Secção da Junta Nacional de Educação a seguinte proposta, que foi aprovada em sessão de 9 de Maio de 1952 e obteve homologação superior em 14 de Maio do mesmo ano.

«Não é desconhecido o estado precário em que se encontra grande parte da pintura antiga, existente em várias regiões do pais. Nos próprios Museus isso sucede quando, por falta de meios ou pessoal adequado, não são dispensados cuidados permanentes a essas delicadas obras.

«Não é este o momento azado para enunciar todos os males que permanentemente atacam os painéis e para descrever todos os meios de que a ciência dispõe para os debelar. O Museu de Arte Antiga, de Lisboa, possui hoje um laboratório onde eficazmente se pode proceder a todos os tratamentos que exigem os quadros atacados.

«De tempos a tempos as pinturas necessitam que lhes dispen¬sem cuidados de conservação. Se um dia elas foram mesmo sujeitas a beneficiações mais profundas, como por exemplo, sucedeu a tantos quadros que se reuniram na grande exposição que teve lugar em Lisboa, no ano de 1940 e depois voltaram para os locais a que pertenciam, então os cuidados têm de ser maiores, pois foram até certo ponto diminuidas as condições de estabilidade que até ali desfrutavam.

«Se, permanentemente, a Galeria de Lisboa é vigiada e tratada, impõe-se que, com regularidade, se verifiquem as condições em que se encontram as pinturas dispersas pelo país, nem sempre guardadas em locais convenientemente preparados para bem as acolher e proteger.

«Evidentemente que em casos melindrosos é indispensável deslocar as obras a Lisboa e tratá-las na oficina do Estado. Mas se se lhes acudir sempre que surja qualquer moléstia, atenuam-se consideràvelmente os prejuízos que podem mais tarde vir a ocorrer. Antes que, por exemplo, uma parte da pelicula cromática se destaque do suporte, pequenos vestígios desse mal já, de certo, haviam permitido que se desse pela doença e que se lhe tivesse acudido a tempo.

«A criação de brigadas de restauradores que percorram o pais e procedam nos próprios locais aos trabalhos de fixação e primeiras intervenções que o restauro das pinturas exige, parece ser o meio mais pronto, mais económico e mais eficaz de atacar este melindroso problema.

«Para ocorrer às despesas que este projecto acarreta, julgamos ser necessário reforçar a dotação da oficina com a verba adiante mencionada, naturalmente insignificante se considerarmos o enorme trabalho que há a fazer. Mas esta primeira quantia seria concedida a título de experiência, e nos anos seguintes, iria sendo sucessivamente aumentada:



«São enormes as responsabilidades que pesam sobre todas as pessoas a quem compete velar pela conservação das pinturas que constituem parte essencial do património da nação. Como é do conhecimento dessas pessoas o estado precário em que as obras se encontram, serão naturalmente elas próprias as primeiras interessadas em procurar remediar tamanho mal. A pintura antiga e moderna que existe na provincia, e mesmo em bastantes locais de Lisboa, está em parte a perder-se. Não é exagerado dispender trinta e três mil escudos para remediar a aflitiva situação».

Se o problema for revisto, e é urgente que o seja a não ser que queiramos assistir de braços cruzados à perda do nosso património pictural, devem corrigir-se as verbas respeitantes ao custo do serviço. O aumento que haveria a propor é de tal modo insignificante em relação à importância dos fins que se pretendem atingir, que nem vale a pena apresentar razões que o justifiquem.

ass.) João Rodrigues da Silva Couto

terça-feira, setembro 20, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (5/9)

O MUSEU DE CRIANÇAS DE BROOKLIN - SUA ORGANIZAÇÃO E PROGRAMA
Por Maria José de Mendonça

Nos fins do ano de 1899 abria em Brooklin, nessa época um subúrbio elegante de Nova Y ork, o primeiro museu para crianças que houve no mundo.

Como acontece muita vez com instituições que mais tarde se tornam famosas e sobremaneira úteis, os inícios desse museu foram modestíssimos pois eram suficientes, para conterem as espécies de História Natural que o constituiam, duas salas apenas de um prédio de Brooklin.

Enriquecido mais tarde com uma biblioteca e outras secções de História e de Ciência, o museu ficou instalado em dois pequenos edifícios independentes, rodeados pela relva e arvoredo de um parque da cidade.

A finalidade do museu é satisfazer a curiosidade que as crianças têm de conhecerem o mundo em que vivem.

Mas satisfazer esse desejo natural da criança pondo-a no meio apropriado à sua mentaJidade e aos seus interesses.

No Museu de Brooklin o que importa verdadeiramente são as crianças e não os objectos expostos.

Âo contrário do que acontece nos museus para os adultos, aqui a criança é convidada a tocar e a mexer nas peças, para ver como são feitas e pô-las a trabalhar, quando se trata de maquinismos.

Tudo foi estudado e feito à escala dos pequeninos visitantes, desde as proporções das vitrines e altura a que estão colocadas, à redacção das tabelas explicativas dos objectos.

Os próprios edifícios onde o museu está instalado proporcionam um ambiente para a criança se sentir à vontade.

Como a grande maioria das habitações familiares nos Estados Unidos, são pequenas moradias, de dois pisos, rodeados de relva; no interior os compartimentos têm proporções próprias para criarem um ambiente de conforto e intimidade; neles a criança sente-se como em sua casa.

O Museu compreende cinco secções - Educação, História Natural, Ciência, História e Biblioteca.

O seu pessoal técnico é constituído pelo director e um assistente administrativo, por quatro conservadores - de Educação, de História, de Ciência e de História Natural - pelo Bibliotecário e um assistente, e por um conservador de exposições.

As actividades são as seguintes: Extensão Escolar, Programas Especiais, Clubes do Museu e Serviço para Crianças Deficientes.

Essas actividades destinam-se a crianças desde a idade pré-escolar ao limite máximo de 14 anos.

O Museu é sustentado pelo Instituto de Artes e Ciências de Brooklin, do qual faz parte, e recebe um subsídio da Cidade de Nova Y ork.

Do serviço de Extensão Escolar beneficiam as escolas públicas, paroquiais e particulares da cidade de Nova York que mandam centenas de crianças ao Museu assistirem às lições dadas pelos conservadores, sobre diversos temas de História, de Ciência e de História Natural.

O Museu publica todos os anos o programa dos temas das lições, com a data e hora a que são feitas e o grau das classes a que se destinam.

Segundo esse programa as escolas comunicam com determinada antecedência as lições que foram escolhidas e enviam os alunos acompanhados pelos seus professores, assistindo também estes às aulas.

A extensão escolar funciona de Fevereiro a Junho, quatro vezes por semana, com duas aulas de manhã, das 10 às 12, e duas à tarde, das 13 às 15 horas.

No ano de 1958 mais de 45000 crianças das escolas de Nova York beneficiaram deste serviço do Museu de Brooklin.

A análise do programa de extensão escolar revela-se do maior interesse porque nos mostra a orientação do Museu nesse aspecto fundamental da sua actividade.

O programa para o ano de 1959 abre com a Secção de História, abrangendo os seguintes capítulos: História Americana - Aspectos da Civilização - A Vida nas outras Terras.

Segue-se a Secção de História Natural, que é a mais reduzida, e termina com a Secção de Ciência que compreende os capítulos: Astronomia no Planetário - A Ciência da Terra - Experiências com o Mundo Físico - Transportes - Electricidade e Magnetismo - Ver Pensar Comunicar - A Ciência e o Homem.

A História Americana é dada em sete lições.

Começa com os Descobrimentos, mostrando como a fascinação do Oriente levou à exploração da Terra. A época dos Descobrimentos é explicada pelos processos de navegação e com modelos de embarcações. Na Biblioteca vêm-se mapas que exemplificam a evolução do conceito da forma da Terra.

As duas lições seguintes são dedicadas aos Indios das planícies e florestas da costa Este, Sudoeste e do Noroeste. Os usos e costumes da vida caseira dessas populações são explicados pondo nas mãos das crianças materiais e objectos que lhes dizem respeito.

Vem depois uma lição consagrada à Epoca Colonial na América, em que a vida quotidiana do tempo é mostrada por meio de objectos. Esta lição termina na Biblioteca, vendo espécies relacionadas com o desenvolvimento da América Colonial. A cidade de Nova York antiga e moderna, relacionadas com a vida familiar dos holandeses na Nova Amesterdão, ocupa a 5ª lição, e completa-se na Biblioteca com espécies que ajudam a compreender Nova Y ork, como uma cidade moderna. As lições têm geralmente filmes complementares; o que se vê nesta chama-se: «A História de uma Cidade - Nova York».

Segue-se a Expansão para o Oeste. A lição é preenchida com a explicação da vida dos pioneiros nos grandes carros que os conduziam para as novas regiões do Continente Americano e exemplificada com objectos do tempo. O período da Biblioteca é dedicado à audição de baladas dessa época.

A série de lições sobre História Americana termina com os Anos da guerra Civil na América - a vida nos campos de batalha e a vida familiar vista através de peças de carácter militar e civil. Na Biblioteca, discussão dos aspectos gerais desta guerra e audição de música do tempo.

Na série de lições dedicada aos Aspectos da Civilização a primeira chama-se A História do Homem e nela se compara a maneira de viver de dois povos primitivos, analisando os aspectos em que os homens se assemelham e aqueles em que diferem. Na Biblioteca fala-se no desenvolvimento da vida na Terra, incluindo o homem pré-histórico. Na Secção de Ciências vê-se o modelo em tamanho natural do corpo humano. O filme complementar intitula-se: «Todos os homens são irmãos».

A lição seguinte designa-se Fatos de muitas espécies e nela se analisa porque motivo os povos se vestem de maneiras diferentes. Discussão e exemplificação de tipos de indumentária dos povos primitivos e de povos actuais de outras regiões do mundo. Na secção de Ciências são feitas experiências com materiais de que nos vestimos.

Depois vem a lição dedicada aos Abrigos para Homens e para Bichos - análise do facto de os homens construirem de forma diferente as suas casas; são mostrados modelos de habitações e, na secção de História Natural, abrigos de animais.

A 4ª lição é dedicada aos Transportes, vendo-se a evolução do transporte na terra e no mar, por meio de modelos. Na secção de Ciência demonstra-se porque motivos os modernos meios de transporte conduzem os homens e as mercadorias melhor e mais ràpidamente. O filme complementar chama-se «O Romance do Transporte».

A série termina com a lição que tem por título Bonecos e Brinquedos feita com espécies do museu. Entre os vários filmes que a ilustram um chama-se «Bonecas de variados países».

Finalmente o último grupo de aulas da lição de História, que diz respeito à vida nas outras terras começa com os Usos e Costumes da China, exemplificados com peças de arte e de artesania.

Depois vêem os Esquimós com a sua vida familiar no passado e os processos que usam para sobreviverem nas regiões do Árctico onde se encontram actualmente.

Dos pólos passa-se para os trópicos, para a Selva Africana, com os usos e hábitos caseiros e da vida de caça dos povos do Congo.

Segue-se a Vida na Selva do Amazonas, demonstrando com objectos que as crianças podem manusear, os hábitos dos povos que nela habitam.

Estas lições completam-se na secção de História Natural com aspectos da vida dos animais dessas regiões, relacionados com a vida do homem. São sempre ilustrados com filmes.

O programa desta secção termina com a lição do Caçador e a sua presa, para mostrar como, desde os tempos mais recuados, o homem, para sobreviver, tinha de matar os animais.

Exemplificação com instrumentos de caça dos povos primitivos. Na Secção de História Natura! vê-se como os animais são protegidos pela Natureza.

Seria demasiado longo continuar com a análise do programa, mas daremos apenas os temas das lições da secção de História Natura!. A primeira chama-se Vida Rural e é exemplificada com o diorama de uma propriedade rural e o manuseamento de espécies vegetais.

Seguem-se duas lições sobre Pets; pets são animais domésticos de que as crianças gostam, e é-lhes ensinado como os devem tratar. A Vida dos Pássaros é consagrada uma lição. Outra tem por título Porque razão um insecto não é humano?

Na secção de Ciências as lições começam no Planetário.

Astronomia para os pequeninos: O Homem e as suas Estrelas. A nossa Estrela o Sol. O nosso satélite a Lua. A Vida nos outros planetas.

Na Ciência da Terra explica-se às crianças como podem aprender coisas sobre o nosso planeta e as riquezas que encerra; fala-se nas rochas e minérios da região de Nova York e ensina-se a fazer uma colecção de minerais.

O grupo Experiências com o Mundo Físico começa com a lição sobre Átomos e Energia; na Química Caseira ensina-se a fazer experiências inofensivas; com os Transportes entra-se no domínio das viagens no Espaço.

Finalmente a última parte do programa Ver-Pensar-Comunicar, a prjmeira lição chama-se Tu e os teus sentidos, como sabemos o que se passa fora de nós; Ciência de todos os dias mostra qual o processo que o cientista emprega na solução de um problema e como a criança pode seguir o mesmo processo num trabalho pessoal.

Todas estas lições são de carácter experimental e completadas com filmes, alguns dos quais foram feitos propositadamente para o Museu.

Os programas especiais tratam mais desenvolvidamente dos temas versados no Programa da Extensão Escolar.

Alguns têm por título: A Luz e a Cor. O que é o Som. Os Dinossauros.

O Museu tem diversos clubes para as crianças que se mostram particularmente interessadas pelos assuntos tratados nos programas.

Esses clubes reunem-se uma vez por semana e têm entre outras as seguintes designações. «Clube dos índios», «Clube dos Pássaros», «Clube das Bonecas», «Clube da Ciência»; «O Clube do Livro» pública um boletim do Museu, inteiramente feito pelas crianças.

Para as crianças que não podem vir ao Museu, há unia colecção de mais de 5.000 objectos que circulam pelas escolas e que são utilizados pelos professores durante as aulas; são objectos de carácter histórico e científico, na maioria feitos para serem postos nas mãos dos pequenos.

As crianças deficientes são particularmente bem-vindas no Museu de Brooklin que lhes dedica sessões organizadas de modo ao pô-las em contacto com as outras crianças normais.

A visita do Museu começa pela «Dol House», (a casa da boneca). Dentro de vitrines, bonecas que são dadas para as mãos das meninas. Para os rapazes há outros brinquedos. Depois entra-se na Secção de História Natural que abre com «Bird Room» (a sala dos pássaros), onde se vêem dentro de pequenas vitrinas, pássaros embalsamados dispostos no seu habitat; as legendas têm os nomes habituais dos pássaros, sem qualquer aparato de classificação científica.

Passa-se em seguida para outro recinto onde estão embalsamados pequenos animais da região de New York e se vêm dois aquários com pequeninos peixes. Daí entra-se no «Live Animal Room» (a sala dos bichos vivos), contendo gaiolas com diversos animais: um pequeno macaco, um casal de chinchilas, porquinhos da índia, uma tartaruga, coelhos, pombos e uma família de ratos brancos.

À Secção de História Natural termina com o «Farm Room» onde se dispõem pequenos dioramas, com aspectos da vida rural nas regiões mais próximas de New York - a propriedade característica de criação de gado e produção de leite; os utensílios, os animais, e os maquinismos que o homem utiliza na vida rural; o processo de plantação de alguns vegetais e a linda habitação familiar de uma propriedade agrícola.

A Secção de História, o «History Room», apresenta dioramas com cenas da vida na América, desde os índios à Época Colonial, Expansão para o Oeste, Guerra Civil e Época Moderna. A parte dedicada aos «Transportes» contém modelos de barcos à vela, de navios a vapor, de aviões e, no centro da sala, um comboio eléctrico que as crianças podem pôr em andamento. Nas «Comunicações» o telefone, onde os pequenos ouvem a própria voz, o modelo de um telégrafo e o modelo do Vanguard 1.

Na Secção de Ciências o pequeno planetário para as lições de Astronomia, o Laboratório para as experiências de química e de física, uma colecção de mineralogia e o famoso «Boris», o modelo em plástico, de tamanho natural, do corpo humano.

O Museu possui também uma oficina de artes plásticas com um forno para cozedura de peças de cerâmica.

Na Biblioteca, onde as crianças mais pequeninas ouvem histórias e vêem livros de estampas, há uma secção reservada com livros estrangeiros; tive o prazer de encontrar dois livros portugueses «Os Animais nossos Amigos» e «Bartolomeu Marinheiro».

Por ser o recinto mais amplo do Museu é na Biblioteca que têm lugar os programas especiais e aí foi-me dado poder assistir a uma lição de História Natural. Os miudos sentaram-se no chão, em círculo, e no meio o Conservador da Secção, Mr. Bagn. Grande entusiasmo dos miúdos por irem ver e mexer em bichos vivos.

A estrela da sessão é um criceto, espécie de grande rato de pelo castanho, muito bonito. O criceto chega na sua gaiola - o Conservador pega no bicho e fala um pouco sobre a sua vida e os seus hábitos; depois leva-o à roda dos miúdos para eles lhes fazerem uma festa e o cumprimentarem - hallo Gola (Gola é o nome do bicho).

Em seguida o Conservador deixa dois ou três miúdos pegarem no Gola, e depois pergunta-lhes o que sentiram: se as unhas são rijas se o pêlo é macio ou áspero, que cheiro tem, etc.

Agora há uma tremenda excitação na roda dos pequenos; o Gola está em liberdade no meio da casa e vai caminhando para eles; acaba por ir cheirar as botas de um miúdo e esse tem o previlégio de lhe pegar e de o entregar ao Conservador.

A seguir entra em cena uma doninha, de grande pêlo, que foi recebida com aclamações.

Repete-se o mesmo processo: breve explicação sobre o animal, rápido contacto com os miúdos e perguntas às crianças. O espectáculo é encerrado com a exibição da família dos ratos brancos. A excitação atinge o auge quando os ratinhos são postos sobre os ombros duma miúda.

Foi uma hora de alegria e de encanto; as crianças estavam radiantes e fascinadas com os bichos.

Eu aprendi a maior lição da minha vida sobre a riqueza da imaginação humana e do valor das coisas simples.

Digo coisas simples porque tudo quanto eu vi nesse Museu, que ainda hoje é o mais completo no género, é de uma simplicidade enorme, digamos mesmo modéstia.

Todo o material do museu no que respeita material de exposição e dioramas é pobre e antiquado. A colecção de espécies que serve para as aulas e programas especiais é de aquisição pouco dispendiosa. Os próprios edifícios têm um aspecto de certo modo abandonado.

No meio dessa metrópole do dinheiro, há um museu maravilhoso para as crianças que nos parece modesto, o que nos leva a pensar que poderíamos ter um semelhante em Portugal. É a simplicidade desse museu que o torna um exemplo fascinante e por isso dele falei nesta primeira reunião de Conservadores dos museus portugueses.

Eu sei que há nesse museu uma grande riqueza - o seu corpo de Conservadores - e que em Portugal não poderemos pensar em semelhante luxo, enquanto nos nossos museus o pessoal técnico for menos que suficiente.

Mas outra revelação dos museus americanos foi para mim o serviço gratuito dos voluntários. Na grande maioria dos museus dos Estados Unidos o Serviço de Educação é feito, em grande parte, por voluntários que trabalham sob a orientação do Conservador da secção. Como entre nós se ensina a catequese e se faz obras de caridade, na América trabalha-se nos museus.

Quando se entra no mundo das crianças é natural dar-se asas à imaginação e ao sonho.

O Serviço Infantil que o Sr. Dr. João Couto organizou e orienta no Museu Nacional de Arte Antiga, com a colaboração dedicada de Madalena Cabral, é a garantia de que entre nós temos a pessoa capaz de pôr de pé uma obra tão bela como o Museu de Crianças de Brooklin.

Como para a realização dessas obras o essencial são os valores humanos, esperemos que um dia o sonho se torne realidade.

Maria José de Mendonça

domingo, setembro 18, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (4/9)

O RESTAURO E A CONSERVAÇÃO DAS OBRAS DE ARTE
por Abel de Moura

Uma experiência baseada em observações contínuas e uma prática do ofício, a par de um contacto com centros estrangeiros de actividades semelhantes, levam-nos a concluir que a conservação das obras de arte não se faz por restauros mas sim por uma vigilância constante das condições do meio ambiente e do comportamento das obras. Desta forma é possível evitar o descalabro dos locais cobertos e consequentemente a deterioração progressiva dos elementos constitutivos das obras de arte que neles se encontrem; durante muitos anos aquelas obras mantiveram-se em bom estado de conservação nos templos ou monumentos antes do abandono a que muitos foram votados.

A maior parte dos objectos que constituem as colecções dos nossos Museus são provenientes de Igrejas e conventos para onde foram executados; muitos deles sofreram com o desleixo e incúria, quer pela deterioração e destruição progressiva de muitos dos nossos monumentos, quer pelos restauros empíricos das obras plásticas que deles faziam parte.

Os tratamentos curativos raras vezes remedeiam e o restauro não é solução, ainda que dirigido por um critério sábio e consciente.

A actual Direcção dos Monumentos procura com o maior interesse executar um plano de conservação e restauro do nosso mutilado e desfalcado património artístico, apesar dos obstáculos de ordem material que impedem constantemente a conclusão de uma obra desta natureza. Daí resultarem muitas vezes perdas e danos depois de iniciadas muitas obras de beneficiação.

Devemos entender que se impõe organizar um plano de obras de consolidação e valorização de tudo quanto resta disperso no nosso pais, na esperança de evitar a perda total e irremediável a que assistimos.

A todos os conservadores presentes nesta magna reunião e a todo o pessoal responsável pela conservação do nosso património, compete a elaboração do referido plano previamente patrocinado pela Direcção-Geral das Belas-Artes e dos Monumentos Nacionais.

Os cuidados votados à defesa do património artístico de uma Nação, revelam o seu nível cultural e isto explica porque tantos países se empenham na protecção eficaz das criações plásticas.

Entre nós impõe-se também instituir uma inspecção periódica formada por uma «équipe) de técnicos a fim de tornar possível um constante contacto com o estado de conservação da obra de arte. Nestas intervenções poderiam ser utilizadas fichas e gráficos meteorológicos semelhantes aos que foram por nós já sugeridos no décimo sexto Congresso Internacional de História de Arte e publicados sob o título «o problema da conservação da pintura».

A propósito do que acabamos de referir lembro uma vez mais a proposta de grande alcance apresentada superiormente pelo Director do Museu Nacional de Arte Antiga, Dr. João Couto, relativamente à acção local para o tratamento da pintura e sua permanente conservação.

Damos para exemplo uma das fichas a que acima nos referimos:



Por nos parecer indispensável a colaboração das entidades eclesiásticas em tão importante empreendimento de interesse cultural e nacional, damos a seguir uma transcrição dos paragrafos das «disposições Pontifícias em matéria da Arte Sacra» que julgamos interessarem directamente ao assunto em questão.

«DISPOSIÇÕES PONTIFíCIAS EM MATÉRIA DE ARTE SACRA»

CAPíTULO I

§ 1.° A actividade de cada comissão local deve principalmente visar:
a) À tutela e à boa conservação das obras e dos objectos de arte antiga e moderna pertencentes ao património eclesiástico.
.....................................................................................

§ 5.° Em nenhuma Igreja ou noutros edilicios sagrados será permitido proceder a reparações, modificações ou destruições, sem a aprovação escrita da Comissão Local.
.....................................................................................

§ 7.° A vigilância cuidadosa é o primeiro coeficiente da boa conservação. Por isso, quanto aos Edifícios (categoria. A) deve-se impedir absolutamente que as águas das chuvas penetrem na construção, e se infiltre qualquer outro género de humidade.

Para as obras de arte (categoria B), não serão nunca bastante recomendadas a vigilância, a limpeza e a cautela, a fim de que tudo seja bem conservado, bem guardado e bem defendido quer contra a deterioração proveniente de acidentes imprevistos, quer contra os rigores do tempo, quer contra a rapacidade sacrílega. dos ladrões.
.....................................................................................

§ 10.° Recorde-se que um grandíssimo número de obras antigas sofreu danos graves e irreparáveis mercê do zelo inconveniente e da ignorância presunçosa de guardas e restauradores ineptos.

É preferível e algumas vezes menos grave, a danificação produzida pela natureza e pela idade do que o prejuízo causado por mãos inábeis; é preferível, por exemplo, que um fresco permaneça oculto pelo reboco, em vez de ser irremediàvelmente rasgado por uma raspagem mal feita; é preferível que uma velha escultura em madeira conserve a sua antiga cor «patine» ou douradura, em vez de ser mal refeita.

§ 11.º Vigie-se que as obras de arte expostas ao culto não sofram prejuízos da chama e do gotejar das velas e das lâmpadas de azeite, e que as instalações da luz eléctrica e as mobílias, ao serem eventualmente aplicadas, não danifiquem as obras de arte, as paredes ou outras coisas.
.....................................................................................

CAPÍTULO III

§ 20.º As Comissões Locais cuidarão da formação de uma consciência artística adequada das pessoas que por dever de ofício, ou por hábito, devem ocupar-se do património artístico eclesiástico.

Para tal fim é de grande utilidade o ensino prático ou intuitivo da história da arte, ministrado diante das obras ou pelo confronto de boas reproduções e por projecções.

Especialmente nos Seminários Regionais e nos outros das grandes Sedes Metropolitanas ou diocesanas, são de recomendar tais lições, que deverão ser completadas com conferências realizadas por pessoas verdadeiramente competentes.

Estas lições e conferências deverão ser frequentadas, não só pelos alunos e pelo clero secular e regular, mas também por aqueles leigos em cuja actividade específica se pode fazer confiança.

É oportuno que as noções de história da arte sejam completadas por qualquer lição prática, ou pelo menos, por qualquer notícia sobre a boa conservação, sobre a restauração ou sobre disposição racional das coisas necessárias ao culto e das de carácter artístico.

E não se deve esquecer que um meio muito simples para infundir e aperfeiçoar nos jovens seminaristas e em todas as outras pessoas o sentido do belo e o bom gosto, consiste em adornar com estimáveis obras de arte os ambientes, e, sobretudo, na exposição periódico-rotativa (sobre as paredes das aulas, dos corredores, dos parlatórios, das residências dos cónegos, das casas paroquiais, etc.) de fotografias, estampas, desenhos de monumentos e obras de arte excelentes, inclusivé de objectos referentes ao culto, os panos com que se adornam as paredes dos templos, etc.
...........................................................

CAPíTULO IV

COMUNICAÇÕES COM A COMISSÃO CENTRAL

§ 26.º A Comissão Central está à disposição das Comissões Locais para tudo quanto se refira a auxilios e pareceres sobre projectos, restaurações, deliberações, bem como para inspecções e para a propaganda destinada a espalhar os princípios essenciais da cultura artística e técnica.

Abel de Moura

sábado, setembro 17, 2005

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (3/9)

RESTAURO DOS MUSEUS DE TÊXTEIS DA PROVÍNCIA
por Maria José de Mendonça

Nos Museus da Província guardam-se colecções preciosas de tecidos, tapetes e tapeçarias.

Basta mencionar as alcatifas orientais e os paramentos do Museu de Machado de Castro de Coimbra, as tapeçarias flamengas do Museu de Lamego, o mostruário de tecidos e o pelote de D. João I, do Museu de Guimarães, e as alfaias litúrgicas que enriquecem os Museus de Aveiro, de Évora e de outras cidades do pais.

Se olharmos para as colecções que pertencem a autarquias locais e a organismos particulares, temos os tapetes de Arraiolos da Casa dos Patudos, as tapeçarias do Paço de Vila Viçosa e do Museu do Caramulo, as tapeçarias e as colchas da Casa Guerra Junqueiro, no Porto.

O património da Igreja conserva riquíssimas colecções de paramentos, particularmente nas Sés catedrais, avultando entre elas a que se expõe no Museu da Sé bracarense.

As tapeçarias, os tapetes, os tecidos e os bordados pertencem ao número de obras de arte que apresentam maiores dificuldades de conservação.

As matérias orgânicas que os constituem, de origem animal, como a lã e a seda, ou vegetal, como o linho, o cânhamo e ao juta, são muito sensíveis à acção da humidade, da luz e das poeiras, e estão sujeitas ao ataque de insectos e de fungos.

As condições de humidade do meio ambiente onde os têxteis se encontram são a origem da maior parte dos danos a que estão sujeitos.

A humidade provoca movimentos na estrutura celular das fibras que se enchem de água ou se esvaziam, conforme a atmosfera está excessivamente húmida ou seca; é um dos agentes no enfraquecimento das fibras e no descoramento dos tecidos, causados pela luz, e cria o meio ambiente para a formação dos fungos.

A luz, seja natural ou artificial, provoca alterações nos têxteis de tal gravidade que a sua acção permanente acabará por os destruir.

Os danos causados pela acção da luz são o enfraquecimento das fibras e o descoramento dos tecidos.

Todas as fibras naturais perdem gradualmente a resistência expostas à luz solar.

Este facto deve-se à acção dos ultra-violetas, devendo tomar-se em conta a intensidade da luz, duração da exposição, e a humidade e temperatura do meio ambiente.

Foi estudada a resistência das diversas fibras naturais à acção da luz solar.

A mais resistente é a lã; segue-se por ordem decrescente o cânhamo, o algodão, a juta e a seda.

O descoramento dos tecidos é causado pelos mesmos factores do enfraquecimento das fibras mas, o elemento mais importante, é a natureza de complexo formado pelo corante com o substracto do objecto.

A acção da luz artificial é muito menos intensa no enfraquecimento e descoramento dos têxteis do que os danos causados pela luz solar.

Os têxteis absorvem as poeiras e são fàcilmente contaminados pelos fumos e pelos gases su1furosos dos grandes centros urbanos.

As poeiras e a sujidade favorecem a acção destruidora da humidade e do ataque dos insectos.

O ácido sulfúrico, existente na atmosfera dos centros industriais, é um dos factores mais nocivos no enfraquecimento das fibras.

Como acontece com outras matérias orgânicas, os têxteis são susceptiveis de sofrerem o ataque de parasitas e de fungos.

Os parasitas que atacam a lã dos tapetes e tapeçarias são a traça (tinea taptezella de Lineu) e o antreno (anthrenus lepidua de Lineu e anthrenus varius de Fabre).

O desenvolvimento dos fungos é menos vulgar mas verifica-se também podendo causar a destruição das rendas.

O calor húmido, a falta de ventilação e a sujidade favorecem o desenvolvimento destes organismos.

Se, feita esta rápida resenha dos estragos que o meio ambiente pode causar na conservação dos têxteis, atendermos ao manuseamento e processos de exposição e arrecadação das espécies, verifica-se que são necessários cuidados especiais para não se causarem danos e perdas que podem ser irreparáveis.

Desta circunstância resulta que grande número de têxteis existentes nos museus do país se encontram em estado precário de conservação e precisam de serem submetidos a trabalhos de beneficiamento e restauro.

Desde que o tema em discussão pressupõe que as obras de arte sejam restauradas nos próprios museus, vamos ver as possibilidades de o fazer no que respeita os têxteis.

Os trabalhos de beneficiamento de têxteis consistem na limpeza, na consolidação e na reconstituição das perdas de textura.

Para se efectuarem esses trabalhos são necessárias oficinas com apetrechos especiais e pessoal técnico habilitado.

O apetrechamento de uma oficina dessa especialidade é dispendioso.

Começando pela lavagem de tapetes e tapeçarias, é necessário dispor-se de um local vasto, com pavimento de cimento e água corrente. O restauro das peças faz-se em grandes teares horizontais de madeira e aço.

Para o tratamento dos tecidos são precisas mesas de lavagem e de secagem, de grandes dimensões, e aparelhos de distilação da água, quando a da região for calcárea.

Há ainda a considerar os materiais de restauro, as lãs e as sedas, que se torna necessário mandar vir do estrangeiro, em quantidades que custam verbas avultadas.

A preparação do pessoal da oficina é um trabalho lento e delicado, particularmente da pessoa que tem a responsabilidade técnica da obra.

A orientação geral da actividade da oficina é da competência de um conservador, especializado na matéria.

Dadas as condições em que deve funcionar uma oficina deste género parece pouco viável, tanto por razões de ordem económica como devido à preparação do pessoal, multiplicá-las pelo país.

Poderia encarar-se a eventualidade de haver uma oficina itinerante que percorresse o país e se instalasse nos museus que precisassem dos seus serviços.

A dificuldade na organização de uma oficina desse tipo reside sobretudo no recrutamento do pessoal que seria obrigado a passar longos prazos, pois que os trabalhos de restauro são demorados, fora do seu ambiente familiar.

Nessas circunstâncias, considerando a necessidade de se atender à conservação das colecções de têxteis dos museus da província e à dificuldade desses museus organizarem, por enquanto, as suas próprias oficinas, propõe-se que seja estudado um programa, tendo em vista o seguinte:

- Meios ao alcance dos museus para assegurarem a conservação dos têxteis: tapetes, tapeçarias, e tecidos.
- Meios da oficina de restauro do Museu Nacional de Arte Antiga prestar assistência aos museus da província.
- Meios ao alcance dos museus para assegurarem a conservação das colecções de têxteis.

É fundamental na vida dos museus que os conservadores conheçam os meios de defesa e conservação das obras de arte e que tenham possibilidades de os pôr em prática.

No que respeita os têxteis, é necessário que as condições atmosféricas, a iluminação e a higiene dos locais onde se expõe e os processos empregados na exposição correspondam, pelo menos, ao mínimo considerado indispensável para a conservação das peças, não esquecendo os cuidados a ter quando elas se encontram arrecadadas.

As matérias orgânicas que constituem os têxteis são, como já se disse, sensíveis às condições atmosféricas; são matérias vivas que necessitam de um determinado clima para não sofrerem alterações que podem causar a sua destruição e desaparecimento.

Nesse clima, estudado pela Física aplicada à conservação das obras de arte, há a considerar a humidade relativa e a temperatura. A humidade relativa exprime a relação entre a quantidade de água presente num volume de ar a uma certa temperatura e a quantidade máxima que esse volume pode conter, à mesma temperatura.

São conhecidos os limites máximos e mínimos de humidade relativa necessários à conservação das obras de arte.

A temperatura não exerce acção directa sobre as espécies mas tem de ser considerada devido à sua influência na humidade relativa.

As condições óptimas do clima dos museus são cerca de 18° C. de temperatura e 58 % +/- de humidade relativa.

Para se manter permanentemente estas condições torna-se necessário que o edifício do museu esteja climatizado, o que rara¬mente acontece, mesmo em países onde os museus dispõem de verbas avultadas como nos Estados Unidos.

Em Portugal fez-se recentemente a climatização parcial de um edifício antigo, adaptado a reserva de obras de arte.

Refiro-me ao Palácio Pombal, em Oeiras, onde se encontra a Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian.

A instalação da colecção esteve a meu cargo, quando dirigi o Serviço de Belas Artes e Museu da Fundação, e uma das condições indispensáveis pareceu-me ser a climatização dos locais destinados às reservas das espécies.

O sistema empregado compreende aparelhagem de ventilação, humificadores e desumificadores que trabalham permanentemente, dia e noite, controlados por registos de humidade relativa e de temperatura.

A experiência adquirida na instalação e funcionamento do sistema, a cargo do Serviço de Projectos e Obras da Fundação, poderá ser de grande utilidade para os nossos museus, pois que o beneficiamento do clima das suas saJas não poderá ir além, pelo menos num futuro próximo, da instalação de aparelhagem semelhante, para melhorar as condições de ventilação, temperatura e humidade.

A primeira precaução a tomar é conhecer as condições actuais do clima dos nossos museus, instalando nas salas de exposição de tecidos e nos depósitos aparelhos registradores. - higrómetros, termo-hidrógrafos ou termómetros secos-húmidos.

O limiar de formação de fungos está fixado a 70 %; abaixo de 50 % as condições de humidade são desfavoráveis para as matérias higroscópicas como, entre outras, os têxteis.

Duma maneira geral o que se torna necessário é manter de humidade relativa entre 50 e 65 % e evitar as variações bruscas.

Outro aspecto a considerar no clima dos museus é a pureza. do ar.

Nos museus climatizados o ar é limpo de impurezas antes de entrar na circulação interior.

Na impossibilidade de se obter essas condições óptimas torna-se necessário ter em conta a higiene dos locais de exposição e de depósito dos têxteis.

A melhor maneira de defender as espécies dos danos causados pelas impurezas do ar e do ataque dos insectos é resguardá-las sob vidro.

Há museus onde os tapetes e tapeçarias mais preciosas estão colocados sob vidro mas, pelo menos, os tecidos nunca devem ser expostos fora de vitrines.

A defesa dos têxteis contra os danos causados pela luz obedece aos seguintes princípios:

- a luz do sol nunca deve incidir directamente sobre as espécies.
- a iluminação natural ou artificiaJ não deve ser demasiado intensa.
- a luz natural pode ser controlada por cortinas, estores, vidros opacos que difundem a luz ou vidros especiais que a filtram, interceptando os raios ultra-violetas.
- as salas de exposição devem permanecer na obscuridade, quando o museu estiver fechado ao público.
- na iluminação artificial pode empregar-se as lâmpadas incandescentes (luz quente) ou os tubos fluorescentes (luz fria). Este último tipo de luz tem a vantagem de não aquecer o interior das vitrines, mas torna-se necessário não utilizar os tipos de tubos que o inquérito levado a efeito pelo 1COM, em 1953, considera menos recomendáveis para a iluminação de objectos de museu.

Na defesa dos têxteis contra os ataques de insectos a primeira condição é a limpeza das espécies e a higiene e ventilação dos locais, onde se encontram expostas ou arrecadadas.

A acumulação de poeiras e outras sujidades favorece o ataque da traça.

Como medida preventiva as colecções devem ser examinadas, limpas e desinfestadas, todos os anos, na altura da creação da traça que, no nosso país, é em Fevereiro.

No Museu de Arte Antiga emprega-se na desinfestação dos têxteis o paradiclorobenzol, em forma de cristais, por meio de pulverização.

Existe também uma câmara de fumigação que trabalha com gás cianídrico.

Os sistemas de suspensão e o tipo de manequins e de outros dispositivos empregados na exposição dos têxteis são um elemento a considerar na conservação das espécies.

Como princípio geral as peças devem ser munidas de forros que suportem parte do peso da sua «queda», quando estejam suspensas, e evitem deformações e vincos nos tecidos colocados em manequins.

No artigo publicado no Boletim de Museus Nacionais de Arte Antiga sobre «Conservação Restauro e Apresentação de Tapeçarias e Tapetes Antigos» ocupo-me deste assunto, bem assim como dos cuidados a ter na arrecadação dos têxteis.

Antes de terminar estas breves considerações sobre a conservação de tapetes, tapeçarias e tecidos, quero referir-me a um meio pouco empregado mas que me parece essencial para se prolongar a vida dessas o bras de arte; esse meio consiste na exposição temporária ou rotativa das espécies, como se faz com os desenhos, as aguarelas e as iluminuras.

No programa do Museu da Fundação Gulbenkian estabeleci esse principio, hoje pouco frequente ainda mas que, de futuro, será necessàriamente posto em prática pelos museus, para defesa das espécies existentes nas suas colecções.

É também para desejar que os conservadores dos museus conheçam os processos de restauro que devem ser empregados; neste particular a sua acção pode ultrapassar o museu e esclarecer outros organismos responsáveis pela defesa das obras de arte. Isto vem a propósito de um género de restauro feito à máquina que está a ser aplicado entre nós em paramentos e outras alfaias de culto, pertencentes a entidades eclesiásticas.


Meios da Oficina de Restauro de Têxteis do Museu Nacional de Arte Antiga prestar assistência aos museus da província.

A Oficina de Restauro de têxteis anexa ao Museu de Lisboa, encontra-se bem apetrechada e com pessoal habilitado na conservação de tapeçarias, tapetes e tecidos, trabalhando sob a orientação técnica da Sra. D. Maria José Taxinha.

Grande parte da actividade da Oficina tem sido dedicada aos museus da província, pois que desde o inicio da sua laboração se ocupa do beneficiamento de tapeçarias flamengas do Museu de Lamego e tem, presentemente, em estudo o restauro do pelote de D. João I, do Museu de Guimarães.

Mas julgo que a Oficina poderia prestar uma assistência mais directa aos museus do país se tomasse contacto com as colecções, para avaliar do estado em que se encontram e elaborar um programa de trabalho, tendo em vista discriminar as peças que necessitam mais urgentemente de tratamento.

Esse programa foi feito para as tapeçarias, mas torna-se necessário completá-lo na parte que diz respeito aos tapetes e aos tecidos.

Outro aspecto dessa assistência seria a visita periódica da Chefe da Oficina aos museus da província, a fim de examinar as espécies que já tenham sido tratadas e assegurar a sua conservação.

Maria José de Mendonça

BIBLIOGRAFIA

- La conservation des tapisseries et tissus anciens, «Mouseion» vols. 21-24, 1933.

- Maria José de Mendonça - Conservação, restauro e apresentação de tapeçarias e tapetes antigos. «Boletim dos Museus Nacionais de Arte Antiga» vol. II, 1941.

- H. J. Plenderleith - The Conservation of Antiquities and Works of Art, 1956.

- Paul Coremans - Le Laboratoire et sa mission, «L'Organisation des Musées. Conseils Pratiques» Unesco, 1959.

- H. J. Plenderleith, P. Philippot - Climatologie et Conservation dans les Musées
«Museum»
vol. XIII, nº 4, 1960.

- Maria José de Mendonça - A Oficina de Beneficiamento de Têxteis do Instituto de
Restauro de Lisboa
, «Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga», vol. IV, nº 2, 1960

Viriatis, vol. IV, ano de 1960 (2/9)

MISSÃO DO CONSERVADOR
por António Manuel Gonçalves

A orgânica dos Museus constante dos projectos legislativos insertos no Relatório da Comissão, nomeada por decreto de 10 de Novembro de 1875, para propor a Reforma do Ensino Artístico e a Organização de Serviços dos Museus e Monumentos Históricos e Arqueológicos (1), definiu pela primeira vez, no nosso país, as atribuições dos conservadores, incumbindo-lhes (2):

1º - A conservação, classificação e aumento das colecções.
2º - Fazer os Catálogos e Inventários descritivos das colecções de que estiverem encarregados.
3º - Fiscalizar o serviço dos seus subordinados.
4º - Propor e promover todos os melhoramentos necessários.
5º - Propor ao Conselho a aquisição de objectos para aumento das secções respectivas.

Assentava o projecto do Museu Nacional e central a instituir que um dos conservadores do quadro exerceria anualmente o cargo de director, por escala; como chefe do serviço teria de assumir, aliás, mera função administrativa.

Embora o decreto reformador das Academias de Belas Artes de 22 de Março de 1881 prometesse que uma lei especial viria a determinar o pessoal, serviço e dotação do Museu Nacional de Belas Artes que veio a inaugurar-se em 11 de Maio de 1884, o certo é que a galeria das Janelas Verdes só auferiu regulamento em 1916, sob a esclarecida direcção do Dr. José de Figueiredo.

Entretanto já o Doutor José Leite de Vasconcelos alcançara, dois anos antes, o Regulamento do Museu Etnológico Português, no qual se enumeram em dois extensos artigos as obrigações do director e do conservador. Dos nove requisitos do primeiro, importa salientar dois que bem condensam o rumo e a responsabilidade da função:

- Dirigir o Museu e o respectivo pessoal, fiscalizar a boa aplicação das verbas destinadas ao serviço do Museu, promover o aumento das colecções, superintender na disposição, classificação, conservação, numeração, arrolamento e catalogação dos objectos, e em tudo quanto respeitar ao Museu (- o 2.°).
- Facilitar quanto possa o estudo do Museu às pessoas que isso desejarem (- o 7.°).

E estabelecia um decálogo de obrigações do conservador, entre as quais as de:

2º - Velar pelo bom estado do edifício, e pelo asseio e boa disposição das colecções do Museu, e propor ao director as melhorias que nesse sentido julgar convenientes.

4º - O serviço da secretaria, da biblioteca, das contas e do expediente das publicações do Museu.
5º - Arrolar, numerar, rotular, catalogar os objectos do Museu.

6º - Auxiliar o director em tudo quanto concorrer para o aumento e importância das colecções do Museu e biblioteca.

7.° - Elucidar os visitantes que lhes pedirem informações acerca dos objectos do Museu.

Por outro lado, o artigo 10º do Regulamento do Museu Nacional de Arte Antiga, de Março de 1916 (3), que ainda vigora no essencial, dentro das quinze atribuições do director, exara as de:

- Superintender na descrição, classificação, conservação e inventariação dos objectos encorporados no Museu, competindo-lhe também, quando os catálogos não sejam directamente feitos por ele proceder à sua revisão e incumbindo-lhe ainda, em qualquer hipótese, dirigir a respectiva publicação.

- Velar pela conservação do edifício, mandando proceder às obras necessárias para esse fim, ou solicitando das estações competentes a execução dessas obras.

No artigo sequente (o 11º), articulam-se como obrigações do conservador:

2º - Propor ao director do Museu as medidas que julgarem convenientes à boa disposição e conservação dos objectos que lhes forem especialmente confiados por aquele funcionário.

5º - Conforme indicação do director e sob as ordens deste, executar trabalhos de inventariação, classificação, descrição e catalogação dos objectos encorporados no Museu.

6º - Auxiliar o director em tudo quanto possa concorrer para o incremento e valorização das colecções do Museu e da sua biblioteca.

7º - Acompanhar e elucidar os visitantes, quando, para isso, forem especialmente designados pelo director.

8º - Aux:iliar o director nas publicações do Museu.

10º - Informar o director da existência de qualquer objecto que se lhes afigure dever ser adquirido para o Museu ou nele encorporado...

E são os regulamentos dos museus centrais e normais do país - o de Belas Artes e o de Arqueologia - que, em verdade, melhor e mais pormenorizadamente legislam determinantes do mlÍnus de conservador.

Outros regulamentos foram publicados e cabe citar os dos Museus Nacionais dos Coches (de 31 de Julho de 1914) e de Arte Contemporânea (de 14 de Março de 1917) e os dos Museus Regionais de Grão Vasco (de 12 de Maio de 1921) e de Alberto Sampaio (de 26 de Julho de 1932).

O de Viseu que deve considerar-se o primeiro regulamento conferido a Museu Regional, insere no Capítulo II um articulado de onze atribuições do supremo responsável, criteriosamente designado como Director-Conservador. Muito interessa recordar que o obriga a:

- Exercer sobre os objectos expostos uma cuidadosa e assídua inspecção, a fim de atenuar, quanto possível, as danificações que o tempo neles exerça e de poupá-los a malefícios de qualquer origem.

***

Porquanto um estágio oficial se tivesse empreendido e regularizado vai para três décadas, - e ainda remoçado há meia dúzia de anos - certo é que as exigências do mister se delimitam ao âmbito administrativo geral, não meramente burocrático, antes concretizado nas progressivas e necessárias satisfações técnicas dos serviços.

A vária legislação relativa a museus, que possuimos, é juridicamente mais incisiva quanto às atribuições e regulamentação institucional do que discriminadora de exigências profissionais. Nem importa ambicionar sequer uma adequada minudência legislativa de obrigações museológicas; o problema é de ética profissional.

Digamo-lo abertamente: há uma deontologia do conservador, um condicionamento moral e social do exercício da função que trasmuda a conduta técnico-administrativa numa vocação, num sacerdócio.

Sucedendo na carreira aos abnegados pioneiros e organizadores dos museus que mantemos e valorizamos, aos prestigiosos responsáveis do património artístico nacional, qualquer conservador dos de antanho ou desse punhado que serve nas instituições actuais é bem «esse velho tipo de funcionário» que o Prof. Oliveira Salazar um dia apontava «que conhece todas as minúcias do seu trabalho, só pensa no desempenho da sua função, se entusiasma com a boa ordem e aperfeiçoamento dos serviços, é progressivo, é zeloso, é exacto, não tem horas de serviço por que são todas, se é necessário, e sobretudo tem o espírito de justiça e o amor do povo. (...) Vive do seu lugar, porque vive para o seu lugar; é respeitado porque se respeita; sente-se digno porque se sabe útil, e mesmo no mais baixo da escala, nos mesteres mais humildes ele pode tocar a perfeição». (4)

***

Não seria difícil extrair da legislação portuguesa que referimos - e vigora - as coordenadas essenciais da missão do conservador. Parece-nos antes preferível, por agora, tendo em conta o que examinámos, ajuntar sumárias considerações deontológicas.

O museu definiu-o Georges Salles il est un laboratoire et il est un thêatre, fórmula que sintetiza as actividades essenciais do organismo e condiciona as do conservador: conservar e encorporar; expor; documentar; divulgar.

A primeira demonstração profissional que o público exige ao conservador - e constitui obrigação indeclinável de quem organiza ou dirige um museu - é saber dispor e apresentar as espécies numa ordem coerente, com tabelas precisas, e num arranjo estético que denuncie evidente sabedoria e tacto museológicos.

O conservador tem de afeiçoar-se de tal maneira aos objectos que lhe estão confiados e de entusiasmar-se na sua contemplação e estudo que acaba por auferir o senso e o gosto de os expor - expor pouco, expor bem, expor bom - conveniente e sugestivamente, de modo a despertar no público iguais entusiasmos.

Ao analisar a formação e especialização dos servidores técnicos dos museus, verificou Douglas Allan que, suposta a formação teórica indispensável que um adequado ensino possa conferir, a formação profissional do conservador só é garantida pelo trabalho que desempenhar no museu. Fora dos museus - sem apaixonado entusiasmo e aplicado exercício nas instituições próprias do mester - não há conservadores.

 acção do conservador abrange um campo muito vasto que vai dos estudos eruditos às preocupações de administrador e de monitor: desempenha uma função estética, científica, pedagógica. Evidentemente que a formatura universitária vem sendo exigida como um mínimo pressuposto para cultivar esta difícil e complexa carreira, mas não a garante, porque as condições primordiais são: o espirito de serviço (a devoção total, fervorosa, e, em determinado sentido, desinteressada) e o dom inefável de bom senso e bom gosto, insubstituível, tão dos nossos conservadores, autodidactas e profundos connoisseurs - com ou sem títulos de cursos superiores - que tanto honraram e dignificam a museologia portuguesa.

Importa porém é que seja qual for a importância do museu que lhe seja confiado - como assevera igualmente o tratadista Douglas Allan (5) - o director ou conservador deve ser equiparado ao nível, pelo menos, do professor especializado e competente do ensino secundário. E tem de ser um sujeito sabedor, investigador permanente e transmissor de concretas «ideias gerais». Convém-lhe, na verdade, uma certa experiência. ou trato pedagógico, visto o seu labor se desenvolver em grande parte num âmbito educativo.

Para Edouard Michel é preciso que o conservador seja simultâneamente um santo, um consciencioso coleccionador, um avisado diplomata, um hábil administrador. Pode não reunir todas estas expressivas qualidades, mas pode alcançá-las, umas e outras com os vagares atinentes, na medida da sua equação pessoal - se trabalhar com afinco e obedecer à exigentissima condição moral que sobreleva comodismos e fáceis triunfos: - deve estar resolvido a servir, na total acepção do termo.

As satisfações que dá o mester são modestas, situam-se no plano intelectual: viver em contacto com as coisas belas; estudá-las, compreendê-las um pouco melhor em cada dia; exercer uma acção pessoal; desvendar à juventude um mundo que ela ignora.

Outra condição essencial: o conservador «devra posséder une sensibilité d'oeil et de gout qui lui permettra de juger la qualité d'une oeuvre, quelles que soient la signature, l'école et l'époque. Il y a là un don que rien ne peut remplacer. A notre avis le candidat qui en serait privé ne devrait pas être dirigé vers ces carrieres, quels que soient, par ailleurs, ses mérites d'érudition et de caractere.» (6).

E se é vantagem excepcional para o conservador ter bom gosto e sólidos conhecimentos em todos os domínios, é todavia indispensável que procure aprofundar um determinado assunto ou actividade artística. É o conservador especializado que o público e os estudiosos mais procuram. Uma especialização firma ainda seriamente uma carreira de saber geraJ e bom senso técnicos. Este sector é aquele onde usa da sua competência para identificar os objectos e perscrutar o seu estudo, de modo a registar as fichas, organizar os catálogos, redigir as notícias, elaborar as monografias pertinentes. O possuir ainda conhecimentos práticos, extensos e pormenorizados, noutros domínios, factor sobremaneira vantajoso, não obriga porém à infalibilidade em tão exigente e complexa função.

Sendo as aquisições de obras de arte acontecimento permanente na maior parte dos grandes museus, afirma o Dr. João Couto que "esta é a mais delicada e difícil função do conservador. Empenhando por vezes grandes capitais, a decisão de adquirir uma obra de arte ou de recomendar a sua compra constituí um pesadelo que passa despercebido ao visitante despreocupado.
"Nesta missão e na de dar paternidade à obra quando ela não é evidente, estão os escopos do ofício e é aquí que o saber, o gosto, o escrúpulo, e, de certo modo, a segurança em si próprio do conservador são nitidamente postos à prova.
"Não nos podemos submeter aos dizeres do público frequentador das galerias, mas ainda menos podemos confiar cegamente nas lições dos críticos de arte, sempre embalados e levados a formular as hipóteses mais ousadas, tantas vezes destituídas de alicerces seguros.
"Não podemos, nós os conservadores, enganar o público ou tão pouco conduzi-lo por caminhos obscuros. Por isso a tabela que pomos ao lado da obra de arte, síntese dos conhecimentos exactos obtidos até um certo momento, é a mais grave das provas a que somos submetidos". (7)

E nesta palavra me detenho, palavra de Mestre, do guia esclarecido que formou toda uma geração de responsáveis pelo património artístico nacional, o Mestre de todos nós, exemplo vivo e constante do autêntico conservador.

António Manuel Gonçalves

NOTAS

(1) - V. Relatorio dirigido ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do Reino, pela Commissão nomeada por decreto de 10 de Novembro de 1875 para propor a Reforma do Ensino Artistico e a Organisação do Serviço dos Museus, Monumentos Historicos e Archeologia, I Parte - Relatorio e Projectos, Lisboa, 1876, pp. 9-12 e 33-39.

(2) - Id., p. 36 (Artº 96º).

(3) - Publicado no Diário do Governo, I série, nº 51, de 16 de Março de 1916; e rectificado no nº 71, de 12 de Abril do mesmo ano.

(4) - António de Oliveira Salazar. A função pública e a burocracia (Discurso de 5 de Setembro de 1940), in Discursos e Notas Politicas, vol. III (1938-1943), Coimbra, 1943, pp. 284-285.

(5) - v. Douglas Allan, «Le personnel», Capº III de L'Organisation des Musées - Conseils pratiques, UNESCO, Paris, 1959, especialmente: Les Conservateurs, pp. 55-65.

(6) - Edouard Michel, Musées et Conservateurs - Leur rôle dans l'Organisation Sociale, Bruxelles, 1948, p. 68.
«Le conservateur c'est le Maitre Jacques, le polyvalent de la science contemporaine. II doit être un érudit imbattable sur les noms et les dates, un spécialiste de l'histoire de l'art et des civilisations, un expert qui sache évaluer l'authenticité des objets qui lui sont proposés à l'examen ou à l'achat, un financier au courant de la cote de chaque artiste, un administrateur gérant le budget d'une grande maison, un technicien qui utilise les plus récentes découvertes à la conservation des objets à lui confiés, un décorateur qui les présente dans un cadre harmonieux, original et suggestif, un professeur capable d'enseigner ses jeunes visiteurs, un diplomate qui cultive des belles relations pour obtenir des amateurs les dons ou legs sans lesquels son musée ne saurait s'enrichir, un écrivain enfin s'il lui reste assez de temps et de talent pour rédiger des articles ou des livres». (Luc Benoist, Musées et Muséologie, Paris, 1960, p. 6).

(7) - João Couto, As Exposições de Arte e a Museologia, Lisboa, 1950, pp. 5-6.
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